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Violeta Bulc, Comissária Europeia dos Transportes: “Portugal vai cumprir todas as promessas no transporte ferroviário”

Na semana em que o Governo lançou os maiores concursos das últimas décadas na ferrovia, Violeta Bulc explica, ao Jornal Económico, as vantagens para a economia.
10 Março 2018, 09h00

No meio de uma maratona de 800 quilómetros para ser a ‘madrinha’ do lançamento, no início desta semana, de concursos públicos de centenas de milhões de euros que vão finalmente ligar as linhas ferroviárias de Portugal a Espanha, a Comissária Europeia dos Transportes, Violeta Bulc, deu uma entrevista em ritmo acelerado ao Jornal Económico. A aposta maior é para a ferrovia e a certeza de que Portugal vai honrar os compromissos nesta matéria. Mas também, a preocupação com a descarbonização, as novas tecnologias (drones e carros áereos, por exemplo), a digitalização, a multimodalidade, a segurança e a defesa da União Europeia.

Por que é que decidiu estar  presente no lançamento destes concursos de novas linhas ferroviárias em Portugal?

Esperamos que os benefícios a retirar dos investimentos que estamos a fazer e que serão feitos no futuro, transformem a rede ferroviária na espinha dorsal dos transportes comunitários. E Portugal está a cumprir perante a União Europeia (UE) os compromissos assumidos nesta área. Por isso, estou muito feliz e é também por isso que estou aqui, em Portugal. Estou aqui porque sei que Portugal vai cumprir todas estas promessas.

Tem havido muita polémica em Portugal sobre investimentos públicos. De que forma é que estes projetos nos vão beneficiar?

Tenho a certeza de que isto vai ser bom para Portugal em termos económicos. Está provado que qualquer aumento de 1% no investimento público traz um retorno entre 1,5 e 2,4% na formação do PIB – Produto Interno Bruto nos cinco anos seguintes. Esta é outra razão para que haja investimento na ferrovia em Portugal, até porque isso vai permitir que outros negócios possam beneficiar da conectividade e do acesso mais fácil ao mercado único. Há muitas oportunidades. A conectividade é o primeiro passo. Esta região [Interior, Alto Alentejo e Beira Interior] terá uma nova oportunidade para se ligar ao mercado único, em vez de continuar a ser uma região subdesenvolvida, fechada nos arrabaldes do desenvolvimento. Haverá novas oportunidades de negócios no longo prazo e, para as pessoas, muito mais oportunidades de viajar. Com estes investimentos na ferrovia, esta região passará a ser uma parte ativa dos restantes parceiros da Europa, muito em particular para os jovens.

O setor dos transportes é estratégico para a UE. Mas, agora parece que a ferrovia ganhou vantagem. Porquê?

O setor dos transportes faz parte da mensagem estratégica da UE no sentido da descarbonização das sociedades e das economias. O sector dos transportes é neste momento responsável por 24% das emissões poluentes de toda a UE. Desses 24% de emissões poluentes, cerca de 73% são da responsabilidade do setor rodoviário. E a UE colocou a questão sobre como é que chegaria a essa descarbonização de forma mais eficiente e mais efetiva e o mais depressa possível. E daí a aposta no caminho-de-ferro, que é o modo de transporte mais electrificado, mais limpo. Por isso, a UE está a colocar grande parte do investimento nos transportes no modo ferroviário. Cerca de 73% dos investimentos previstos pela UE no período entre 2014 e 2020 são para a ferrovia, com destaque para todas as ligações transfronteiriças e para a conclusão dos missing links [ligações em falta], como é o caso respeitante ao concurso lançado ontem [segunda-feira, dia 5 de março], de ligação de Évora à fronteira com Espanha. Portanto, a questão do ambiente, é o primeiro aspeto positivo da aposta no transporte ferroviário.

Quais são os outros aspetos para preferir a ferrovia?

Existe um segundo fator benéfico nesta aposta na ferrovia, que tem a ver com a preocupação com a diminuição do número de acidentes e de vítimas nas estradas da UE. Por ano, mais de 25 mil pessoas perdem a sua vida nas estradas europeias. Mais de 200 mil pessoas ficam gravemente feridas. Em 18% destes acidentes estão envolvidos camiões. Noutros 17% dos casos estão envolvidas carrinhas de transportes e vans. Assim, se movermos mais carga para o caminho-de-ferro, quer dizer que tornamos as estradas europeias mais seguras. Mas existem ainda mais dois aspetos para a UE favorecer o desenvolvimento da ferrovia.

Quais são?

O terceiro aspeto é dinamizarmos mais soluções para o grave problema do congestionamento das redes rodoviárias europeias. Prevê-se que as externalidades negativas provocadas por esse congestionamento dos transportes rodoviários no espaço da UE ascendam a cerca de 500 mil milhões de euros, todos os anos. Pessoalmente, gostava de ver todo este dinheiro aplicado em coisas positivas na UE, como no apoio a start ups ou no incentivo a novas tecnologias. Por fim, o quarto aspeto tem a ver com a estratégia de defesa recentemente aprovada pela UE, em que é dada prioridade à conectividade. Na questão da aceleração da conectividade no espaço da UE, um dos componentes básicos é o caminho-de-ferro. Espero que a ferrovia não seja usada como um meio de defesa da UE, mas temos de estar preparados.

Com tanto enfoque da UE na ferrovia, o que é se passa com os outros modos de transporte?

Os outros modos de transporte não dormem. O nosso esforço é na modernidade e na multimodalidade, para que todos os modos de transportes sejam conectáveis e possam ser utilizados o mais possível. O ano passado foi o do setor marítimo. Apostámos na descarbonização e na electrificação, mas também na gestão de resíduos nos complexos portuários. Desta forma, os portos foram o primeiro segmento do sector dos transportes a entrar no modelo da economia circular. A aviação é o nosso projecto mais bem sucedido, com o Céu Único Europeu.

Quais serão os próximos passos?

Os próximos passos nesse sector serão dados no sentido estratégico de intensificar a sã concorrência e a transparência, e serão apresentadas regras que permitam o cumprimento desses princípios essenciais. Por outro lado, as regras de safety no sector da aviação tornam-se efetivas este ano. Estamos a trabalhar em conjunto com a EASA [Agência Europeia de Segurança da Aviação] para modernizar a abordagem à certificação, para que esse processo não se transforme num obstáculo à introdução de novos produtos no mercado. A UE foi também inovadora ao criar o primeiro quadro regulatório a nível mundial para drones. Estamos também a ultimar as primeiras regras para a aviação em espaço urbano de carros voadores e de drones.

E no setor rodoviário?

O sector rodoviário constitui o nosso maior desafio no setor dos transportes. As estradas europeias estão a ficar fora de controlo e temos de solucionar o mais rapidamente esta questão. Estamos a preparar três pacotes de mobilidade. O primeiro pacote pretende unificar o sistema de cobrança de portagens a nível europeu. Queremos introduzir altos padrões de transparência e o princípio do poluidor-pagador. Hoje em dia, os utilizadores não sabem o que estão a pagar. Queremos introduzir um modelo mais transparente. E que queremos que os stakeholders sejam sensibilizados para a necessidade de pagar as externalidades negativas do sector rodoviário, como a poluição. Aliás, o segundo pacote de legislação sobre mobilidade rodoviária que estamos a preparar tem a ver com a descarbonização e com a aposta nos transportes combinados. Temos propostas para introduzir metas para a introdução de veículos limpos por parte das Administrações Públicas e outras instituições dos Estados-membros. Queremos também que sejam instituídas ferramentas financeiras para fomentar o investimento em formas alternativas de energia, para o desenvolvimento de automóveis alimentados a energia eléctrica ou a hidrogénio, assim como para a construção de infraestruturas de abastecimento de GNL – Gás Natural Liquefeito para navios e camiões, por exemplo.

E o terceiro pacote legislativo?

O terceiro pacote de mobilidade rodoviária que estamos a desenvolver aposta na digitalização e na segurança rodoviária, nos automóveis autónomos. Queremos que todas estas variáveis trabalhem no futuro de uma forma interoperável e assente na multimodalidade. Queremos que os transportes apostem na interoperabilidade e na descarbonização. Que sejam cada vez mais assumidos como um serviço. E que se desenvolvam com mais investimentos, com a digitalização e com o recurso a novas tecnologias.

Mas essas metas não são difíceis de alcançar com a profusão e disparidade de leis e de práticas no setor dos transportes na UE?

Também estamos a dar uma grande aceleração na questão da standardização das regras que regem o sector dos transportes no espaço da UE. Neste momento, 11 mil regras em vigor no sector na UE, grande parte dos quais de âmbito local. Estamos neste momento, a fazer propostas para que tenhamos uma moldura legal uniformizada, com cerca de três mil regras. Regras técnicas e legais. É um processo que espero que esteja concluído ao longo de 2019. É esta proliferação de regras que, por exemplo, obriga a que, sempre que passa uma fronteira, o comboio tenha de substituir as locomotivas, com tudo o que isso implica de perdas de tempo e de eficiência.

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