As obras no aeroporto Humberto Delgado para aumentar a capacidade de receção de passageiros em Lisboa deverão arrancar em 2018 e vão permitir a aterragem e descolagem dos atuais gigantes da aviação comercial, os Airbus A380 e os concorrentes Boeing Dreamliner, apurou o Jornal Económico junto de diversas fontes ligadas ao processo.
Esse cenário deverá tornar-se uma realidade em 2021, ano em que está prevista a conclusão destas obras no aeroporto principal de Lisboa, num investimento que poderá oscilar entre os 250 e os 350 milhões de euros, como o Jornal Económico avançou em primeira mão na anterior edição impressa. Segundo as últimas estimativas, esse montante poderá mesmo atingir um valor superior a 400 milhões de euros, num prazo temporal de cinco a dez anos, em que a grande maioria das adaptações necessárias estarão concluídas até 2021.
Neste momento, a impossibilidade de os A380 e os Dreamliner aterrarem em Lisboa não tem nada a ver com a dimensão ou a capacidade de resistência da pista, mas sim com as mangas telescópicas existentes na Portela, as quais não estão adequadas para receber aviões com essa volumetria.
As intervenções a efetuar incluem o encerramento da pista menos utilizada, para aproveitar o espaço para estacionamento dos aviões e para a criação de duas novas gares, com destaque para uma plataforma específica para os voos intercontinentais, ligada à gare central por via subterrânea, mas que possibilitará aos passageiros efetuarem as suas escalas de uma forma mais rápida e confortável, sem terem de se deslocarem à gare central do aeroporto. Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas chamou-lhe na quarta-feira passada “terminal satélite”, acentuando a aposta na consolidação de Lisboa como um hub. Também está prevista a construção de um terminal Sul.
Pedro Marques acrescentou que com estas obras, o aeroporto de Lisboa passará de 17 pontos de estacionamento de aviões para 38, com possibilidade de extensão para 42. Haverá 42 novas portas de embarque e 28 novas posições de estacionamento para wide bodies, isto é, aviões de grandes dimensões, como os referidos A380 ou Boeing Dreamliner. No final do dia, entre o Humberto Delgado e o Montijo, Lisboa passará dos actuais 40 movimentos de aviões por hora (já se atingiu um pico de 42) para 72 movimentos por hora, o que permitirá, quando todas as obras estiverem concluídas, alcançar uma capacidade de movimentação de 50 milhões de passageiros anuais na capital.
Para o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, o aeroporto do Montijo irá beneficiar de acessibilidades fluviais entre o Cais do Seixalinho e o centro de Lisboa, na zona do Terreiro do Paço, com a transformação da pista 1-19 para uso exclusivamente civil e a construção de um novo caminho de circulação. Haverá uma rápida rotatividade de chegada e partida de passageiros, com embarques e desembarques a pé, num segmento muito orientado para as companhias aéreas low cost.
Obstáculos à opção do Montijo
No entanto, é crescente a contestação à opção do Montijo para a localização da infraestrutura complementar de apoio ao aeroporto Humberto Delgado. Tem subido o tom das vozes contrárias a esta decisão, desde autarcas a pilotos, passando por partidos políticos como o PCP, além de outros obstáculos como a questão ambiental, incluindo os percursos de migração das aves, ou as difíceis negociações com a Força Aérea, para não falar de quem vai pagar o investimento nas acessibilidades rodoviárias, ferroviárias e fluviais necessárias para fazer do futuro aeroporto do Montijo uma infraestrutura competitiva a nível internacional. Segundo o contrato de concessão da ANA, detida pelo grupo francês Vinci, e o Estado português, a concessionária está bem defendida, pelo que qualquer custo adicional relativo a investimentos extraordinários terá de ser compensado. O aumento das taxas aeroportuárias é o caminho mais viável para ressarcir a ANA.
1. FORÇA AÉREA
Têm vindo a público eventuais, mas nunca confirmados, desentendimentos entre o ministério liderado por Pedro Marques e pelo ministério da Defesa, liderado por José Azeredo Lopes, sobre a questão da partilha de funções militares actualmente desenvolvidas na Base Aérea nº 6, no Montijo, e as futuras funções de aviação civil. Em causa, poderá estar um montante de cerca de 400 milhões de euros que os militares poderão exigir. É uma questão que terá de ser dirimida e paga pelo Estado português, não sendo da responsabilidade da ANA/Vinci. Na passada quarta-feira, o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas explicava que a “Base Aérea manterá a sua atividade militar”, observando, porém, que “eventuais transferências de operações, assim como os custos associados, serão agora objeto de um estudo detalhado”. Teremos de aguardar pelas conclusões deste estudo.
2. AMBIENTE
O Montijo está localizado na área de reserva natural do estuário do Tejo. Como tal, exige um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) mais detalhado, que só é possível após a realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), a qual deverá ter lugar durante os restantes meses deste ano. Foi o próprio primeiro-ministro António Costa, que chamou a atenção para o assunto, no debate quinzenal da Assembleia da República, na semana passada, ao revelar que terá de ser feito um estudo sobre os percursos das aves no rio Tejo na Área Metropolitana de Lisboa, para certificar que não colidem com as rotas dos aviões., o que poderá colocar em questão a segurança de passageiros e residentes. Também o resultado deste estudo poderá ditar uma mudança de cenário.
3. AUTARQUIAS E PARTIDOS
A Câmara Municipal do Montijo é a única autarquia da Península de Setúbal a defender esta localização e compreende-se. Além do projeto beneficiar diretamente o município, o presidente da autarquia, Nuno Canta, foi eleito pelas listas do PS. Mas tem todos os outros colegas da margem Sul, da Península de Setúbal contra esta opção. O facto de serem todos comunistas também não é uma coincidência, assim também não o é o facto de o próprio PCD defender ao nível das bases locais que a melhor solução para a saturação da capacidade da Portela seria avançar para a construção de um novo aeroporto de raiz em Alcochete. Mais uma fissura à vista na estrutura da ‘geringonça’?
4. PILOTOS
O projeto de remodelação e adaptação do aeroporto Humberto Delgado prevê o encerramento de uma das pistas atuais. Alguns pilotos já vieram alertar para o facto de essa pista ser a única que permite aterragens e descolagens de longo curso quando as condições climatéricas na região de Lisboa são mais adversas, o que ocorre durante quatro meses por ano. Esses pilotos acrescentam que o Montijo não está preparado para receber voos de longo curso pelo que, quando ocorrerem intempéries mais rigorosas, seria necessário desviar esses aviões para os aeroportos de Faro e do Porto, com evidentes custos para a competitividade do destino turístico da capital. O referido documento do ministério de Pedro Marques deu uma meia resposta a esta preocupação: “caso os estudos detalhados de segurança assim o recomendem, “poderá ainda vir a ser reabilitada a pista secundária do Montijo (mais comprida), aumentando ainda mais a sua capacidade para acomodar os aviões de maior porte, mesmo em condições de voo comercial”. Mais um obstáculo à espera de estudo e com decisão adiada para outros anos.
5. ACESSOS
Investimentos na melhoria das redes rodoviárias ao Montijo têm sido falados, mal alvo de poucos detalhes, em particular sobre quem pagará a fatura. O enfoque tem ido para a necessidade de uma ligação fluvial rápida e confortável até ao centro de Lisboa, que seria assegurada pela Transtejo. Mas não se sabe quem iria investir na renovação da frota desta empresa pública em situação financeira cronicamente deficitária. O referido documento do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas avança ainda que “está também a ser ponderada a ligação por via ferroviária, nomeadamente através de uma ligação em ferrovia ligeira utilizando a Ponte Vasco da Gama”.
“Durante os próximos meses, serão aprofundados os estudos relativos aos acesso”, assegura o mesmo documento, adiantando que “as acessibilidades previstas gerarão receitas próprias, decorrentes da procura adicional induzida pelo aeroporto no Montijo, as quais contribuirão para o seu financiamento”.
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