Os bancos Montepio Geral e Espírito Santo são as duas entidades sinalizadas pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) como aquelas em que ocorreu em mais anos um ‘apagão’ fiscal das operações de transferências para paraísos fiscais. O erro de leitura nas declarações submetidas por estes bancos à Autoridade Tributária (AT) registou-se por mais que um ano, tendo afetado 12.564 operações, mais de metade do total de transferências que não chegaram ao sistema central da AT.
A conclusão consta do relatório de auditoria da IGF aos 10 mil milhões de euros de transferências para offshores que, entre 2011 e 2014, escaparam ao radar do fisco.
Em apenas duas entidades – Montepio e BES – foram registadas operações que ficaram omissas num total de 8.055 milhões de euros: 7.917 milhões de euros do BES, representando 80% do total omisso em 20 declarações, tendo ficado de fora do sistema informático 10.834 operações; e 138 milhões de euros do Montepio, referentes a 1.730 transferências que não foram controladas.
Ainda que não identificando as entidades (devido ao sigilo fiscal), na análise às declarações afetadas pela falha no processamento, a IGF sinaliza que “somente em duas entidades [os nomes aparecem rasurados] ocorreram problemas em três anos, com maior expressão no [o ano em causa também aparece rasurado], considerando o número inicial de linhas que foram integradas (153) face ao número total que deveria ter sido (4.416)”.
Mas o Jornal Económico sabe que as duas entidades em causa são o Montepio e o BES. No caso do banco da família Espírito Santo, tal como a IGF destaca, só nas transferências referentes a 2012, cuja declaração foi entregue em 2016, o número de linhas em falta (operações de transferências não registadas) totaliza 4.263, face ao total de 4.416 operações efectivamente realizadas. Uma diferença detetada após a entrada em funcionamento do novo software informático, em julho de 2016. Ou seja, nesta declaração do BES com 2.958 milhões de euros de transferências efetivas, inicialmente só tinham chegado 153 operações ao sistema central, de apenas 17,3 milhões de euros.
Montepio: 72% fora do radar
No caso do Montepio, em três anos, foram realizadas a partir desta entidade 2.315 transferências para offshores, no valor de 192 milhões de euros, mas ficou omisso do sistema 72% deste montante (138 mihões). Em causa estão transferências realizadas a partir do Montepio, num período anterior à administração de José Félix Morgado.
O Jornal Económico questionou fonte oficial da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) sobre o tipo destas operações transfronteiriças, que respondeu dizendo que “a CEMG executa as instruções de movimentação de contas ordenadas pelos clientes, incumbindo-lhe assegurar o cumprimento dos regulamentos em sede de BCFT (“Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo”)”. Afirma, ainda, estar sujeita ao dever de sigilo bancário, pelo que a CEMG não pode fornecer informação detalhada.
Certo é que algumas das declarações do Montepio foram entregues com um atraso de três anos e as transferências realizadas em 2011 deram mesmo origem a três declarações de substituição.
Segundo fonte da administração fiscal contactada pelo Jornal Económico, o Montepio foi a segunda entidade em que se verificou um ‘apagão’ fiscal em mais do que um ano: na declaração de 2011 (terceira declaração de substituição entregue em 2015) não foram registadas 507 transferências para paraísos fiscais, num total omisso de 41,2 milhões de euros. Relativamente àquele ano, o fisco controlou menos de metade das operações realizadas (241, no valor de 24 milhões de euros). O ‘apagão’ fiscal estendeu-se também à declaração de 2013 (entregue em 2016): 623 linhas em falta que representam 52 milhões de euros, tendo o fisco controlado apenas 10 milhões de euros referentes a 150 operações que não ficaram omissas.
As falhas informáticas chegaram novamente à declaração de 2014 (também entregue em 2016), com 600 operações que escaparam ao controlo da AT, num valor de 45,2 milhões de euros.
2012 foi o ano com mais transferências do BES em falta
As transferências para offshores a partir do BES somaram 8.247 milhões de euros em três anos, mas só chegaram ao sistema central 330 milhões de euros deste montante.
A declaração de 2012 comunicada, no ano seguinte, à AT foi aquela com maior número de linhas em falta (4.263). As transferências realizadas naquele ano deram mesmo origem à entrega de duas declarações de substituição (uma em julho de 2013 e outra em junho de 2016).
Segue-se a declaração de 2014, ano da resolução do banco, com um apagão de 3.807 transferências que partiam do BES, num total omitido de 2.016 milhões de euros, face às diminutas 150 operações que chegaram à AT com um valor de apenas 38,2 milhões de euros. Já na declaração do BES referente a 2013, comunicada no ano seguinte, não foram lidas 2.764 transferências num total de 2.960 milhões de euros que escapou ao controlo do fisco. Nesta última declaração, registou-se o maior número de operações realizadas a partir do BES em 2013, um ano antes da resolução: 5.459 transferências, num total de 3.234 milhões de euros, mas só chegaram ao sistema central da AT menos de metade (2.695) com um valor também bastante inferior de 274 milhões de euros.
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