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“Porque é que uma pessoa com 71 anos está proibida de trabalhar?”

Ministro é favorável à eliminação do limite de 70 anos para trabalhar no Estado. Com a escassez de qualificações no mercado, Vieira da Silva antevê mais pessoas com uma profissão após a idade da reforma.
Cristina Bernardo
10 Março 2017, 05h08

José Vieira da Silva defende que todos devem ter “direito ao trabalho”, independentemente da idade, e sublinha que o prolongamento da vida ativa só traz benefícios para a sustentailidade da Segurança Social. Porém, o ministro reconhece que não tem sido fácil nas últimas décadas conciliar a permanência dos mais velhos no mercado de trabalho com a ambição das empresas de reestruturtarem os quadros.

O que é o envelhecimento ativo? Pessoas que prolongam a vida ativa ou reformados que continuam a trabalhar?
Não há nenhuma definição exata. Há várias dimensões do conceito e uma delas é contrariar a retirada precoce do mercado de trabalho. Há umas décadas, as reformas antecipadas foram generalizadas e tornaram-se quase uma moda. E essa é uma das dimensões críticas até porque veio a provar-se que tem dado problemas sérios de sustentabilidade dos sistemas. Essas políticas foram em vários países europeus substituídas por medidas de incentivo à permanência do mercado de trabalho. Depois há uma outra dimensão que é o estímulo a prolongar a vida profissional para além das carreiras contributivas clássicas e há estímulos financeiros para que isso aconteça. Há ainda uma terceira dimensão: a possibilidade de combinar a situação de reforma com a vida ativa.

Essa possibilidade existe mas não em todos os setores.
Existe no setor privado. No Estado, existem limitações que foram introduzidas há alguns anos para evitar a acumulação de rendimentos. No privado, a lógica é simples de explicar: a pessoa e a empresa continuam a descontar mas só para as eventualidades que fazem sentido – não faz sentido que a pessoa desconte para cobrir o desemprego, por exemplo.

Como é que se incentiva a permanência no mercado de trabalho?
Bonificando as pensões futuras, por exemplo. Já hoje existe essa bonificação.

Segundo os dados do INE, o número de pessoas empregadas com 65 anos ou mais tem vindo a diminuir. Como se explica este comportamento, numa altura em que a população está cada vez mais envelhecida?
Explica-se por várias razões. Em primeiro lugar porque no passado muitas pessoas tinham carreiras contributivas curtas devido a ausência de cobertura do sistema de Segurança Social e, para terem direito à reforma completa, tinham de trabalhar para além da idade da reforma. Depois, alguns setores de atividade tinham mais peso no emprego do que atualmente, como nalgumas áreas do setor primário, como o agrícola. Por outro lado, o modelo de casal com remunerações veio substituir o modelo single, o que faz também com que as pessoas mais facilmente possam ter uma reforma mais confortável.  Os valores da taxa de pobreza dos idosos caiu muito e portanto tornou não tão obrigatório para algumas pessoas trabalharem mais anos. Além disso, quando há uma crise económica e há restrições por parte das empresas, é natural que essas restrições passem por largar as pessoas que já estejam perto da idade da reforma. Portanto, houve um conjunto de fatores que confluíram para essa redução. Mas creio que poderão existir no futuro fatores precisamente contrários.
É de esperar que aumente a partir de agora?
Penso que sim. Infelizmente estamos numa linha de contração da população ativa e portanto há determinado tipo de qualificações e competências que vão ser escassas no mercado de trabalho e portanto vai haver estímulos adicionais para que as pessoas tenham uma atividade profissional depois da reforma ou para que atrasem a sua reforma. Há claramente sinais nesse sentido. Obviamente que isso também pressupõe uma recuperação económica persistente.

Em que áreas vai existir essa necessidade?
Há várias áreas que vão ser cruciais. Tudo o que tem a ver com competências por exemplo nos domínios tecnológicos, mesmo em áreas avançadas.

Mas as pessoas mais velhas, em princípio, não terão menos qualificações nas tecnologias que as mais jovens?
Sim, mas há muitas pessoas que, por exemplo, dominam sistemas de organização fabril e que não são fáceis de substituir. Ao contrário do que aconteceu no passado, agora há aí competências. A transmissão do saber acumulado é sempre necessária. É evidente que tem a ver com fatores conjunturais mas no setor da saúde, por exemplo, os médicos reformados continuam com muita facilidade a exercer a sua atividade profissional. Não é muito fácil encontrar um médico que aos 65 anos abandone a profissão. São competências muito críticas em que a formação e a experiência profissional são decisivas. Nestas profissões mais qualificadas esse tipo de competências vai permanecer.

Como é que se alia o rejuvenescimento dos quadros com a permanência dos mais velhos no mercado de trabalho?
Não partilho da ideia, que é do senso comum, de que quanto mais depressa saírem as pessoas do mercado de trabalho mais rapidamente os jovens podem entrar. Se nós olharmos para as estatísticas europeias, os que têm taxas de envelhecimento ativo mais eficazes são aqueles que têm um mercado de trabalho mais forte. A prática contradiz o senso comum. O que é essencial é que o mercado de trabalho tenha dinamismo.

A medida “contrato-geração” que está no programa do Governo ainda não foi implementada. Porquê?
Ainda tem de ser trabalhada. A medida procura combinar um estímulo para as empresas contratarem jovens e ao mesmo tempo, facilitar transições [para a reforma] mais suaves. É uma ideia muito defendida e muito discutida, mas difícil de concretizar. Do ponto de vista técnico, os nossos sistemas estão preparados para uma vida compartimentada. Ou seja, esse trabalhador desconta, esse reformado recebe. E haver uma situação em que uma pessoa tenha uma reforma a tempo parcial levanta dificuldades do ponto de vista técnico. Quanto é que recebe? Quem paga? Existe aqui uma inovação e a situação que hoje existe é mais fácil, que permite acumular uma parte da reforma com remuneração.

No Estado não é possível acumular e quem tem 70 anos é obrigado a reformar-se. Este limite deve ser alterado?
É um assunto que começa a ser discutido. Por princípio, sou sensível à questão do direito ao trabalho – porque é que uma pessoa com 71 anos está proibida de trabalhar? Obviamente também sou sensível à necessidade de renovação de gerações. Como membro do Governo, é sempre perigoso ter posições pessoais mas, em princípio, seria favorável a caminharmos no sentido de eliminar essa proibição. Embora nalgumas profissões, é razoável  manter.

Para o setor privado não há limite de idade para trabalhar. E continuando ativas, beneficiam o sistema.
Duplamente. Continuam a contribuir e não estão a receber pensão.

Então por que não há mais incentivos à permanência no mercado de trabalho?
Estamos a lutar contra uma força muito poderosa que é a transformação das tecnologias e dos modelos económicos que não é muito amigável a essa permanência. Há muitas empresas que têm ambição de reestruturar os seus quadros. Não tem sido fácil ao longo das últimas décadas criar estímulos suficientemente fortes para reter no mercado de trabalho mais gente que poderia ter um papel útil. Obviamente que as estatísticas também são relativamente falíveis porque há muita gente que permanece ativo com importância para a sociedade sem estar nas estatísticas. Por exemplo, as dezenas de milhar de pessoas que colaboram com as universidades seniores ou fazem voluntariado. Existem cada vez mais e isso vai acentuar-se. Essa é outra dimensão do envelhecimento ativo que é manter a qualidade de vida e a perceção de ser socialmente útil.

Em termos geográficos, onde é que o problema é mais difícil de superar?
Nas áreas metropolitanas. Porque a ligação às comunidades é muito mais forte em zonas não tão despersonalizadas como são as áreas metropolitanas. As redes sociais, como associações culturais e recreativas, são mais dominantes nas zonas não metropolitanas.

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