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Francisco Simões – a história de um professor comunista na Madeira I

A sua visibilidade, nacional e internacional, é sobretudo cultural e artística, mas há uma faceta sua, menos mediática, em que ele sobressai igualmente: a de professor.
17 Julho 2023, 07h15

A sua visibilidade, nacional e internacional, é sobretudo cultural e artística, mas há uma faceta sua, menos mediática, em que ele sobressai igualmente: a de professor, cultivando há muito tempo uma grande paixão pelo ensino (prefere a palavra ensino a educação…), paixão, essa, que teve uma grande (e bonita) expressão social, e humanitária, na escola da Ribeira da Brava, na Madeira, nos anos 70.

Tendo nascido em Porto Brandão – “uma região operária, lutadora, resistente e progressista” – estudou arte, licenciou-se em escultura e foi professor aos 20 anos. Como veio, então, parar à Madeira e, sendo à data já do Partido Comunista Português, como é que se tornou, em 1972, num diretor de uma escola do regime de então?

No fim de 1968, início de 1969, chega a Portugal, vindo de Paris, onde esteve como bolseiro no Louvre, e onde se tinha encontrado com muitos militantes comunistas, envolve-se na organização política de oposição democrática do MDP/CDE, no distrito de Setúbal culminando esse seu envolvimento, e numa das sessões desta organização, com Urbano Tavares Rodrigues, na sua prisão. Nessa mesma altura, estava à espera do seu primeiro filho e foi o sogro que lhe recomendou que fosse para a Madeira, de onde era natural a sua mulher.

Não encontrou trabalho no imediato e em vez de ter ido logo para a antiga Escola Industrial, de cariz artístico, começou por encontrar trabalho no seminário do Funchal, onde encontrou Paquete de Oliveira e uma série de gente progressista, “os homens e mulheres mais pensantes da esquerda madeirense” com sentimento democrático, onde também se incluía Natália Pais, António Loja, Jorge Marques da Silva, o professor Autoguia – porém, Francisco Simões (FS) era o único do PCP, e nem os seus familiares  mais próximos o sabiam, na altura.

Foi membro da comissão local, nas eleições de 69 em que Fernando Rebelo e José Manuel Barroso (sobrinho de Maria Barroso e Spinolista, mas ligado à oposição democrática) eram candidatos putativamente elegíveis – “se houvesse eleições como deveriam de ser”, democráticas- contra a União Nacional pela qual Agostinho Cardoso (tio de Alberto João Jardim) fora eleito como deputado.

Mas naqueles anos que precederam a democracia no país, na Madeira havia ainda um grupo que viria a ser conhecido como o dos Padres do Pombal – Padres Cruz; Rufino; Sardinha; Araújo; Sumares; Paquete de Oliveira – que estavam “imbuídos no espírito democrático” e constituíam um grupo organizado contra o regime, alinhando-se com o grupo da Escola Industrial- a professora Adília, o professor Mello ( açoriano) e o professor Virgílio Pereira- este último, com quem FS introduziu o Movimento de Estudos na Madeira, formou o  Grupo dos Professores e a Revista do Professor – ainda assim, “era tudo muito conservador na Escola Industrial”.

Nesta dinâmica democrática e cultural, há ainda a referir o Dr. José Maria da Silva que foi preponderante enquanto dirigente do Cineclube do Funchal, outro foco de encontro entre os opositores de esquerda ao regime, na ilha (o dirigente de então, mais tarde, assumiu-se como sendo de direita).

Quando ao PCP, havia duas células na região, mas sem que se soubesse uns dos outros. Destes membros do partido, destaca-se Rui Nepomuceno e o mestre Anjos Teixeira, antigo professor de escultura de FS – fora exilado para a Madeira e proibido de trabalhar, tendo sido mesmo expulso do ensino e da função pública pois fizera parte de uma lista que concorreu a eleições da Sociedade Nacional de Belas Artes, com Lopes Graça e Dias Coelho, contra o pintor Henrique Medina, ligado ao regime. Quando esta lista de oposição de esquerda ganhou, a PIDE selou a Escola Nacional de Belas Artes e Anjos Teixeira foi exilado para a Madeira, passando a “partir pedra” para outros artistas para poder sobreviver como “ajudante de escultor”. Foi a família Clode quem “lhe deitou a mão”, a mesma que foi mentora do primeiro núcleo de aprendizagem erudito e ao nível superior para a música e artes, na Madeira, estando na origem, mais tarde, da oficialização da Escola de Artes da Madeira, como ensino superior.

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