A Ordem dos Advogados (OA) considera que a nova lei que obriga estes profissionais a denunciar clientes por suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo “é um sério ataque ao dever de sigilo” destes profissionais. Ordem defende que não devem ser “comparticipantes de delitos”, mas o Estado não pode transferir competências que cabem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal.
A nova legislação, que entra em vigor a 18 de setembro, proíbe ainda os advogados de revelar ao cliente informações, documentos, investigações ou inquéritos relacionados com aqueles crimes. Bancos, solicitadores e notários também são obrigados a denunciar clientes por suspeitas de lavagem de dinheiro. Estes profissionais terão ainda de cumprir o dever de comunicação ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e à Unidade de Informação Financeira da PJ com as informações de que disponham no momento.
“Para além de outros deveres estatutários, a legislação aprovada é um sério ataque ao dever de sigilo dos Advogados, timbre da nossa profissão, verdadeira pedra angular sobre a qual se ergue todo o nosso edifício deontológico”, defende a OA em comunicado.
Segundo o bastonário Guilherme Figueiredo, forçar os advogados a serem uma espécie de denunciantes (whistleblowers), em relação aos seus clientes, em determinadas transacções, “é afectar esse capital inestimável e que garante um Estado de Direito, qual seja a possibilidade de alguém poder confiar totalmente no ou na advogada que escolhe”.
O responsável alerta ainda que “ninguém defende que os advogados sejam comparticipantes de delitos, mas não pode igualmente o Estado transferir competências que cabem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal para estes profissionais, sob pena de uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima das funções do advogado, constitucionalmente garantidas.”
Com a nova lei, publicada na 18 de agosto e que resulta da transposição para a ordem jurídica portuguesa das Directivas Comunitárias , do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, os advogado terão ainda de evitar quaisquer diligências que possam indicar ao cliente que estão a ser alvo de procedimentos para averiguar suspeitas de práticas relacionadas com o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo.
No comunicado, a OA comenta as novas regras: “ninguém defende que os advogados sejam comparticipantes de delitos, mas não pode igualmente o Estado transferir competências que cabem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal para estes profissionais, sob pena de uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima das funções do Advogado, constitucionalmente garantidas”.
A OA defende que “a matéria é complexa”, uma vez que a legislação em causa foi aprovada através de uma Lei da Assembleia da República, sendo também o seu Estatuto uma Lei formal com valor reforçado, mas sobretudo, realça, “porquanto as disposições constitucionais que tratam do papel do advogado na administração da Justiça, dos seus direitos e prerrogativas, colidem, em nosso entender, com a legislação ora transposta”.
Para a AO, levanta-se, por isso, o problema da conformidade das directivas com o texto constitucional e, também, dos próprios Tratados, com os quais, conclui, “essas directivas têm de se conformar, com a nossa Lei Fundamental”.
De acordo com a nova lei que entra em vigor na próxima segunda-feira, advogados, solicitadores e notários ficam ainda proibidos de praticar atos que impliquem o seu envolvimento em qualquer operação de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.
As novas regras reforçam ainda os poderes do DCIAP, departamento que investiga os crimes económico e financeiros de elevada complexidade, no âmbito da da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo. Ou seja, o DCIAP, passará a aceder diretamente e mediante despacho, a toda a informação financeira, fiscal, administrativa, judicial e policial.
A nova legislação consagra novos deveres de prevenção e controlo de operações, transações e negócios dos quais possam ter como resultado a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. As obrigações estendem-se, além dos bancos, a várias entidades não financeiras: advogados, solicitadores, notários, auditores, profissionais que intervenham na compra ou venda de direitos sobre jogadores bem como operadores económicos que exerçam a atividade leiloeira.
Formas de reação conjunta estão em estudo
Em comunicado a Ordem dos Advogados garante ainda que “continuará, agora de modo mais intenso, o labor junto das suas congéneres europeias e de outros organismos internacionais a que pertence, no sentido de estudar formas de reacção conjunta, o que em muito fortalecerá a nossa luta”. Fala mesmo numa “luta pela cidadania” e “pelos alicerces do Estado de Direito”, realizada por via de uma reflexão “profunda e bem delineada”, em matéria de elevada complexidade.
Para o bastonário Guilherme Figueiredo só assim a Ordem se credibiliza e presta mais um “inestimável contributo” a toda a sociedade portuguesa.
O comunicado termina com uma afirmação kantiana: “No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade”, reforçando que “o sigilo profissional dos advogados não tem preço. Apenas dignidade”.
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