O presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal quer as empresas representadas na estrutura de missão que o Governo criou para resolver a questão do malparado da banca. “As empresas exigem estar na estrutura de missão do crédito malparado”, disse António Saraiva, no almoço-debate do International Club of Portugal (ICPT). O pedido já avançou para o primeiro-ministro António Costa e António Saraiva justifica a necessidade de entrar na equipa liderada por Esmeralda Dourado com o facto de que “limpar” os 15 mil milhões que a banca acumulou de malparado não significa apenas resolver os balanços das instituições financeiras, mas também a oportunidade para “salvar empresas”.
Em entrevista ao Jornal Económico, defende que o mais sério handicap estrutural que refreia a produtividade das empresas é o défice na qualificação dos recursos humanos. E volta a defender a redução do IRC. “Há que retomar a reforma do IRC que deveria baixar dos 25% para os 19% e foi interrompida nos 21%. E, apesar de se ter reduzido o valor, a arrecadação de receita aumentou”, disse.
Quais são as expectativas da CIP para a evolução da economia no próximo ano?
As expectativas são de continuação da recuperação da atividade económica, com base no relançamento do investimento e no dinamismo das exportações, embora a um ritmo inferior ao que observamos na primeira metade deste ano.
É este abrandamento que é preciso contrariar. Porque só com um crescimento alto e continuado conseguiremos corrigir os principais desequilíbrios macroeconómicos e retirar Portugal do espectro do endividamento.
Para isso, é preciso basear o crescimento num modelo de economia competitiva, assente em aumentos da produtividade. Ora, o que verificamos na atual fase de recuperação da economia, é que a produtividade não está a aumentar; pelo contrário, há quatro trimestres que está em queda. É precisamente a dinâmica muito fraca da produtividade que está subjacente às atuais projeções, que apontam para um abrandamento da atividade económica em 2018 e 2019.
Acresce que começam a surgir sinais de aumentos de custos, nomeadamente salariais, que não sendo suportados por ganhos de produtividade, tenderão a penalizar a competitividade externa da economia, com impactos negativos nas duas variáveis chave essenciais ao crescimento económico: o investimento e as exportações.
Por isso, as propostas apresentadas pela CIP centram-se no tema da produtividade e vão no sentido de ultrapassar os fatores que estão na origem do seu fraco desempenho.
Quais são os principais entraves que a CIP identifica para o desenvolvimento empresarial?
Em primeiro lugar, o mais sério handicap estrutural que refreia a produtividade das nossas empresas – que é o défice na qualificação dos recursos humanos – está longe de ser ultrapassado e não nos podemos limitar a esperar pelas novas gerações. É preciso que a prioridade seja colocada na formação da população ativa, na requalificação profissional e no desenvolvimento de competências através da aprendizagem ao longo da vida.
As dificuldades no financiamento à atividade empresarial continuam a constituir um sério constrangimento a um relançamento mais forte do investimento e à desejável mudança estrutural da economia portuguesa.
O stock de crédito às empresas continua a diminuir, o que é consistente com o processo de desalavancagem das empresas (sendo de realçar o esforço de capitalização levado a cabo por muitas delas), mas reflete, por outro lado, a manutenção das suas dificuldades no acesso ao financiamento bancário.
De facto, uma das fragilidades estruturais do nosso tecido empresarial é a excessiva dependência de crédito bancário, sobretudo de curto prazo.
Esta fragilidade torna-se particularmente perturbadora numa situação em que os bancos se encontram debilitados pelos elevados rácios de crédito em incumprimento e em que uma proporção significativa das empresas portuguesas apresenta estruturas financeiras desequilibradas, com elevados níveis de endividamento.
Esta questão assume uma importância crucial no caso das PME, sendo urgente a sua recapitalização e a substituição do crédito bancário por financiamentos/dívida de maior estabilidade.
Em relação à fiscalidade, a análise a que procedemos revela a tendência crescente da carga fiscal em Portugal nos últimos 20 anos e os aspetos em que o nosso sistema fiscal se mostra mais desfavorável à competitividade externa e à atratividade da economia nacional.
É necessário, pois, inverter claramente essa tendência e atenuar o desincentivo que a fiscalidade representa ainda para o investimento e a atividade das empresas.
Finalmente, há que remover o que costumo chamar “pedras na engrenagem” que, cumulativamente, continuam a bloquear o funcionamento das empresas e a sua competitividade: há ainda muito por fazer para reduzir a carga administrativa que pesa sobre a atividade económica e afasta os investidores do nosso país.
Que avaliação faz deste governo?
Este governo iniciou funções com algumas medidas, designadamente nos domínios fiscal e das relações laborais, que puseram em causa compromissos e reformas anteriormente estabelecidos e provocaram reações adversas do mercado no que respeita à confiança. Mas, em boa hora, percebeu que as variáveis-chave, como sempre defendemos, são o investimento e as exportações, corrigiu o tiro e deixou de estar só focado no aumento do rendimento das famílias.
No domínio orçamental, a estratégia definida, de contenção do lado da despesa, abrindo espaço para alguma redução da carga fiscal, parece-me correta.
Criticamos, é certo, a falta de ambição e de consistência no esforço de redução estrutural da despesa pública. Infelizmente, no ano passado, acabou por ser o investimento público a componente mais sacrificada. Criticamos também a falta de ambição e de consistência na redução da carga fiscal. Mas reconhecemos que este é o rumo que deve ser seguido, embora de forma mais consistente e ambiciosa.
Também no estímulo ao investimento, na simplificação de processos, nos incentivos a quem arrisca, no esforço de qualificação da nossa população ativa, consideramos que é necessária maior coragem. Maior reformismo, maior investimento e maior crescimento. Porque, como disse, só um crescimento alto e continuado conseguirá retirar Portugal do espectro do endividamento.
Reconheço que não é fácil lidar com os constrangimentos externos – do lado de Bruxelas – e internos – dada a base de apoio parlamentar. Por isso, tenho de reconhecer também a habilidade negocial que o Governo tem demonstrado para manter a estabilidade política de que tanto precisamos.
Quais são as principais propostas da CIP para o OE 2018?
As 14 propostas que apresentamos focam-se em três áreas: capitalização e financiamento das empresas, redução da carga fiscal sobre as empresas e simplificação do sistema fiscal, e maior qualificação dos trabalhadores.
Quanto à primeira, destaco a aplicação de uma estratégia global que dê resposta ao problema do crédito em incumprimento, facilitando a reestruturação da dívida das empresas economicamente viáveis.
É crucial que seja incluída no Orçamento do Estado para 2018 a regularização urgente dos pagamentos em atraso por parte das entidades públicas.
E é preciso não esquecer as medidas previstas no quadro do Programa Capitalizar, como por exemplo o alargamento do regime da remuneração convencional do capital social e a atribuição de um crédito fiscal aos sócios de empresas que realizem entradas em dinheiro para repor o capital social.
Para que o regime fiscal às empresas seja mais competitivo, a CIP propõe que seja retomado o calendário de redução da taxa de IRC fixando-a, no máximo, em 19%. Deverá ainda ser retomado o objetivo de eliminação das derramas. E porque as PME representam 99% do tecido empresarial português, a CIP propõe aumentar para 50 mil euros, o limite de matéria coletável para efeitos de aplicação às PME da taxa reduzida de 17% em sede de IRC.
Temos ainda que olhar para a injustiça fiscal que representam as tributações autónomas e, pelo menos, reverter o aumento introduzido em 2014.
Para termos trabalhadores mais qualificados e preparados para os desafios do futuro, a CIP propõe que os investimentos em qualificação sejam dedutíveis à matéria coletável, em sede de IRC, em 150%.
Além disso, exige-se que os centros de formação profissional, bem como as escolas profissionais com vocação empresarial, sejam dotados das verbas necessárias.
Propomos, ainda, criar parcerias entre o Ministério da Educação e as associações empresariais para promover cursos técnicos industriais adequados às necessidades das empresas.
Que questões vai a CIP levar à concertação social?
Em termos imediatos, os desafios que se colocam à concertação social são, hoje, a concretização do previsto no “Compromisso Tripartido para um Acordo de Concertação de Médio Prazo”, subscrito pelo governo e a maioria dos parceiros sociais em sede de Comissão Permanente de Concertação Social, em janeiro deste ano.
Trata-se de um compromisso da maior importância, na medida em que salvaguarda a competitividade do tecido produtivo, estabelecendo as contrapartidas imediatas indispensáveis para que as empresas possam absorver o impacto provocado por um aumento do salário mínimo superior ao que seria consentâneo com os critérios económicos objetivos ditados pela evolução da inflação, da produtividade e da competitividade.
As questões relativas à competitividade das empresas estão transversalmente presentes nesse Acordo, e passam, como não poderia deixar de ser, pelas áreas que já referi, nas quais colocamos as nossas prioridades.
A longo prazo, creio que os desafios serão ainda mais marcantes.
Na senda do verificável com os parceiros sociais de outros Estado-membros da União Europeia, a concertação social já se debruça sobre matérias que vão muito para além da complexa regulação de institutos jurídico-laborais, procurando soluções para domínios que assumem um carácter mais macroeconómico, como sejam a competitividade, o emprego, e a segurança social.
Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.
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