O Executivo de José Sócrates fez um acordo político, a 8 de julho de 2010, com o Governo do Panamá para excluir este território da lista negra de offshores. O compromisso foi assinado na cidade do Panamá por um técnico da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por instruções do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), Sérgio Vasques, cerca de um mês e meio antes da assinatura de uma convenção para evitar a dupla tributação (CDT) que entrou em vigor dois anos depois. Nas reuniões de preparação da CDT, o Executivo português assegurou que a exclusão do Panamá daquela lista negra ocorreria na data de entrada em vigor da Convenção, o que ocorreu a 10 de junho de 2012, já com o governo de Passos Coelho. Mas a exclusão acordada acabou por não se verificar, revelou ao Jornal Económico fonte conhecedora do processo.
Segundo a mesma fonte, os critérios de exclusão de jurisdições da lista dos paraísos fiscais “eram meramente políticos até 2014”, ano em que passaram a constar expressamente na lei os critérios técnicos e legais para essa decisão. Ainda que à data daquele acordo prevalecessem critérios político, o que esteve subjacente ao compromisso com o Panamá, a Autoridade Tributária (AT) sempre se pronunciou contra. Um dos argumentos do fisco incidia no facto de o Panamá não assegurar a troca efectiva de informações relevantes para efeitos fiscais.
Acordo em acta
O acordo político foi assinado numa altura em que corriam as obras de alargamento do Canal do Panamá (projecto inaugurado no ano passado), uma obra avaliada em 4,4 mil milhões de euros e que contou com a empresa portuguesa Somague, integrada consócio liderado pela Sacyr Vallehermoso, responsável pelas obras de escavação e construção do novo sistema de eclusas do canal.
Questionado, por email, sobre a existência do acordo político com o Panamá para a sua exclusão da lista negra, o objetivo desta iniciativa e as garantias de troca de informações fiscais, Sérgio Vasques não respondeu até ao fecho desta edição. Foram efetuadas também várias tentativas telefónicas, mas sem sucesso.
Também o SEAF do Governo PSD/CDS foi questionado sobre este compromisso e a sua não concretização, com Paulo Núncio a recusar fazer comentários.
O compromisso de exclusão do Panamá da lista negra foi assumido na acta das negociações que antecederam a assinatura da CDT entre Sérgio Vasques e o ministro das Relações Exteriores do Panamá, Juan Varela. No documento datado de 8 de julho de 2010, a que o Jornal Económico teve acesso, é referido claramente: “O governo português irá dar os necessários passos para excluir o Panamá da lista actual ou futura dos paraísos fiscais [… ] Foi indicado que a exclusão deveria ocorrer quando a Convenção entrasse em vigor”.
Tal exclusão acabou por não acontecer quando a CDT entre os dois países entrou em vigor a 10 de junho de 2012, por procedimento automático de entrada em vigor das Convenções que visam evitar a dupla tributação.
Panamá insistiu três vezes
Este documento, assinado entre o representante do ministério das Finanças português e o vice ministro da Economia do Panamá, Frank De Lima, foi posteriormente recordado pelas autoridades panamianas em três ocasiões: em agosto de 2011, em abril de 2012 (já depois da assinatura da CDT) e a 23 de outubro de 2013 (após a entrada em vigor da CDT), invocava-se já a existência da CDT e requeria-se a exclusão da lista negra portuguesa.
Na sequência deste último pedido, dirigido à então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, a AT foi chamada a pronunciar-se, tendo rejeitado a pretensão num parecer (ver texto ao lado).
Segundo a mesma fonte, foi a alteração de política do Executivo PSD/CDS que “garantiu que o Panamá tivesse continuado a ser um paraíso fiscal, mesmo depois de ter assinado a Convenção com Portugal”. Em causa está, diz, “um mecanismo interno que evita que a decisão de retirar paraísos fiscais da lista seja meramente política, passando a estar baseada em critérios técnico-legais”.
O procedimento de retirada da lista deixou, pois, de ser viável, numa base de decisão política, a partir de 2014, quando foram introduzidos no Orçamento do Estado desse ano quatro critérios legais (ver caixa), nomeadamente uma prática de troca de informação multilateral. Em casa estão critérios que devem ser cumpridos pelos paraísos fiscais para a sua exclusão da lista negra, actualmente com 79 territórios (a última actualização em Dezembro de 2016 retirou da lista Jersey, Ilha de Man e o Uruguai).
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