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Poder da Alemanha também é agrário

Força germânica no setor primário ficou patente na 82ª edição da Berlin Green Week, que decorreu na capital alemã de 20 a 29 de janeiro.
Nuno Miguel Silva
3 Fevereiro 2017, 18h05

Pensa-se na Alemanha como o grande motor económico da Europa, um dos maiores (4º) do Mundo. Mas pensa-se sobretudo em indústria e tecnologia. Esquecemo-nos sempre de que a nação germânica é também uma das mais poderosas no setor agrícola. Se nos limitarmos às estatísticas, até parece que não, porque em 2010, a agricultura, mais o setor florestal e de extração mineira, representaram apenas 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e empregavam só 2,4% da população. Mas se verificarmos que o setor cobre 90% das necessidades de uma população que ronda os 80 milhões de habitantes e que algumas das maiores armas económicas germânicas são a sua indústria agroalimentar e que os bens alimentares constituem uma das suas maiores exportações, as coisas começam a mudar de figura.

Para perceber melhor essa realidade, nada como visitar a Berlin Green Week, uma das maiores feiras mundiais de agricultura e alimentação, que se realizou este ano, entre 20 e 29 de janeiro, a sua 82ª edição. É um espaço em que (literalmente) nos perdemos e em que nos apercebemos da grande pujança da agricultura alemã e, na sua grande maioria, de outros países europeus, com destaque para a antiga Europa de Leste, para os países nórdicos e do Báltico, e para algumas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central.

Sente-se também a pequenez da nossa presença face a países que há uns anos estavam atrás de nós: um pavilhão da Portugal Foods, que convidou o InovCluster de Castelo Branco, que selecionou um conjunto de pequenos produtores, a maioria da Beira Interior, que apresentaram aos visitantes do certame produtos tradicionais como queijo, azeite, vinho, pastéis de nata, pastéis de bacalhau e rissóis de leitão, presunto de peru, flor de sal e empadas. Mais um espaço de um produtor de enchidos de carne de porco bísaro. E mais dois balcõezinhos, com mais pastéis de nata, cafés, águas e cervejas nacionais e o incontornável vinho do Porto.

Além da presença imperial e impressiva da Alemanha, uma palavra de nota para a aposta estratégica e profissional, na feira e no setor agrícola, de países como a Hungria (parceiro desta edição), República Checa, Polónia, Eslovénia, Letónia, Estónia, Lituânia, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Holanda. E de surpresas totais, como foram, para nós, os casos dos pavilhões da Geórgia, de Marrocos ou o Uzbequistão. Pela negativa, fica a fraca presença de todos os países da Europa do Sul: além de Portugal, também França, Espanha, Itália ou Grécia estiveram  presentes de uma forma, no mínimo, discreta.

Não é só ao nível da presença na feira Berlin Green Week que se percebe que nos encontramos a anos-luz da Alemanha e de outros países comunitários e não comunitários no âmbito da agricultura. E que, se prosseguirmos por este caminho sem rumo, vamos continuar irremediavelmente a perder terreno para a concorrência cada vez mais aguerrida.

Os temas na linha do debate do setor agrícola a nível mundial há muito passaram a ‘novidade’ dos efeitos das alterações climáticas. Nestes últimos dias de janeiro em Berlim, discutiram-se, acima de tudo, questões fraturantes como a posse das terras, o uso de pesticidas e antibióticos, o bem-estar dos animais ou o recurso a Organismos Geneticamente Modificados (OGM), mais conhecidos em Portugal por produtos transgénicos.

Outros temas em cima da mesa foram e continuarão a ser a preocupação crescente com a possibilidade de extinção das abelhas e o efeito previsível que isso pode ter no meio rural; a batalha contra o desperdício alimentar (na Alemanha cerca de 30% da produção agroalimentar vai parar ao caixote do lixo quando noutros pontos do Globo há centenas de milhar de pessoas a passar fome); o controlo do acesso às sementes e a oposição ao crescente domínio dos grandes conglomerados agroindustriais (por exemplo, a Bayer e a Monsanto têm em curso um processo de fusão).

Com o arranque à vista das negociações para a Política Agrícola Comum (PAC) para lá de 2020, estas preocupações devem estender-se a todos nós, merecendo uma reflexão sobre o que deverá ser a agricultura do futuro num planeta em crescente aumento de população e, portanto, com pressão galopante sobre os recursos naturais, como a terra e a água, para produzir mais alimentos para mais milhões de pessoas. l

Nota: O jornalista viajou a convite da Embaixada da Alemanha em Portugal

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