Marcelo Rebelo de Sousa deu a primeira entrevista desde que é Presidente da República à SIC, a dois dias de cumprir o primeiro ano. Os temas abordados foram vastos desde a Taxa Social Única e acordo de concertação social até à Banca.
O Presidente da República lembrou que sempre alertou que o principal problema do ano 2016 era o problema da banca, muito mais do que o problema do défice.
Destaque para os avisos lançados sobre a venda do Novo Banco que está em curso. Há três pontos (red lines) que foram traçados pelo primeiro-ministro e o Presidente da República concorda. “Não se pode partir o Novo Banco, não faz sentido”, disse Marcelo.
No entanto, do que se conhece até agora das propostas que estão em negociação com o Banco de Portugal, nenhuma elas prevê “partir” o Novo Banco.
Segundo ponto citado pelo Presidente: “Não se pode estragar o Procedimento por Défices Excessivos por causa do Novo Banco – não se pode ter uma solução que perturbe e esvazie o esforço dos portugueses ao longo destes anos. Tem que ser uma solução que seja aceite pelo BCE e deve sacrificar o menos possível os outros bancos”, disse o Presidente da República.
“Dentro deste quadro há várias alternativas”, disse. O processo está nas mãos do Banco de Portugal, tem de ser apresentada uma proposta ao Governo. “Eu acho que há vários caminhos possíveis, mas não é o Presidente da República que tem de achar”, disse.
Nesta altura há dois candidatos preferenciais – a Lone Star e a Apollo/Centerbridge, sendo que este candidato está em due-dilligence novamente, porque parte da sua proposta não era vinculativa (uma parte sim outra não). A Lone Star é a proposta mais avançada mas tem o entrave de uma garantia para salvaguardar surpresas no valor dos activos e dos respectivos colaterais.
“Há vários caminhos possíveis”, disse Marcelo Rebelo de Sousa. “Mas não pode ir contra estas linhas definidas”, disse, sem detalhar.
Neste momento o Banco de Portugal está à espera da proposta da Apollo/Centerbridge, sabe o Jornal Económico, para poder escolher uma das duas propostas, e porque havendo uma proposta concorrente, melhora o poder negocial, nomeadamente com a Lone Star. A prioridade do Banco de Portugal é vender. Mas há outros intervenientes a pensar em alternativas. O Jornal Económico sabe que a administração do Novo Banco propôs uma alternativa ao actual concurso que passa por o Estado tomar firme a compra do Novo Banco e depois colocar o banco, disperso, em vários investidores institucionais. Mas isso é sempre um “nacionalização”, ainda que temporária e esbarra na necessidade de uma autorização de Bruxelas, que não está inclinada para a conceder.
E ainda o veículo para o malparado:
“É preciso libertar as instituições bancárias de activos problemáticos (NPE), sem onerar os portugueses. Por isso é que se está a estudar uma solução com o Banco de Portugal, com Frankfurt e Comissão Europeia.”, disse Marcelo. “Tem de ser uma solução aceite a nível europeu que permita libertar os bancos desses activos”. Tem de ser “uma solução privada”, disse.
Confrontado com o facto de em 2016 não se ter resolvido os problema da banca. Atalhou e disse que era preciso analisar “peça por peça”.
“Primeira peça, entre março e o Verão de 2016 havia um banco privado que tinha uma situação de indefinição da estrutura acionista, o BPI, está definida a composição do capital – houve intervenção pública, para que houvesse a esta evolução”.
“O BCP também está num processo de recomposição de capital que é positivo”, disse Marcelo em jeito de balanço de medidas do Governo para a banca.
Caixa Geral de Depósitos. “Para a semana vamos ter os nomes todos da administração em condições de entrarem em funções. A reestruturação está a avançar, a recapitalização foi aprovada. Não foi considerado ajuda de Estado coisa que era impensável na primavera”, elogia Marcelo, referindo-se à autorização de Bruxelas. “Foi ultrapassado”. “Houve barulho, por causa da declaração de rendimentos. Para mim e para o Primeiro-Ministro não houve dúvidas que eram obrigados a entregar a declaração. Pelos vistos para outros houve”.
O que pensa Marcelo da questão da descida da TSU como contraponto da subida do salário mínimo
A questão da TSU foi o tema de abertura de entrevista. “De que serve um Presidente tão popular se depois não consegue a eficácia de um acordo de concertação social?”, perguntam-lhe os jornalistas da SIC. “O Governo tencionava aprovar unilateralmente por decreto-lei, com base no programa do governo, um diploma com a fixação do salário mínimo em 557 euros. Tinha a noção, julgo eu, de que isso tinha consequências na vida das pequenas e médias empresas. E julgo que pensava compensar mais tarde depois de olhar para a situação desses sectores. Simplesmente há um ano tinha havido um acordo, no inicio deste Governo, sobre esta matéria. Eu sinto que há um apelo para dar importância à concertação social” disse Marcelo Rebelo de Sousa. Sem nunca referir Pedro Passos Coelho, líder do PSD que se recusa a dar apoio parlamentar ao Governo na descida da TSU como compensação do aumento do salário mínimo, Marcelo citou o anterior presidente Cavaco Silva que ao dar posse a este Governo lembrou que uma das coisas fundamentais era o respeito pela concertação social.
“Portanto eu fui um daqueles que se bateram para que em vez do aumento do salário mínimo ser uma medida unilateral, fosse objecto de acordo”, disse. “Devia haver um acordo e até mais amplo. Um acordo a médio prazo”, disse. “Reconverter uma decisão unilateral num acordo”, enquadrou.
“Mas não é fácil”, confessou, “porque este é um Governo minoritário e ao contrário do que aconteceu em 2012, em que o partido liderante da oposição estava vinculado ao memorando da troika, aqui não está vinculado a posição nenhuma”, lembrou.
Outro dos riscos “é que os parceiros podiam não aceitar, aceitaram no primeiro ano porque era o primeiro ano. Louvo a boa vontade daqueles cinco parceiros”, disse Marcelo. Mas é preciso ver o que se vai passar no Parlamento. “Vamos esperar para ver o processo até ao fim. A procissão ainda vai no adro. Ainda o Parlamento não se pronunciou [apreciação parlamentar do diploma]”.
O diploma vai ser debatido no Parlamento na próxima quarta-feira.
Era público que o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes não queriam a descida da TSU, atalham os jornalistas. “Está por provar que o efeito útil pretendido de salvaguarda das PME e das IPSS e Misericórdicas não possa ser atingido por via do diploma ou por outra via que responda à preocupação de essas entidades terem sofrido consequências apreciáveis por causa do aumento do salário mínimo, porque têm muitos trabalhadores com o salário mínimo ” responde Marcelo.
Recusando a tese do PSD de que este acordo vai sobrecarregar a Segurança Social, já de si deficitária, Marcelo perante a questão da sustentabilidade da Segurança Social, responde: “Ninguém leu o preâmbulo do diploma, que diz que no ano de 2018, o Orçamento de Estado paga à Segurança Social o equivalente ao que a Segurança Social devia cobrir nos 11 meses dos 12 meses da aplicação do diploma”.
Marcelo concordava com o acordo do Governo. “Se concordava? Com certeza. Defendi-o publicamente”, diz. “É que era um sinal. Não é só para as empresas, IPSS, misericórdias para compensar a sobrecarga em termos de salários. Um sinal para atrair investimento privado.”
Crescimento económico? “Admito que o crescimento fique acima dos 1,2%. Admito que o défice possa ser de 2,2%. O que no início da legislatura era visto como impensável. Estes sinais têm que ser dados. Um desses sinais é haver concertação social”, responde.
“As lideranças da oposição têm de ter a duração de uma legislatura”
Esta solução do Governo não é auto-suficiente, contrapõem os jornalistas. “É muito importante que o Governo seja forte. Mas também é importante que a oposição seja forte”.
“As lideranças da oposição têm de ter a duração de uma legislatura”, disse Marcelo e foi a única forma que indirectamente comentou a oposição de Pedro Passos Coelho. Isto numa altura em que se discute na praça pública uma mudança na liderança do PSD.
Sobre impasses Marcelo rejeita que sejam uma regra. Veja-se o caso dos “feriados onde o PSD e o PS votaram em conjunto contra o feriado da terça-feira de Carnaval. Não há impasses sistemáticos na vida política portuguesa”, disse.
“Tem havido consenso em matérias como política externa, política de defesa e política financeira”, lembrou.
Sobre as Parcerias Público Privadas nos hospitais, explica que o que o Governo diz é que “vamos avaliar caso a caso. Há casos em que a melhor solução económico-financeiro e social é uma PPP, pôr um privado a gerir, e outros em que a melhor solução é ser gerido pelo Estado, mas é uma solução que só se vai pôr daqui a um ano ou dois”, explicou em defesa do Ministro da Saúde.
Este modelo económico [devolução dos rendimentos] é o mais adequado? Perguntam ao Presidente da República. Marcelo responde que “na via anterior [Governo de Passos] era diferente, já que baseava o crescimento económico na Poupança, Investimento e Exportações e não tanto no Consumo Privado [que decorre de reposição de rendimentos sacrificados durante o período de crise]”.
Mas se nos primeiros números do ano passado se dizia que “o consumo privado não estava a corresponder às expectativas, a verdade é que também não estava no que se refere ao investimento e às exportações. E há um aumento claro das exportações no último trimestre; há um aumento do consumo de cimento já no último trimestre; mostra um investimento não financeiro a crescer 7,7%”, rebate.
No entanto há um ponto fundamental que falta, salienta Marcelo, “investimento, exportação e poupança são cruciais em qualquer dos dois caminhos”.
A dúvida é: além disso o consumo privado vai subir? “No terceiro e quarto trimestre já há uma subida do consumo privado. É certo que uma parte tem a ver com o turismo. Mas vale a pena ter os números fechados do ano 2016 (daqui por três semanas ou um mês) para olharmos para trás e vermos se o caminho alternativo apresentado por este Governo correspondeu às expectativas minimamente ou não?”, diz.
“Eu já exigi, na minha mensagem de ano novo, uma reflexão séria sobre um crescimento muito maior. Porque 1,3% ou 1,4% não é muito maior. É verdade que as últimas previsões da Católica e do ISEG são já perto de 1,7%. Precisamos de mais”.
Dívida Pública? Portugal emitiu recentemente a 10 anos a um juro de 4,2% com um elevado spread face aos juros alemães e com uma yield muito acima da espanhola ou da italiana. “Primeiro em termos de montante de dívida pública bruta, aumentou ao longo de 2016, com ligeira descida no fim do ano, mas se compararmos com a dúvida pública líquida panorama não é assim tão mau”, disse o Presidente da República que se mostrou ao longo da entrevista defensor da política do Governo.
Sobre a emissão de dívida a 4,2%, o Presidente lembrou que no mercado secundário os juros baixaram abaixo de 4%, e nos dias seguintes esteve abaixo de 4%, pelo que a “tendência de subida” “não se consolidou”, disse. Sobre a comparação face a uma emissão um ano antes a 3,2%, desvalorizou: “esqueceu-se que a inflação está em 0,6% mas a caminho de 1% e que a esperada na Alemanha e na zona euro é acima disso. Pelo que é preciso descontar na taxa nominal da emissão”, diz em defesa da actual situação do país. “Logo a seguir, houve uma emissão de juros a curto prazo, a juros negativos, batendo o recorde anterior”, disse Marcelo.
Marcelo que quase nunca se deixou confrontrar, apesar das tentativas dos jornalistas de o fazerem com o alargamento do spread face às bunds alemãs e com o cenário de desaceleração de compra de dívidas soberanas por parte do BCE, chamou ao alongamento da curva da dívida pública (trocar dívida actual por dívida por prazos mais longos e com juros mais baixos) “uma forma de reestruturação da dívida”.
Estamos demasiados expostos e demasiados frágeis perante o contexto? Marcelo responde que para reduzir a dívida pública é preciso reduzir consistentemente défice “está a acontecer”; subir o investimento “está a acontecer a ritmo insuficiente, tem de acelerar; favorecer o aumento de poupança “sem dúvida”; ir reestruturando a dívida em prazos e em juros “está a ser feito”; ter um diálogo com parceiros europeus e ir estudando a melhor maneira para que os mercados reconheçam a evolução positiva”. “A saída do Procedimento dos Défices Excessivos é uma ajuda. Essa política é fundamental que continue”.
Presidente da República defendeu que os mandatos presidenciais deveriam durar “seis ou sete anos”. Na impossibilidade de ser assim, assumiu que tomará uma decisão até setembro de 2020.
(Actualizada)
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