[weglot_switcher]

Concessão de crédito para a compra de títulos passa à categoria de “produto complexo”

Vem aí a nova dor de cabeça para os intermediários financeiros e para os supervisores. O reforço da transparência nas operações do mercado de capitais, vai melhorar o mercado, vai dificultar a venda enganosa de produtos financeiros, mas vai exigir fortes investimentos informáticos e em recursos humanos, quer para o regulador, quer para os intermediários financeiros e empresas de investimento.
21 Novembro 2017, 15h12

Vem aí a DMIF II e o regulamento RMIF, ambos europeus, mas a primeira é uma diretiva que exige transposição para a legislação nacional, ao passo que o regulamento entra em vigor 3 de janeiro sem necessidade de aprovação pela Assembleia da República. Ambos têm um objetivo: reforçar os requisitos de transparência introduzidos e robustecer o controlo da venda de produtos financeiros pelos intermediários financeiros. No fim do dia o objetivo é mais uma vez minimizar as possibilidades de mis-selling (venda enganosa de produtos financeiros).

No âmbito da proteção aos investidores uma das grandes novidades é o serviço de mera execução de ordens. Passa a haver uma limitação ao elenco de instrumentos considerados não complexos. Nesse sentido produtos que tenham associado a concessão de crédito para a realização de operações  sobre instrumentos financeiros, passam a ser considerados produtos complexos. O que obriga à prévia avaliação de conhecimento e experiência de quem comercializa.

Outra das mudanças, ao nível da DMIF II, passa pela clarificação da norma existente de avaliação da adequação em gestão de carteira ou de consultoria para investimentos. O intermediário financeiro passa a ter de pedir aos investidores: informação sobre a sua situação financeira, incluindo a capacidade de suportar perdas e a sua tolerância ao risco.

Mas vem aí também uma dor de cabeça quer para os supervisores, quer para os próprios intermediários financeiros. Devido ao elevado investimento que tem de ser feito em sistemas informáticos para cumprir a nova legislação de transparência que entra em vigor em janeiro.

A preocupação é a habitual: O regime anterior falhou com a crise financeira de 2007 e 2008 e os princípios de proteção aos investidores da DMIF I revelaram-se insuficientes.

A falta de transparência, sobretudo no mercado de títulos não representativos de capital (ex: obrigações, papel comercial, entre outros), e sistemas de controlo interno dos intermediários financeiros deficientes justificam a nova DMIF II, que aguarda a transposição para direito nacional (trabalho que está nas mãos do Governo).

A DMIF II foca-se na organização interna (responsabilização do Conselho de Administração e independência dos departamentos de compliance – os que se asseguram que estas novas regras estão a ser aplicadas). Mas também em regras de conduta na prestação de serviços de execução de ordens, de consultoria, de gestão de carteiras e em incentivos adequados (avaliação e remuneração dos colaboradores adequada).

Os membros do compliance não poderão ter funções de negócio dentro da instituição, para poderem ser independentes na avaliação da aplicação do regime.

Ao nível dos deveres organizacionais e de conduta o destaque vai para o “product governance”, isto é, para a concepção, criação e emissão do produto financeiro. O produtor passa a ter de definir o mercado alvo, logo no ato de criação do produto financeiro e este tem de ser aprovado pelas mais altas instâncias (conselho de administração ou similar). As cúpulas das instituições vão ser responsabilizadas pelos produtos que concebem e/ou distribuem, e pela adequação dos produtos aos mercados alvo.

A estratégia de distribuição tem de ser compatível com o mercado alvo. O comercializador tem de perceber muito bem os instrumentos financeiros que comercializa, o que implica desde logo investimento em formação pelos intermediários financeiros.

A pessoa que vende produtos financeiros tem de assegurar que são compatíveis com as necessidades do cliente e com o seu perfil de investidor.

Vai ser exigida a cooperação permanente e ao longo da vida do produto entre o produtor e o comercializador. Mesmo que sejam instituições diferentes.

Depois, ao nível da execução de ordens,  passa a ser obrigatório todas as ordens de compra transmitidas oralmente serem suportadas por registo fonográfico, e as dadas presencialmente têm de passar a registo escrito (de forma durável) e assinado pelo subscritor.

O intermediário financeiro tem ainda de assegurar que a remuneração e a avaliação dos seus colaboradores (bem como a avaliação do seu desempenho) não entram em conflito com o seu dever de proteção do interesse dos clientes.

A DMIF II vem limitar ainda mais a possibilidade dos intermediários financeiros receberem ou pagarem incentivos.

A consultoria para investimento independente ou de gestão de carteiras não pode receber comissões ou benefícios  em relação à prestação de serviço aos clientes, à excepção de benefícios não monetários não significativos.

Prevêem-se benefícios permitidos relativamente a recomendações de investimento (research).

Passa a ser assegurada a separação entre consultoria para investimento e consultoria para investimento independente, O mesmo consultor não pode prestar as duas modalidades.

Depois a grande dor de cabeça dos intermediários financeiros e reguladores é ainda reforçada com a entrada em vigor no novo regulamento RMIF.

O legislador vai criar um novo sistema de organização em que tudo tem de ser difundido ao mercado, incluindo o preço. Excepto mediante pedido sustentado ao regulador por parte dos investidores instituicionais, nesse caso a CMVM remete à ESMA que autoriza a não divulgação dos detalhes da transação. Tudo num prazo de dias.

“As autoridades competentes podem dispensar de tornar públicas as informações quanto a preço de referência, sistemas que formalizem transações, ordens de volume elevado e quanto a ordens detidas e pendentes num sistema de gestão de ordens”, diz a CMVM. Os reportes de transação obriga ao preenchimento de 65 campos, pela própria empresa de investimento, a fazer junto da autoridade competente.

A ESMA emite parecer sobre dispensa e pode opor-se. As autoridades competentes passam a poder proibir ou restringir, a comercialização, distribuição ou venda de determinados instrumentos financeiros ou depósitos estruturados, em qualquer Estado-membro.

A DMIF II introduz o Sistema de Negociação Organizada (OTF), como plataformas de negociação, a par com o Mercado Regulamentado, o Sistema de Negociação Multilateral (MTF) e o Internalizador Sistemático. Os OTF são sistemas multilaterais que não sejam um mercado regulamentado nem um sistema de negociação multilateral, através dos quais possam interagir múltiplos interesses de compra e venda manifestados por terceiros relativamente a instrumentos representativos de dívida, incluindo obrigações titularizadas, licenças de emissão ou derivados, com vista a celebração de contratos.

Passa a existir a obrigatoriedade de negociação OTC em plataformas de negociação. A venda no mercado balcão passa a ser dificultada com o novo RMIF, porque passa a obedecer às novas regras de transparência Passam a estar em terreno aberto.

Os deveres de transparência e reporte de transações abrange tanto a pré-negociação como o pós-negociação.

As plataformas de negociação passam a ter de publicar os preços pré-negociação, e os interesses inerentes na negociação, a esses preços.

As empresas de investimento passam a ter, no pós negociação, quer no volume, que nos preços, de os tornar públicos através da APA – Sociedades gestoras de sistema de publicação autorizados.

Passam também a estar sujeitas aos mesmos tempos e dispensas de publicação nas plataformas.

As empresas de investimento terão de tornar público o volume, o preço e hora da transação.

Todas as transações financeiras nos mercados europeus passam a estar centralizadas nos repositórios de transações, todas as operações que se fizeram e as que se tentaram sem conseguir (não casadas). Os investidores passam a ter acesso a esta informação.

A prestação de serviço de fornecimento de dados de base do mercado, é vista pelo legislador como de importância crucial para os utilizadores poderem obter uma visão de conjunto das atividades de negociação nos mercados financeiros da UE e para as autoridades competentes receberem informações exactas e exaustivas sobre operações relevantes, deverá estar sujeita a autorização e regulamentação.

A consolidação da informação é feita numa CTP, e integra um fluxo eletrónico de dados contínuo, que  fornece dados em tempo real sobre preços e volumes para cada instrumento financeiro.

A DMIF II passa ainda a estabelecer limites à negociação de derivados de mercadorias relativos à dimensão e posição líquida que uma pessoa possa deter em cada momento.

O regulador considera que não há o risco de as novas regras estrangularem o mercado dos produtos financeiros. Isto é de condicionarem de tal maneira a produção e comercialização com requisitos que reduzem fortemente o mercado. Mas defende que melhorará o risco dos investidores.

A transparência tem no entanto um custo significativo quer para o supervisor do mercado, quer para os intermediários financeiros e empresas de investimento. Investimentos em sistemas informáticos em em formação de recursos humanos são esperados para o futuro próximo.

A CMVM já prepara um novo site.

(Atualizada)

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.