A Caixa Geral Depósitos (CGD) não se conforma que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha travado o seu recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça contra a divulgação dos maiores devedores do banco público. A reclamação seguiu para o Supremo na quinta-feira passada, onde a Caixa alega que divulgar aquela lista ao Parlamento, conforme dita o acórdão da Relação, “tem efeitos extremamente perniciosos para a instituição, para o sistema financeiro em geral e para os seus clientes”, segundo a exposição a que Jornal Económico teve acesso, datada de 4 de maio.
“O Acórdão de 17/01/2017 tem efeitos extremamente perniciosos para a instituição, para o sistema financeiro em geral e para os seus Clientes, não se pode conformar com a Decisão em causa, e por estas razões já preparou e vai interpor a competente Reclamação, para o Supremo Tribunal de Justiça, dentro do prazo em curso, como a lei faculta, aguardando-se a ulterior Decisão do mais alto Tribunal”, lê-se na exposição apresentada pela Caixa junto do Supremo um dia após ter sido tornado público que a Relação travou o recurso da CGD, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Banco de Portugal (BdP) sobre levantamento de sigilo profissional, por terem sido apresentados fora de prazo.
Em causa está à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro deste ano que obriga a Caixa a entregar aqueles dados à comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão do banco público, que requereu a lista dos 50 grupos económicos maiores devedores à CGD.
Segundo a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, “independentemente da questão da recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, os requerimentos de recurso mostram-se interpostos fora de prazo”.
“Os recorrentes interpuseram os recursos ultrapassando, em muito, o prazo de 15 dias que, em nosso entender, se impunha para o efeito”, justificou Relação, apontando para “a natureza urgente do presente incidente”.
Na decisão, datada de 24 de abril, conhecida na quarta-feira passada, o juiz desembargador da Relação indeferiu os requerimentos de recurso, mantendo a sua decisão: obrigar o banco público, a CMVM e o BdP à entrega de um vasto conjunto de informação pedido pela comissão parlamentar de inquérito ao banco público.
Recorde-se que a 17 de janeiro, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu autorizar o levantamento do sigilo profissional destas três entidades. A CGD acabou por recorrer desta decisão em 17 de fevereiro e a CMVM e BdP em 21 de fevereiro.
A este respeito, na exposição, a que o Jornal Económico teve acesso, a Caixa recorda que o banco público, assim como as outras duas Entidades “recorridas”, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de janeiro, que decidiu, a pedido da CPI, dispensar, parcialmente, a observância do sigilo, “interpôs, em 17/02/2017, o competente recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios Autos e com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal de Justiça, juntando as respetivas alegações”.
A seguir, dá conta no documento que “ foi agora, em 28/04/2017, notificada do douto despacho da Senhora Desembargadora Relatora, datado de 24/04/2017, do indeferimento dos requerimentos (das três entidades ) de interposição de recurso, por entender que o processo tem natureza urgente e, assim sendo, tais requerimentos extemporâneos”.
A CGD frisa aqui que o banco e as entidades “recorridas”, haviam já antes requerido, a 27 de janeiro, a nulidade daquele mesmo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17 de janeiro, alegando um conjunto de nulidades (incompetência absoluta do Tribunal; violação do princípio do contraditório; omissão da audição do organismo representativo da profissão; falta de fundamentação quanto á prevalência dos interesses e dos fundamentos invocados e violação do princípio da proporcionalidade),
Sobre os prazos contestados pela Relação, a Caixa salienta que este último requerimento “foi indeferido por decisão do mesmo TRL de 24/02/2017, do qual foi interposto, pelas três entidades, o competente recurso de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal de Justiça, em 14/03/2017, aguardando-se, desde então, que o Tribunal da Relação de Lisboa se pronuncie quanto à admissibilidade do predito recurso interposto”.
A 24 de fevereiro foi, assim, conhecido que o Tribunal da Relação indeferiu as nulidades suscitadas pela CGD, Banco de Portugal e CMVM, mantendo a decisão que obriga ao envio dos documentos solicitados pela comissão de inquérito, o que levou as três entidades a interpor recurso para o STJ, após aquela data, algo que também foi agora indeferido.
As alegações do Banco de Portugal
O BdP e A CMVM contestam o facto de o Tribunal da Relação de Lisboa ter tomado a decisão de levantamento de segredo sobre os documentos da Caixa sem ouvir qualquer uma das entidades. A entidade liderada por Carlos Costa argumenta mesmo que a revelação dos maiores devedores da Caixa pode significar “gravíssimas consequências de uma hipotética divulgação pública da informação solicitada pela comissão de inquérito, ao nível da supervisão, da CGD – o que é o mais – da estabilidade do sistema bancário e financeiro, com séria repercussão no próprio sistema económico”.
Também a CGD já sinalizou que não quer entregar a lista dos maiores créditos concedidos pelo banco do Estado. Numa carta enviada à CPI da Caixa, com data de 23 de janeiro, o banco público lembra o problema da concorrência que, com o levantamento do segredo, leva todos os outros bancos a conhecer as informações de créditos, garantias associadas, procedimentos e provisões.
A CMVM e o BdP contestaram o incumprimento dos prazos e já anunciaram que vão impugnar a decisão do Tribunal da Relação junto do Supremo.
Segundo o Banco de Portugal, “o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi interposto no prazo legalmente estabelecido, pelo que pretende impugnar a referida decisão que não lho admitiu“. Também a CMVM “tenciona reclamar da referida decisão de não admissão do recurso, por considerar que o mesmo foi interposto dentro do prazo legal aplicável“.
Imparidades de apenas nove devedores somam quase mil milhões
Uma auditoria da Deloitte de agosto de 2015 concluiu por “deficiente análise de risco” em créditos concedidos pela CGD que tem como consequência a exposição de “mais de 2,3 mil milhões de euros de empréstimos em risco de não serem pagos”
Só as imparidades registadas nos nove maiores devedores da CGD chegam aos 912 milhões de euros. Entre os maiores devedores estão os grupos Espírito Santo, Lena e Efacec e o angolano António Mosquito.
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