José Morgado Ribeiro é muito crítico da atual situação financeira do setor da segurança privada e do modelo de negócio. É um adepto dos aumentos salariais como forma de controlar a qualidade da atividade.
Está no setor há quase 50 anos e sempre fez parte dos movimentos associativos. É presidente da AESIRF – Associação Nacional de Empresas de Segurança, mas também foi fundador da associação concorrente, a AES. Sempre acompanhou a contratação coletiva e afirma que quando não concorda com os modelos ou as soluções, sai. É acionista do Grupo 8, uma empresa dos anos 70, mas as suas ideias nascem na qualidade de dirigente associativo.
Quais as grandes alterações que a proposta do Conselho de Ministros apresenta no início de agosto, vai trazer para o setor da segurança privada? O que é que fica mais “clarificado”?
Não se conhece ainda a versão final. São meras conjeturas pois antes de chegar ao parlamento ainda será alvo de modificações. Não há um conhecimento a nível de detalhes. Claro que por aquilo que lemos concluímos que os grandes problemas do setor não estarão devidamente acautelados nesta proposta.
E os grandes temas que não são abordados começam pelo dumping social e vão até às empresas de porteiro, só vendem porteiros e que constituem uma situação de concorrência desleal. Também as empresas de gestão de condomínios que fornecem porteiros com preços muito baixos do que a segurança privada porque não estão sujeitos às nossas obrigações constituem concorrência desleal. A proposta clarifica o segmento das empresas de segurança nas discotecas, muito embora tenhamos proposto em sede de Conselho de Segurança Privada a separação da segurança da noite – que é feita muito por gente que trabalha em ginásios – da restante segurança privada, mas não foi acolhido. Vão retirar ainda à segurança privada a função nos estabelecimentos de ensino e criam a figura dos porteiros nestes espaços e passam a concorrer connosco.
Existe ainda possibilidade de fazer revistas acompanhado por agente da PSP ou GNR. Entretanto foi instituída a obrigatoriedade da figura de diretor de segurança, algo que nunca concordei. Acredito que esta tenha sido criada para dar trabalho a algumas pessoas. Nas empresas como a minha (Grupo 8) não preciso de diretor de segurança e será um curso que ainda trará mais custos à magra margem das empresas do setor.
Diferente será o caso das empresas de auto proteção, essas podem ter um diretor de segurança, faz sentido pela atividade em si. Estas empresas são outro dos nossos concorrentes.
Nesta nova moldura foram dados mais poderes de fiscalização à PSP, o que está correto pois tem feito um excelente trabalho.
O facto de a segurança privada ser um complemento à segurança pública altera o modelo de trabalho atual?
É uma prática e um conceito que sempre existiu e foi aplicado. Não é nenhuma novidade. Relembro os preâmbulos normativos que regulam a nossa atividade frisavam sempre que a segurança privada deve ser entendida como um complemento à segurança das forças públicas.
O tema do dumping social irá manter-se depois destas alterações?
Sem qualquer dúvida que se irá manter e isto porque a atividade inspetiva em si não tem meios para controlar mais de 100 empresas. Não é que não o queira fazer mas não tem recursos e acaba por não fazer sentido a deslocação de uma equipa de inspeção a uma zona onde existe uma empresa e um cliente e que se situa longe.
Interessa ao Estado continuar a contratar abaixo dos preços reais?
Interessa por um lado e prejudica-o por outro. O Estado compra mais barato e a empresa que vende o serviço entra em incumprimento. Está a retirar fundos ao Estado e à Segurança Social. Recordo que as empresas de “vão de escada” pagam pacotes de salários contra 12 horas de trabalho e sem regalias. Aparentemente os trabalhadores acreditam receber mais mas recebem menos e o Estado é defraudado.
Aconteceu-nos um caso curioso com o Metropolitano de Lisboa que pretendeu fazer um leilão eletrónico para fechar o contrato de serviços e consegui abortar a operação que tinha lances de 10 em 10 minutos e que de repente ficou abaixo do preço de custo. Argumentei que não se estava ali para leiloar coisas mas serviços com pessoas.
O que impede que as entidades públicas como a ACT, o ministério da tutela, as Finanças e a supervisão da PSP criem um modelo de trabalho e o preço do serviço base, à semelhança do que acontece em outros países?
Nos anos 90 realizei um descritivo sobre os preços para se ter a real noção dos custos mas quando chegava aos concursos públicos todo o trabalho preliminar era deitado para o caixote do lixo. Claro que os preços não podem ser imperativos mas tem de existir um mínimo no valor da hora cobrada. A minha experiência diz que em 1994 foi feito um estudo para isso, e que as intenções se renovam mas o resultado acaba sempre por ser o mesmo, ou seja, contratos com preços abaixo do custo.
A concorrência desleal por parte de empresas incumpridoras no pagamento da segurança social e impostos continua a proliferar?
Vai continuar e só inverterá quando o pessoal for melhor remunerado. Em 1992 na negociação com o Estado propus e fizemos aumentos de 27%. E no ano seguinte aumentei 22% a nível de contratação coletiva e no ano que se seguiu foram mais 12% de aumento. O nosso objetivo era colocar o pessoal adstrito à vigilância ao nível de um polícia e vejo hoje que um agente de polícia recebe quase o dobro do salário de um vigilante que por sua vez está pouco acima do Salário Mínimo Nacional. O meu objetivo era obter ordenados equiparados às das forças de segurança e acredito que se os ordenados fossem mais elevados a ideia de prevaricar seria mais difícil de implementar. Os próprios funcionários não iriam estar numa empresa que não fosse boa e credível e não iriam estar numa empresa que sistematicamente fugisse às obrigações fiscais e de previdência.
Quais os resultados das inspeções feitas pelas autoridades? Há números de contraordenações ou de encerramentos compulsivos?
A PSP como Autoridade responsável tem esses números. O que posso afirmar é que depois das inspeções onde é detetado uma infração, o que se segue é recursos sobre recursos e o infrator não é punido.
Há setores de atividade onde existem barreiras administrativas à entrada de novos players? Por exemplo nos aeroportos?
Não há barreiras administrativas. E essa limitação não me parece viável, a única regra é a qualidade do serviço prestado.
Podem as empresas de segurança privada entrar em novos negócios, caso da cibersegurança e dos drones?
Usar os drones para vigilância não é possível face à legislação atual. Considero que nesta área o homem nunca será dispensável. Diferente será a tendência para acabar os contratos quando o serviço não é apelativo. Por seu lado a vigilância eletrónica está a substituir alguns homens em determinados postos mas não tantos como se faz crer. A vigilância humana continua a ser imprescindível.
Faz sentido falar de “transmissão de estabelecimento” no setor, à semelhança do que acontece no setor das limpezas?
Defendo desde sempre que não se deve equiparar uma empresa de limpeza a uma empresa de segurança. O setor da segurança privada nunca precisou disso. Diferente foi o caso das empresas novas que entraram na restauração e quiseram aplicar o mesmo princípio das empresas de limpeza. No nosso setor não se pode ser obrigado a ficar com o mesmo funcionário, mudando de empresa prestadora de serviço, até porque pode ter sido o referido funcionário a provocar a quebra do contrato. Não faz sentido nenhum alterar a atual legislação que limita a transmissão de estabelecimento.
Podem as empresas do setor continuar a trabalhar com margens baixas? Qual a média das margens brutas nos concursos para vigilância humana?
Não vão poder continuar a trabalhar nesta situação. Não me recordo de uma situação tão negra como a que se vive agora. Tenho dificuldade em perceber o futuro e dou o exemplo, sem citar o nome, de uma grande empresa portuguesa que tem metade da faturação com margem zero.
Terão de ser tomadas medidas concretas, com salários mais altos, com melhor pessoal e melhor margem e só desta forma combateremos a atividade paralela. Recordo que em 1992 foram fechadas várias empresas do setor pelas Finanças porque tinham medo de perder os clientes e não aplicaram as devidas margens. O resultado final foi o encerramento.
Este é um setor onde conta mais o preço independentemente da qualidade serviço?
É, e está habituado a isso mesmo. Querem mão-de-obra barata. A capacidade financeira das empresas degradou-se substancialmente. Houve tempo em que se recebia antecipadamente, agora recebe-se a 60 dias em média.
O setor tem espaço para mais de 100 empresas a trabalhar ou tenderá para a concentração?
Antes de mais os setores autoregulam-se. São concedidos alvarás para indivíduos que fecham hoje e abrem amanhã e isso faz esbater a concentração. As entidades oficiais demoram tempo a chegar aos casos em concretos e isso continuará a ser assim, independentemente de aumentar o número de inspetores. Há uma proliferação de empresas num setor onde não existe mercado.
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