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“Não existem favoritismos na Linklaters”

Rui Camacho Palma é o novo sócio da Linklaters em Lisboa. Em entrevista, fala do seu percurso e das tendências e desafios no mercado português.
Cristina Bernardo
5 Maio 2017, 04h30

É o mais recente sócio português da Linklaters, no âmbito de um processo de seleção conhecido por ser rigoroso, dado que os novos sócios são propostos por cada escritório e depois têm de ser eleitos pelos 470 sócios da firma a nível internacional. Como é que vê este passo, para si e para o escritório português da Linklaters?
Mais do que um processo meramente pessoal é também um projeto que a firma expressa relativamente ao escritório de Lisboa. Felizmente, nos últimos cinco anos, foram eleitos quatro. É um reconhecimento do nosso escritório e um processo de rejuvenescimento, que é sempre importante. Nesse aspeto, a nossa firma é um pouco diferente das firmas portuguesas tradicionais. Não há uma substituição de gerações familiares. Não há duas pessoas com o mesmo apelido na Linklaters. Não há de maneira nenhuma um lastro, uma passagem de testemunho, que não seja um processo de seleção dos associados juniores quando saem da faculdade, acabam o estágio e progresso normal. É importante que o rejuvenescimento se faça porque, sendo o processo complexo, e a chegada a sócio tão mais difícil na Linklaters do que numa firma tradicional em Portugal, é bom que os mais novos saibam que afinal há espaço. Não há favoritismos.

É o único sócio português da área fiscal (‘tax’). Há um reconhecimento da importância desta área, com a sua eleição?
É de facto a primeira vez que há um sócio de ‘tax’ em Lisboa. O escritório sempre acreditou que o Direito Fiscal atravessa todo o mundo dos negócios. É transversal. É impossível fazer qualquer operação sem considerarmos os aspetos fiscais. No mercado português há um peso muito grande das consultoras e temos escritórios que têm outro tipo de posicionamento no mercado diferente do nosso. Funcionamos mais como uma boutique para grandes negócios e, portanto, somos um escritório médio, com 45 advogados [sete sócios e 38 associados]. Mas a qualquer momento podemos chamar a nós todos os recursos do mundo da Linklaters. Aí somos 2.700 advogados. É impossível trabalharmos sem estarmos em ligação com a rede.

A tendência de crescimento do M&A em Portugal vai continuar?
Depende das áreas. Relativamente ao imobiliário notou-se uma aceleração. Tudo o que são ativos imobiliários com foco no turismo, edifícios de escritórios, operações de reabilitação, creio que a tendência de há cerca e um ano e meio se vai manter. Quanto a outros setores da economia, o que aconteceu é que Portugal voltou a estar no radar. O final do programa de assistência financeira naturalmente ajudou porque permitiu que várias casas de investimento e operadores do mercado pudessem voltar a olhar para Portugal, até do ponto de vista de regulamentos internos. Quantas vezes, em 2012-2013, falávamos com clientes que nos diziam que estavam proibidos de olhar para Portugal mesmo sabendo que havia uma boa oportunidade?

Esse estigma desapareceu?
Mais do que um estigma era uma questão regulamentar, de ‘guidelines’ internos. Por exemplo, fundos de pensões, seguradores, estavam proibidos. Portugal durante um tempo esteve fora do radar. Agora está a mudar, no sentido positivo. Está-se a olhar de novo para o país com outra atenção e temos tido um acelerar desse interesse. Ao mesmo tempo sabemos que há muita instabilidade. Há muita manifestação de interesse que é a medo. Os tempos áureos pré-2009 não voltarão tão cedo. Em alguns aspetos se calhar ainda bem.

Há quem defenda que Portugal tem de ser mais previsível do ponto de vista fiscal. Concorda?
Sem dúvida. Somos mais instáveis do que deveríamos mas não somos tão instáveis quanto parecemos. Nestes últimos anos, o Governo atual apresentou-se como uma mudança radical, suportado por um partido que se recusou a assinar a reforma do IRS depois de ter chegado a acordo sobre a reforma do IRC e uma das primeiras medidas que tomou foi alterar alguns aspetos da reforma do IRC. A meu ver, em alguns aspetos não o fez bem, nomeadamente no tama da ‘participation exemption’. Houve uma violação de expectativas dos contribuintes que tinham estruturado as suas operações. Apesar desta crítica técnica, quando vemos o produto final, as alterações foram pontuais e não houve uma reversão.

Na do IRC, afinal aquilo que se mudou foi muito menos do que a reforma. Apesar de tudo, progredimos. Podemos mostrar um sistema muito mais equilibrado, vantajoso e estável. Já não vemos as leis do Orçamento do Estado a mudarem 30 artigos todos os anos, como acontecia. Foi importante fazer a reforma do IRC em 2014 e 2015. Esperamos agora que haja estabilidade e que não haja mais mudanças. É mais importante a estabilidade do que mudar 1 ou 2% na taxa nominal mas também queria passar a mensagem de que, às vezes, por razões políticas, se projeta uma imagem de radicalismo e de mudança que acaba por não acontecer.

Considera que no mercado português da advocacia vamos continuar a assistir a movimentos de consolidação?
Creio que é inevitável, não só na advocacia como em todos os setores da economia. Portugal tem ainda uma economia muito espartilhada em todos os aspetos. Basta pensar na propriedade das empresas. Portugal ainda tem muito uma cultura de ser o patrão solitário de uma pequena empresa em vez de ser sócio com mais cinco ou seis numa média empresa. Creio que essa revolução cultural vai ter de acontecer mais cedo ou mais tarde. É uma revolução cultural que permitiu a países de médio porte, comparáveis com o nosso, estarem na vanguarda em muitos setores. Cada vez vamos ter uma indústria mais capital intensiva. Cada vez vamos ter mais a inteligência artificial, a automação, a tecnologia, o software a serem os drivers do crescimento

Há quem defenda, como o bilionário Bill Gates, que a inteligência artificial põe em causa o nosso modelo social e que os ‘robots’ devem pagar imposto. Enquanto fiscalista, acha que isso é possível?
Acho que já estamos a ir nesse sentido. O novo conceito de estabelecimento estável que está adotado na sequência da iniciativa da OCDE vai cada vez mais nesse sentido da despersonificação do sujeito passivo. O contribuinte vai ser cada vez menos uma pessoa ou uma empresa mas uma unidade de produção. Não quer dizer que devamos passar do oito para o 80 e que a partir da agora tudo tenha de ser físico e que há mais valor acrescentado em quem está a manufaturar a t-shirt do que o design e a conceção. Por causa da regra dos preços de transferência, houve uma mudança no paradigma de valor para um certo excesso de intangibilidade. A noção de valor tornou-se de alguma forma discutível ao ponto de se justificar quase tudo com mais um relatório e um relatório. Um especialista australiano com quem trabalhei dava o exemplo das multinacionais e de como focavam quase todo o cost cutting na força de trabalho, os salários. No fundo, os salários representam 2-3% dos custos no produção automóvel. Poupava-se mais em conseguir um melhor negócio de um fornecedor de alumínio ou em diferir um pagamento de uma encomenda por dois ou três meses.

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