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Regra do BdP empurra famílias para crédito da casa a taxa mista

Com as Euribor bem acima de 3%, créditos a taxa variável são testados com juros que podem chegar aos 7%. Taxa mista permite escapar ao exame e garantir o financiamento para a casa.
24 Junho 2023, 08h00

Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 17 de junho, com a edição impressa do Semanário NOVO.

A incerteza em torno da evolução das Euribor, que têm subido à boleia dos juros do Banco Central Europeu (BCE), está a ditar uma quebra na procura por crédito à habitação. Entre as famílias que continuam a contratar empréstimos para a compra de casa, as taxas fixa e mista são uma solução cada vez mais procurada, numa tentativa de encontrarem alguma previsibilidade na prestação, mas não só. A banca admite que o teste de stresse do Banco de Portugal, que obriga a somar 3% à taxa final no caso das variáveis, pode estar a levar os clientes a optarem por fixar o juro, pois, de outra forma, podem não conseguir contratar crédito. O sector afasta, contudo, que devam existir regras para definir o cálculo destas taxas.

“O peso dos contratos de taxa fixa e mista tem-se mantido estável na ordem dos 15%. Contudo, dentro das taxas mista [que permite fixar a taxa durante determinado período, passando depois a taxa variável], tem existido uma maior procura de taxas de curto prazo a dois a quatro anos e verifica-se uma redução do peso das taxas de longo prazo”, afirma fonte oficial do Novobanco, referindo que isto “faz todo o sentido uma vez que estamos num ciclo de taxas de juro altas”.

Também o BCP regista este movimento. “Há uma tendência de aumento da procura por este tipo de soluções”, refere fonte oficial. O mesmo foi identificado por outros bancos na apresentação dos resultados trimestrais. “Aumentou significativamente a contratação de crédito com taxa fixa”, afirmou João Pedro Oliveira e Costa, CEO do BPI, salientando que “mais de 50% da nova contratação é taxa fixa”, quando antes era 30%. Na Caixa Geral de Depósitos (CGD), Paulo Macedo revelou que menos de 20% das novas operações de crédito são a taxa fixa e mista.

Esta tendência verifica-se numa altura em que as Euribor estão já bem acima dos 3%, aproximando-se dos 4% no caso da taxa a 12 meses. Considerando que os bancos têm, por imposição do Banco de Portugal, de somar 3% ao spread e à Euribor para analisar o esforço máximo dos particulares nos créditos para a compra de casa indexados a taxas variáveis, isto pode traduzir-se numa taxa hipotética superior a 6% ou perto de 7%, dificultando o acesso de muitas famílias a estes empréstimos.

“A maior ou menor procura por taxa fixa dependerá essencialmente da preferência dos clientes. Eventualmente, e nas atuais circunstâncias do nível das taxas de juro, a necessidade de aplicar um aumento de taxa de três pontos percentuais ao stresse da taxa de esforço do cliente, poderá favorecer a opção por taxa fixa/mista”, afirma fonte oficial da Associação Portuguesa de Bancos (APB) ao NOVO Economia, quando questionada se a dificuldade em aceder a crédito a taxa variável – perante a subida dos juros e soma de uma taxa de 3% para se avaliar o esforço – pode estar na base da maior procura por taxas fixa e mista. Ao contrário do que acontece nas taxas variáveis, nas taxas fixas/mistas, pela previsibilidade inerente, não se aplica o teste de stresse.

Por outro lado, a Deco considera que este movimento pode estar a verificar-se perante a necessidade das famílias de terem maior previsibilidade no valor da prestação, numa altura em que ainda não há um fim à vista para a subida das taxas de juro, que influenciam o movimento das Euribor. Esta semana, o BCE subiu novamente as taxas de juro em 25 pontos base e sinalizou que é provável que volte a aumentar em Julho.

“Tem a ver principalmente com o receio que os consumidores têm neste momento em torno da evolução das taxas de juro no mercado. Subiram quatro pontos percentuais em 15 meses, o que é muito significativo”, refere Nuno Rico, economista da Deco Proteste, notando que há “muitas famílias com dificuldades para conseguir continuar a cumprir com os seus contratos de crédito”. A procura por taxa mista vai, por isso, “muito no sentido de tentarem proteger-se de potenciais futuros aumentos que poderão pôr em causa a estabilidade dos orçamentos familiares”, diz o especialista.

Deco quer regras para a taxa fixa
Para a associação, é preciso, contudo, estabelecer regras para definir o cálculo das taxas fixas, tal como acontece nas variáveis. Atualmente, são calculadas administrativamente por cada banco. “Na carta aberta que apresentámos há pouco mais de um mês ao governo e aos grupos parlamentares, uma das medidas que propomos é exatamente o enquadramento da oferta de taxa fixa”, salienta Nuno Rico, notando que, “hoje em dia, é uma situação arbitrária”, o que faz com que as “propostas não sejam competitivas”.

“As ofertas de taxa fixa deveriam ser estabelecidas de modo idêntico àquilo que são as ofertas de taxa variável, com a utilização do indicador de referência. Nomeadamente, o que propomos é o indicador de taxa swap porque é aquele que os bancos utilizam precisamente para este tipo de ofertas, a que acrescia um spread em função do risco do cliente. Desta forma, teríamos uma oferta transversal, transparente e em que a competição era feita pela via do spread, tal como acontece na taxa variável”, refere o economista.

Já a banca defende que não deve haver qualquer interferência na definição da taxa. “O cálculo do nível de taxa de juro fixa que cada banco poderá oferecer dependerá das condições próprias de cada banco – custos de financiamento, objetivos comerciais, etc. – e há suficiente concorrência no mercado para permitir escolha aos clientes, pelo que não faz qualquer sentido, e será contraproducente em termos de eficiência económica, qualquer interferência administrativa no sistema de preços”, afirma a APB, liderada por Vítor Bento.

Questionado sobre esta possibilidade, o Banco de Portugal diz que, “sem prejuízo do reforço das obrigações de prestação de informação introduzido pelo legislador, salienta-se que a taxa de juro dos contratos de crédito (seja de modalidade variável, fixa ou mista) é livremente negociada entre a instituição de crédito e o cliente”. Desde o início do ano que a banca é obrigada, por imposição do Governo, a disponibilizar soluções a taxa fixa.

O regulador diz estar a “acompanhar a implementação destas novas obrigações por parte das instituições”, concluindo que “as instituições alargaram a sua oferta de produtos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente, de forma a apresentarem alternativas nas diferentes modalidades de taxa de juro”. Também a APB afirma que “todos os bancos estão a cumprir a obrigatoriedade legal”.

Há, porém, algumas irregularidades identificadas pela Deco, que tem recebido cada vez mais pedidos de esclarecimento. Nuno Rico, da associação para a defesa dos consumidores, refere que, “apesar da obrigatoriedade de apresentação de propostas de taxa fixa, mista e variável, há muita informação que não está correta ou é omissa, principalmente nas páginas de internet e até dos próprios preçários”.

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