Como presidente da ACIBEV é a pessoa indicada para me explicar quanto vale realmente o setor do vinho em Portugal…
O que é o vinho em Portugal? A ACIBEV representa sensivelmente todas as grandes, médias e pequenas empresas produtoras de vinho em Portugal, mas também as importadoras e as distribuidoras, incluindo o setor das bebidas espirituosas. Representamos produtos certificados, a grande maioria das marcas conhecidas dos consumidores, com indicação geográfica, entre empresas produtoras, operadores, vitivinicultores. Trata-se de um tecido empresarial muito denso e complexo.
Quanto é que representa este setor em termos de volume de negócios anual?
O setor neste momento representa um volume de negócios anual de cerca de 600 milhões de euros, dos quais cerca de 50% a 60% são destinados a exportações. As empresas que representamos aportam valor aos vinhos portugueses. Estamos a falar de marcas como o Mateus Rosé, Esporão, Aveleda, Quinta do Crasto, Barca Velha, entre outras. São as empresas do setor que mais exportam, que mais aportam valor.
Quanto é que o setor gera em termos de empregos, diretos e indiretos?
O setor do vinho em Portugal gera empregos diretos na casa dos dois a três mil trabalhadores e cria cerca de 200 mil empregos no total, entre diretos e indirectos, só no que respeita ao setor da vinha.
Estando numa família ligada ao setor há varias gerações, como o caracterizaria?
É uma atividade muito morosa. Tem de se organizar o terreno, plantar, esperar pelo crescimento, cuidar todos os anos, estar sujeito às adversidades do clima, que é sempre imprevisível. É um investimento muito grande num setor que emprega muitas pessoas.
Mas existem ameaças à espreita?
A vitivinicultura em Portugal tem sido sempre defensora de uma cultura de consumo moderado. A ACIBEV tem estado a fazer esse trabalho, um trabalho que tem estado a beneficiar todo o setor. Há dez anos, o Estado português adotou uma política razoável em termos de saúde e a ACIBEV tem promovido sistematicamente esta campanha de ‘Wine in Moderation’, ‘Vinho com Moderação’, no sentido de sensibilizar os consumidores a consumir o vinho de uma forma mais mediterrânica, no acompanhamento de refeições. Por outro lado, tentamos não encorajar os jovens a consumir. Em suma, temos defendido e incentivado as boas práticas nesta matéria. Mas, mais recentemente, a Comissão Europeia começou a tomar medidas para reduzir o consumo de álcool.
Como assim?
Pensamos que esta tendência resulta muito das últimas orientações da OMS – Organização Mundial de Saúde. Nos últimos cinco anos, aquilo a que temos assistido é que, em vez de haver medidas para sensibilizar as pessoas sobre os malefícios do álcool em excesso, passou a haver cada vez mais medidas para reduzir o consumo, não só através do aumento do preço, como das restrições à publicidade, por exemplo. E esta é uma tendência que está a começar nos países do norte da Europa e que se pode alastrar a todos os países da União Europeia, incluindo a Portugal.
Para o setor qual é o grande perigo destas medidas?
Esta situação coloca em causa a nossa sustentabilidade. É preciso notar que o consumo de álcool nos países do norte da Europa, é muito focado em dois ou três dias da semana, aos fins de semana. Nos países do sul da Europa, o consumo de álcool, nomeadamente de vinho, é muito ligado à gastronomia. Os padrões de consumo de álcool são muito diferentes, o que até é reconhecido pela OMS. E é preciso dizer que a venda de álcool na maioria dos países do norte da Europa é detida por monopólios estatais, que mantêm o controlo sobre as receitas das vendas e sobre as receitas e medidas de fiscalidade. E também queria sublinhar que a saúde é uma das competências específicas de cada Estado-membro da União Europeia. Por isso, defendo que essas medidas de restrição ao consumo de bebidas alcoólicas, em particular sobre o vinho, devem ser adequadas à cultura e às situações de cada país.
Qual é o atual ponto da situação?
O que se passa é que neste momento há uma pressão da OMS e dos países nórdicos para aplicar estas medidas através do aumento do preço e das limitações publicitárias, que consideram ser a única forma de travar o consumo de álcool em excesso. E achamos até revoltante que se queiram aplicar essas medidas nos países do sul da Europa, quando elas não estão a ter qualquer efeito nos países do norte da Europa. As medidas de restrição que estão a ser preparadas passam por impostos mais altos sobre o vinho e outras bebidas alcoólicas, proibição de publicidade, aplicação de regras restritivas na distribuição e rotulagem, com alertas de saúde que poderão ser idênticos aos dos maços de tabaco.
Essas medidas estão a ser aplicadas em que países?
Neste momento, existem duas grandes ameaças já no terreno. Há um processo em curso na Escócia. Foi aprovada legislação que defende a introdução de um preço mínimo por unidade de álcool. A legislação foi contestada, mas a nossa argumentação perdeu no Supremo Tribunal da Escócia. Através da federação europeia do setor, contestámos essa mesma lei e estamos a aguardar os resultados da decisão.
Porque é que são contra esta medida?
A introdução de um preço mínimo por cada unidade de álcool, na prática, vem regular o preço, vem aumentá-lo para, assim, reduzir o consumo. Se isso fosse aplicado, por exemplo, em Portugal, deixava de se poder comprar garrafas de vinho a menos de cinco euros. Além disso, esta medida vai criar um atrito entre o produtor e o distribuidor, porque ninguém sabe ao certo quem é que fica com o potencial lucro deste aumento de preço. Esta é uma medida de base populacional. Esta medida vai baixar o consumo, não vai baixar o consumo abusivo. E é na grande distribuição que se vai notar mais o impacto destas medidas. Se o que se pretende é acabar com o consumo abusivo de álcool, tem de se pensar em medidas concretas para as pessoas que têm esses problemas. A questão aqui é saber como é que se utilizam os recursos para apoiar e tratar as pessoas com problemas com o consumo abusivo de álcool. Pelo contrário, a OMS e os países da norte da Europa estão a seguir o caminho inverso e a assumir que o mais eficaz é tratar todas as pessoas da mesma forma para erradicar as doenças. Estas medidas são as mais fáceis para aplicar, mas não são as mais eficazes em termos colaterais.
Além da Irlanda, existe mais algum país europeu a seguir nesta direção de aumentar preços e restringir publicidade às bebidas alcoólicas?
Na Irlanda, já está em vigor há cerca de dois anos o ‘Irish Bill’, que passa pela obrigatoriedade de cada embalagem de bebidas alcoólicas conterem a informação de que o álcool causa cancro. Como cada Estado-membro pode contestar essa legislação antes de ser posta em prática, foi isso que aconteceu em 2016, sendo de esperar alguma decisão definitiva ainda este ano. O que se passa é que esta medida é na Irlanda, que é um tradicional produtor de cerveja e de bebidas espirituosas. Não produzem vinho. Além do preço mínimo, as medidas para reduzir o consumo de bebidas alcoólicas têm passado por altas restrições a tudo o que é publicidade e a uma separação estrutural dos vinhos dos outros produtos nas grandes superfícies, por exemplo. A questão é saber se essas medidas vão ser eficazes para reduzir o consumo em excesso de bebidas alcoólicas ou se vão apenas conseguir reduzir o consumo em geral. Estamos perante políticas de preços sobre o álcool. O preço mínimo vem implicar um aumento dos impostos.
Mas o setor dos vinhos em Portugal tem beneficiado de isenção de impostos e taxas…
O IEC – Imposto Especial sobre o Consumo, que deriva de uma diretiva comunitária, tem uma taxa zero sobre o vinho em Portugal, que tem uma razão histórica. O vinho é obtido a partir da fermentação das uvas, que é um processo lento, que implica custos elevados. É muito diferente da fermentação da cerveja ou até mesmo da destilação das bebidas espirituosas. E não se pense que o setor do vinho não paga impostos em Portugal porque paga e muitos. Pagamos todas as certificações, pagamos a taxa de promoção ao IVV – Instituto da Vinha e do Vinho, pagamos o IMI dos terrenos às autarquias.
Existem outras medidas em curso na Europa que possam ser nefastas para o setor nacional do vinho?
Na questão da rotulagem, pretende-se que sejam referenciados os valores energéticos e os ingredientes, por exemplo. Isso vai criar um problema enorme, nomeadamente ao nível das traduções para outros países. Como é que uma pequena ou média empresa exportadora vai conseguir assumir esses custos adicionais? Há soluções que têm sido propostas pelo setor, como a introdução de informação para o consumidor através do código de barras ou do ‘QR Code’ no rótulo.
Além disso, a informação na Irlanda sobre a relação entre o cancro e as bebidas alcoólicas é má informação. O consumo normal de cada alimento não contribui, só por si, para o aparecimento de cancro. A informação de que o consumo deste produto, bebida alcoólica, provoca cancro não é verídica. A nossa preocupação deve ser colocada na dieta alimentar. ‘O consumo abusivo de álcool pode provocar cancro’, pensamos que seria a informação mais adequada.
E teme que essas medidas venham a ser aplicadas em Portugal?
São soluções que não são adequadas para Portugal, que tem consumos baixos. E é preciso notar que os dados sobre consumo de vinho em Portugal, que agora é o mais alto da Europa, não têm em conta os 21 milhões de turistas que nos visitam por ano e que muito contribuem para esse consumo. Tem de haver uma solução adequada para cada país. Não faz sentido não ter em atenção as enormes diferenças entre as culturas nórdicas e mediterrânicas. Podemos ter problemas com a questão do consumo excessivo de álcool, mas têm de ser tratados de outra forma com o apoio da Saúde. Por exemplo, nos consumidores com mais de 65 anos que consomem álcool em demasia, não me parece que o aumento de preços vá resolver alguma coisa. A política de aumento de preços no vinho e nas bebidas alcoólicas trata o sintoma e não a doença.
O que é que a ACIBEV defende para evitar que essas medidas venham a ser aplicadas no nosso país?
Temos de fazer a defesa da cultura do vinho e da nossa cultura. Temos de mostrar que temos uma cultura, que o vinho faz parte dessa cultura e que não temos de ir nesta onda. Pensamos que as medidas corretas para reduzir o consumo excessivo de bebidas alcoólicas têm a ver com a educação. Com a educação e a formação. Se ensinarmos as pessoas a ter uma dieta mediterrânica, a praticar um consumo moderado e equilibrado de bebidas alcoólicas, aliados a uma prática moderada de exercício físico, vamos no bom caminho. Isto não pode ser substituído por medidas legislativas e tudo tem de ser fiscalizado.
O que é tem feito a ACIBEV no sentido de promover o consumo moderado de vinhos e de outras bebidas alcoólicas em Portugal?
O setor tem colaborado de forma resoluta com todas as medidas razoáveis para o consumo moderado. Já há restrições para o consumo de álcool depois da meia-noite em determinados locais, com as quais concordamos. Concordamos que a legislação para a idade mínima para consumo de bebidas alcoólicas seja partir dos 18 anos. Apoiámos essas medidas porque temos de ser equilibrados. Agora, sabemos que estas medidas a tentar substituir o consumo excessivo com o aumento de preços não vão ter bom resultado se forem aplicadas em Portugal. Aliás, damos como exemplo os países do norte da Europa, que introduziram preços mínimos nas bebidas alcoólicas e restrições à publicidade destes produtos, sendo o comércio das bebidas alcoólicas assegurado por monopólios estatais, e nem por isso o consumo excessivo de álcool diminuiu. E existe o grande perigo de contágio destas medidas dos países nórdicos para os outros países da União Europeia, como Portugal.
Mas existe algum sinal de que essas medidas venham a ser aplicadas em Portugal?
Neste momento, já estamos a sentir alguns indícios de que isso pode acontecer por parte de diversos serviços do Ministério da Saúde, como o SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, que funciona no âmbito do SNS – Serviço Nacional de Saúde, e do IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência. E assistimos a um fundamentalismo para aplicar taxas e impostos sobre o consumo de diversos produtos, como o açúcar, o sal ou as gorduras. Proibir uma coisa não vai necessariamente melhorar a vida a uma pessoa. Está a seguir-se a teoria que foi seguida com a indústria do tabaco, mas estamos a falar de coisas completamente diferentes.
Porque é que o setor do vinho é diferente?
O setor do vinho atinge muito mais pessoas e muito mais território, muito mais terroir. Tem um impacto ambiental positivo, como se viu nos incêndios do ano passado, tendo sido a vinha a mais eficaz na travagem dos incêndios. É um setor que fixa populações no interior. Pretendemos alertar para a defesa da nossa cultura e do nosso vinho. Estamos perante um fundamentalismo anti-álcool.
Em termos de medidas concretas, o que é que a ACIBEV tem feito no sentido do consumo moderado de vinho e de outras bebidas alcoólicas?
Temos estado a implementar o projeto ‘Vinho com Moderação’. E temos um código de autorregulação no campo da publicidade e do marketing, em que apresentamos o produto ao mercado, mas não encorajamos o abuso. Sublinho que se trata de um código de autorregulação que decidimos aplicar e não de uma legislação que sejamos obrigados a cumprir. Na educação e na formação, especialmente para profissionais de restauração do canal HORECA [Hotelaria, Restauração, Cafetaria]. Trabalhamos em parceria com a ViniPortugal na elaboração de informação e de manuais sobre as regras de um serviço responsável, que ajuda a identificar pessoas embriagadas, que passa pelo aconselhamento a não vender bebidas alcoólicas a pessoas nesse estado, assim como a menores. Promovemos a realização de testes voluntários de alcoolémia em grandes feiras e provas de vinhos. E distribuímos informação. Partilhamos as boas práticas adotadas noutros países.
Em termos globais, como está a decorrer a atividade do setor nacional do vinho em 2018?
Em termos nacionais, a atividade do setor está a correr muito bem nestes primeiros meses de 2018. Muito devido à onda de turismo que nós temos, que nos tem proporcionado grandes esperanças e certezas. Tem melhorado muito a visão que os turistas têm de Portugal e dos nossos vinhos. Os turistas querem provar os vinhos portugueses. E tudo indica que as exportações continuem bem. Por outro lado, nos últimos anos, tem havido uma diminuição da produção do setor, embora tenha havido um aumento de produção na vindima de 2017, comparada com 2016.
A que é que se deve essa redução da produção vinícola em Portugal nos últimos anos?
Parte dessa redução de produção do setor nacional do vinho explica-se pelo clima. A produção por questões climáticas caiu também muito em países como Espanha, França ou Itália, mas também pelo abandono das vinhas e pelo seu envelhecimento. Isto deve-se, em parte, ao abandono do interior do país. Além disso, existem restrições de plantação de novas vinhas. Só se pode plantar por ano 1% de novas vinhas em relação às já existentes. E é de lamentar que numa altura que se está a discutir a PAC – Política Agrícola Comum para lá de 2020, este assunto não esteja em cima da mesa. Temos de arranjar uma alternativa em vez das licenças que apenas permitem plantar por ano 1% das vinhas existentes. Essa foi uma medida tomada quando havia um excesso de vinho Portugal. Não é o caso presente.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com