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Eleições no Paraguai podem mudar “natureza da democracia” e condicionar Mercosul

Em entrevista ao Jornal Económico, o antigo embaixador do Paraguai em Portugal, Luis Antonio Fretes Carreras, fala sobre o processo eleitoral deste domingo no Paraguai, um país que começou a desenvolver-se significativamente desde há 15 anos, graças à soja. Mas que ainda tem um terço da população na pobreza.
22 Abril 2018, 09h00

A população do Paraguai, uma das mais pobres da América do Sul, escolhe este domingo um novo presidente e novos membros para o Congresso e para o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Estas são as sétimas eleições gerais desde a chamada “redemocratização”. Na corrida estão Mario Abdo Benítez, da ala mais conservadora do Partido Colorado, e Efraín Alegre, que concorre pela maior e mais ampla coligação do país, a Grande Aliança Nacional Renovada.

Em democracia há 29 anos, o Paraguai é marcado pelas assimetrias económicas e sociais, sendo que só desde 2003 é que a economia do país dá sinais de evolução com o surgimento de uma classe média. Há quase 70 anos que o país vive sob a hegemonia política do Partido do Colorado. A nível externo, estas eleições podem influenciar a orientação política do cone sul e implicar nas negociações do acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia (UE), em negociação há quase 20 anos.

O país dos Guaranis é conhecido na América do Sul pela economia de mão de obra barata e impostos baixos. Uma realidade ainda influenciada pelos efeitos do regime de Alfredo Stroessner (1954-1989), do Partido Colorado, que ficou na história por ter perseguido e feito “desaparecer” opositores políticos, numa época em que sucessivas administrações dos Estados Unidos apoiaram os chamados regimes anticomunistas no continente latino. Na era Stroessner, o Paraguai era uma terra de exílio e emigração, de contrabando, tráfico de drogas e armas. Atualmente, a sua economia assenta na indústria da soja (o país é o sexto produtor mundial), em produtos exportados para o Brasil e por ser um refúgio para fortunas argentinas e brasileiras. Em 2003, 50% da população vivia na pobreza; hoje apenas 28%, mas ainda há muitos paraguaios a emigrar. O Paraguai, além da Argentina, Brasil, Chile e Peru é o último reduto sul-americano onde um partido de direita está no poder.

O Jornal Económico entrevistou Luis Antonio Fretes Carreras, professor e investigador do ISCTE e antigo embaixador do Paraguai em Portugal, que está a acompanhar estas eleições e que considera o sufrágio deste domingo decisivo. Carreras, explica como a disputa entre Benítez, filho do antigo secretário pessoal de Stroessner, e Efraín Alegre, pode definir o futuro do país membro efetivo do Mercosul ( a par de Argentina, Brasil e Uruguai).

Esta é a sétima eleição geral desde a chamada “redemocratização” do Paraguai, em 1989. O que está em causa?
São as sétimas eleições gerais desde o início da transição democrática. Foi uma transição inconclusiva, que nos últimos anos teve um grande retrocesso no que respeita a direitos humanos e ao Estado de Direito. Isto levou a protestos, à queima da sede do Congresso e ao assassinato de um dirigente da oposição pela polícia.

Em causa está o modelo de desenvolvimento e a superação da pobreza: o Paraguai é um país muito rico, mas com uma população pobre, sob grande desigualdade social. Nas últimas décadas, o Paraguai tem tido um alto desempenho económico pela riqueza agropecuária e produção de energia elétrica (maior produtor mundial per capita). Mas as políticas do Governo de Cartes mantiveram inacessível os serviços sociais de saúde, educação, transporte e habitação à população. Com o grande crescimento económico, ocorreu algo impensável – o aumento do nível de pobreza e a diminuição do investimento em educação.

Outro ponto a analisar é a estabilidade institucional e os direitos humanos. Nos últimos 5 anos, a Constituição não foi respeitada e as instituições do poder judicial tem sido fragilizadas e viram as suas funções serem alteradas por ação de alguns dos seus próprios integrantes. A perseguição e morte de dirigentes da oposição, com a complicidade das autoridades, lembra a época da ditadura.

A luta contra o crime organizado e a corrupção no Estado são outros pontos: o aumento do contrabando e a presença de grupos do crime organizado (em particular vindo do Brasil) são um problema crescente na zona fronteiriça, que pode ser mais complexo nas zona centrais do país; a corrupção causa grandes perdas na economia e afeta a competitividade interna e converteu-se numa prática que envolve não só governantes locais, bem como empresas estrangeiras, o que complica os negócios internacionais.

O que pode mudar no país com a eleição de um novo presidente, de novos governadores, senadores e deputados, tanto para o Congresso como para o Mercosul?
A natureza da democracia. Se não se recuperarem as instituições, a democracia pode mudar, e tal como outros países da região, o Paraguai pode retroceder para condições do tempo da ditadura. Pode haver mudanças também ao nível do modelo de desenvolvimento e integração regional e internacional. Até agora o modelo produtivo e de extração e exploração dos recursos naturais é controlado pelas grandes multinacionais. O mal não são as multinacionais, mas o sistema imposto que penaliza a industrialização. O que também afeta a política de comércio internacional e limita a necessidade de integração global.

O sistema de segurança social; o baixo investimento público; a luta contra a pobreza e a aplicação de políticas públicas com enfoque paliativo e o acesso e qualidade dos serviços públicos podem vir a mudar.

De que forma os resultados de domingo podem influenciar a orientação política do cone sul e implicar nas negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE?
Os resultados vão ser muito importantes, porque o novo Governo terá a capacidade de impedir ou promover esse acordo. Sobretudo porque as negociações estão a decorrer à porta fechada e apresentam mais dúvidas do que certezas. A estabilidade do Paraguai é fundamental para contrabalançar as crises que existem no Brasil e na Venezuela.

Em 2012, dada a instabilidade política, o Paraguai chegou a ser suspenso do Mercosul. Poderão as eleições deste domingo serem influenciadas pelo ambiente que se viveu há seis anos (um ano antes da eleição de Horácio Cartes)?
Considero esse assunto superado.

Mario Abdo Benítez, do Partido Colorado, e Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Autêntico (Grande Aliança Nacional Renovada), são os principais candidatos. O que distingue as candidaturas de ambos?
Mario Abdo Benítez é jovem, mas tem o mesmo nome do seu pai, secretário pessoal de [Alfredo] Stroessner que participou na ditadura mais corrupta, prolongada [36 anos] e cruel da história do Paraguai e de todo o século XX. Ele não pode ser condenado pelo seu nome, mas faz parte de um passado impossível de evitar.

Agora está associado ao presidente [Horácio] Cartes, que está envolvido em sucessivas tentativas de violação da lei e da Constituição. É uma associação explosiva e de forte carga autoritária que pretende concentrar o poder num só partido. A sua candidatura propõe um retorno ao passado, por exemplo: propõe o serviço militar obrigatório aos jovens e converter as sedes do exército em centros de formação e disciplina para os filhos de mães solteiras. Propõe também organizar o gabinete e a Administração Pública sem meritocracia, com privilégios para os membros do seu partido político.

Efraín Alegre, por sua vez, vem da classe média, do interior do país, fez parte de uma geração que enfrentou a ditadura e que cresceu com a transição para a democracia. Tem uma trajetória com muitas conquistas. O seu programa político assenta na maior e mais ampla aliança partidária da história do país. [Efraín Alegre] propõe a igualdade de género no governo; a gratuitidade do Wi-Fi; a utilização da energia elétrica de baixo custo, para consumo e produção interna; e uma renegociação com Argentina e Brasil de projetos energéticos.

O Partido Colorado tem sido abalado nos últimos anos por vários escândalos de corrupção. Ainda assim as sondagens apontam para uma possível vitória de Mario Abdo Benítez, filho do ex-secretário pessoal de Alfredo Stroessner. O que explica este fenómeno?
Está comprovado que as sondagens são falsas. As três empresas que publicaram sondagens favoráveis a Mário Abdo Benítez estão ligadas à equipa da sua campanha eleitoral. Mas o que explica que se podem produzir estas sondagens é que não existem regras e, por isso, aproveitam para utilizar sondagens como instrumento de campanha.

Mario Abdo Benítez e Horácio Cartes são do mesmo partido, embora o ainda presidente do Paraguai seja de uma ala diferente. Horácio Cartes até apoiou outro candidato nas primárias do Partido Colorado. A falta de apoio de Cartes pode complicar a eleição de Benítez?
São de alas diferentes, mas na realidade têm muitas coincidências e partilham interesses comuns. Apesar das graves acusações contra Cartes e a oposição à sua política, atualmente Mario Abdo defende o Governo de Cartes e fazem campanha juntos. A prova mais contundente é que Cartes está proibido pela Constituição de ser candidato a senador, e nas internas Mario Abdo rejeitou essa candidatura.

Ao abrigo da Constituição do Paraguai, os chefes de Estado estão impedidos de se candidatarem a um segundo mandato. Mas em março do ano passado, tentou-se aprovar uma emenda constitucional que permitiria a Horácio Cartes candidatar-se de novo. O que aconteceu para que o atual presidente não avançasse na corrida às presidenciais?
A Constituição proíbe a reeleição dos presidentes, devido à história das longas ditaduras que têm ocorrido no país. Em março, a emenda não chegou a ser aprovada porque o povo se revoltou e até chegou a queimar a sede do Congresso. O que fez o presidente recuar na sua intenção foi a enorme resistência em todo o país e, em particular, a indignação internacional pelo ataque e morte de um líder da juventude do Partido Liberal, na sede do principal partido da oposição.

Que legado Horácio Cartes deixa?
Horácio Cartes demostrou que o Paraguai tem grandes atrações e condições para o investimento nacional e estrangeiro; mostrou que o Mercosul necessita do Paraguai e integrou no Governo alguns jovens-talento, com bom nível técnico e capacidade de gestão.

Por outro lado, deixa um país com graves problemas institucionais devido à sua influência no Congresso e na Supremo Tribunal de Justiça para ultrapassar as leis. O seu mandato fica marcado também pelo enfraquecimento da força da polícia e exército no combate ao crime organizado e pela incapacidade de lutar contra a pobreza e a desigualdade social. Cartes deixa ainda um nível de endividamento desconhecido na transição (passou de 12% para 25% do PIB), o que, embora seja baixo, é altamente criticado pela direita e esquerda.

Em caso de vitória de Mario Abdo Benítez, há perspetivas de mudanças políticas ou Benítez deverá prosseguir as medidas de disciplina fiscal e maior abertura ao mercado iniciadas por Horácio Cartes?
É difícil prever que política vai implementar Benítez, em especial porque representa a ala mais tradicional e conservadora do partido Colorado. Ele recupera os princípios que marcaram as políticas estatais do Paraguai no século XX, em particular o forte intervencionismo do Estado no desenvolvimento económico. Sem dúvida que a influência do presidente Cartes será determinante, até porque as políticas públicas estão orientadas para o desenvolvimento dos grandes conglomerados empresariais e que são atualmente a parte central das políticas públicas.

O que se verifica com Mario Abdo é que não tem um grupo empresarial a defender ou favorecer e, por isso, é previsível que a sua política económica mantenha a disciplina fiscal, mas talvez modifique o relacionamento com o mercado externo.

Efraín Alegre foi derrotado por Horácio Cartes nas eleições de 2013. Terá Alegre mais hipóteses agora de ser eleito?
Tem, porque esta é uma ocasião diferente. Alegre é apoiado por mais de 20 políticos influentes, incluindo o atual presidente da Câmara de Assunção e o ex-presidente [Fernando] Lugo, que em 2013 foram seus adversários. Se a política fosse matemática, a soma desses fatores excederia bastante as hipóteses do Partido de Cartes.

No Paraguai, à semelhança do que acontece na Costa Rica, o voto é obrigatório. Mas, na Costa Rica a abstenção nas eleições de março chegou aos 33%. O que se espera, em termos de participação popular, no Paraguai?
O Paraguai é diferente. A sua democracia é incipiente e os problemas sociais são mais acentuados. A média de participação popular é superior a 65%. Talvez essa média se repita.

Que avaliação se pode fazer da liderança de direita, que tem garantido a governação do país ao longo dos últimos 70 anos?
Temos de ser muito cuidadosos ao identificar esta liderança com a direita. Uma boa parte dos últimos 70 anos foram uma mistura de fascismo e caudilhismo. Basta ver os níveis de pobreza e desigualdade, de acordo com o Coeficiente de Gini; ver o índice de Corrupção da Transparência Internacional ou os dados do ‘Latinobarómetro’ e teremos o resultado desse tipo de liderança.

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