Nos últimos tempos temos assistido a diversos exemplos de eleições democráticas em que a loucura tem ganho terreno. Nada disso é novo. O passado está cheio de situações em que os loucos ascenderam ao poder.
A verdade é que uma das formas de se exercer a liderança é através da loucura. Certos transtornos de personalidade são benéficos para a capacidade de reunir apoios e traçar caminhos. Egomaníacos, mitómanos, megalómanos e sociopatas partilham, muitas vezes, certas características que os tornam especialmente propensos a abraçarem as aventuras do poder e a serem capazes de cativar as massas.
Esses loucos são extremamente convincentes, porque acreditam nas mentiras que dizem, fazem promessas tentadoras, não têm medo de arriscar e são capazes de usar todos os ardis para chegarem ao poder e lá se manterem, nomeadamente a conspiração, a intimidação psicológica e a violência física.
E não se pense que este fenómeno se verifica apenas relativamente aos grandes poderes. Aparece em quase todos os locais onde há poder, mesmo quando esse poder é menor – seja num condomínio, numa cooperativa ou numa associação de estudantes.
Obviamente que tudo se torna mais perigoso quando se fala da liderança de países, de organizações supranacionais, de grandes clubes desportivos ou mesmo em organizações não democráticas como empresas ou igrejas.
No caso das empresas, são já inúmeros os estudos que demonstraram que a psicopatia é uma característica muito comum em CEO. Graças ao desprezo que têm pelos sentimentos alheios, tornam-se altamente capazes de traçar planos de poder individual, passando por cima de subordinados e colegas hierárquicos, tudo fazendo em nome dos resultados desejados.
Nas igrejas, sabemos bem dos fenómenos de alienação de massas que muitos líderes espirituais têm conseguido, construindo fortunas e impérios de poder em torno das igrejas que lideram (muitas vezes conseguindo imiscuir-se directamente no poder político, vide os EUA ou o Brasil).
Quanto às lideranças políticas, a capacidade de convencer com um discurso, ora assertivo ora exaltado, prometendo sempre o fabuloso através de palavras simples com elevada carga emocional (ex. “make America great again”) são ingredientes típicos para o sucesso inicial e ascensão ao poder de certos demagogos loucos.
No mundo desportivo, ainda mais fácil se torna a tomada do poder por parte dessas personagens que, apelando ao lado mais emotivo dos adeptos, e sistematicamente com o apoio musculado das claques dos clubes, convencem tudo e todos com as suas promessas de vitória e de esmagamento dos adversários (internos e externos).
O que não podemos esquecer é que, muitas vezes, este tipo de líderes consegue apresentar resultados satisfatórios no curto/médio prazo, principalmente pela sua propensão ao risco e poder motivacional.
O problema surge sempre depois, dado que todas essas estratégias estão condenadas ao fracasso no médio/longo prazo. E quando tudo começa a correr mal, torna-se mais visível o monstro que está instalado no poder, disposto a enterrar consigo a organização que lidera e as pessoas que o acompanham, transformando logo em inimigos aqueles que, entretanto, o abandonam.
A História demonstra-nos que estes líderes acabam por arrastar as comunidades que lideram para a desgraça, desde Hitler que levou o povo alemão à morte, mas antes tinha-o tirado da fome e do desemprego, passando por gurus religiosos que levam as suas comunidades ao suicídio em massa, até dirigentes de clubes que quase destroem os mesmos, em nome de não abdicarem do poder.
A questão difícil diz respeito à forma como nos poderemos proteger destes loucos. Sendo que, tantas vezes, têm carisma e conseguem resultados de curto prazo, o que fazer para evitar estes logros?
Penso que existem duas ferramentas principais para combater esse mal.
1. Educação das massas: quanto mais os indivíduos estiverem educados, em particular alertados para os discursos demagógicos e para a detecção dos sinais da loucura, menos capacidade terão esses indivíduos para iludir o povo;
2. Desenhos institucionais complexos, mas transparentes, onde existam diversos órgãos de fiscalização cruzada e de distribuição do poder: quanto mais representativa e proporcional for uma democracia, mais eleições directas e intermédias existirem, maior for o número de representantes do povo com poder nas organizações e maior for a transparência exigida nos actos de gestão, mais difícil se torna a tomada e exercício do poder por parte destes loucos que, ainda por cima, são dos que mais procuram esses lugares, devido ao seu narcisismo e megalomania.
Os exemplos desta maleita social que proliferam em pleno século XXI, mostram-nos que temos ainda muito que fazer no combate a esta terrível doença.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.