O sistema financeiro alemão andou anos a ser acusado de ser responsável pelos resgates da troika. Para evitar ir em socorro dos bancos germânicos, afogados em dívida grega, Berlim teria incentivado a ajuda externa a Atenas. A partir daí, a história é a que se conhece. Agora, depois de anos de resgate, com a zona euro a tentar recuperar e o Banco Central Europeu (BCE) a aguentar as hostes, o Deutsche Bank, maior símbolo da banca alemã, precisa de ajuda. Uns chamam-lhe justiça poética. Outros, mais um apocalipse na moeda única.
Olhar para os acontecimentos em torno do Deutsche é quase um regresso ao passado recente. O guião é assustadoramente familiar ao de 2008: primeiro, as ações caem a pique – 51,7% desde o início do ano -; depois, o presidente do banco diz que a instituição está aí para as curvas; segue-se o ministro das Finanças com a sua mensagem “não estou preocupado com o banco”; entretanto, as ações continuam a cair. Seguindo o rumo habitual, há-de chegar-se à parte das pessoas a retirar o dinheiro do banco e do anúncio pesaroso, por parte do Governo, de que há ali um pequeno problema para se resolver.
Com um buraco de 54 biliões de euros, o Deutsche entra de caras famosa galeria dos ‘too big to fail’. E não é só um problema financeiro ou económico, é uma gigante dor de cabeça política para Berlim. E, sobretudo, para a chanceler alemã, Angela Merkel que, “escaldada” pelos resgates aos países periféricos e pela crise dos refugiados, arrisca não sobreviver a uma terceira guerra.
A decisão de abrir as portas a um milhão de refugiados, no ano passado, levou Merkel a sofrer uma pesada derrota nas eleições regionais. Ainda assim, se lhe dessem a escolher, Merkel iria certamente preferir lidar com mais outro milhão de refugiados, em vez de enfrentar o dilema do Deutsche.
Expliquem lá isso aos gregos…
O governo alemão negou, esta semana, estar a preparar um resgate ao Deutsche, após o jornal Die Zeit ter avançado com uma notícia nesse sentido. No entanto, perante uma iminente queda, dificilmente Berlim não irá agir no sentido de evitar um choque capaz de deitar por terra não só todo o sistema financeiro alemão, como o do resto da zona euro. Deixá-lo cair seria condenar a moeda única ao seu fim, na pior das hipóteses, ou a mais um longo período de crise e caos, na melhor.
A falência não é opção, mas segurá-lo é uma opção dolorosa e que promete dar nova machadada na credibilidade da Europa. Esqueça-se que a zona euro deixou cair os bancos gregos no verão de 2015, olhando impávida enquanto as pessoas não conseguiam levantar dinheiro para fazer a sua vida. Esqueça-se, até, as regras dos resgate ‘a la’ Portugal ou ‘a la’ Espanha, porque agora há uma união bancária – muito coxa – com regras que permitem um ‘bail in’.
Qualquer solução próxima do que aconteceu no Novo Banco, no Banif ou até na Caixa Geral de Depósitos vai mexer com as contas públicas alemãs, fazendo disparar a dívida pública – atualmente em 71,2% do PIB – e impactando com força no défice.
Nessa altura, das duas uma: ou Berlim se sujeita às regras dos comuns mortais, aplicando medidas de consolidação orçamental para corrigir o desequilíbrio, algo que, provavelmente, custaria a cabeça de Merkel; ou acabará por virar as costas as todas as indicações que deu a Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia ao longo dos últimos anos, criando mais um rombo na credibilidade das regras europeias.
O sentimento anti-europeu acabará por aumentar em qualquer um dos cenários: no primeiro, entre o povo alemão; no segundo, entre o resto dos povos do Velho Continente.
Mas, desta vez, ninguém pode culpar os gregos. Até porque a exposição do Deutsche à dívida grega foi caindo a pique durante os anos da troika, de 1,6 mil milhões de euros em 2011, para pouco menos de 300 milhões no final do ano passado. E isso, perante um buraco de 54 biliões, é ‘peanuts’.
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