Os acasos do calendário fizeram coincidir no tempo a entrega e liquidação do IRS e as notícias sobre transferências para offshores. O Estado português considera que eu e a minha família somos ricos. Feitas as contas, esta família, que recebe exclusivamente rendimentos de trabalho dependente, entrega ao Estado 49,82% do seu rendimento anual.

Ao mesmo tempo, há, pelo menos, 25.000 cidadãos que devem dinheiro ao fisco (dados do portal da AT) e 8.800 cidadãos e 7.300 pessoas colectivas que transferiram 7.4 mil milhões de euros por ano para offshores e/ou paraísos fiscais.

Não será fora de propósito pensar que quem tem recursos disponíveis em tal cópia que os pode exportar, pagará IRS em Portugal com uma taxa bastante elevada. Pagará seguramente bastante mais do que eu, ou eu serei um gestor muito descuidado dos meus inexportáveis rendimentos.

Nos últimos seis anos, 2017/22, saíram de Portugal para paraísos fiscais cerca de 50.000 milhões de euros, através de transferências com origem em cerca de 15.000 clientes bancários. Num país que paga os salários que são conhecidos, que tem meio milhão de idosos em risco de pobreza, um quarto da população com mais de 65 anos, talvez fosse altura de a Autoridade Tributária (AT) prestar contas ao país não pela capacidade de arrecadar receita, mas, antes, assegurando-nos que não há fuga aos impostos.

Parece-me estranho que sejam sejam considerados Grandes Contribuintes 4.818 contribuintes, i.e., pessoas com rendimentos superiores a 750 mil euros, e tenhamos 8.800 contribuintes com capacidade individual para exportar capitais. Ora, pode a AT garantir aos Portugueses que o dinheiro transferido para offshores resulta de rendimentos lícitos e que pagaram impostos em Portugal?

Pode a AT dizer aos Portugueses quantos dos contribuintes que fizeram transferências para offshores foram inspeccionados e se foram, ou não, detectadas irregularidades?

Pode a AT dizer-nos qual a taxa de tributação em IRS suportada por cada cidadão residente que fez transferências para paraísos fiscais?

Um sistema fiscal que tenha como objectivo essencial sustentar o Estado ficará, com muita facilidade, próximo do confisco. Talvez seja altura de o Governo olhar para o sistema fiscal português adaptando-o às novas realidades da vida. Às novas formas de gerar riqueza, às assimetrias de rendimentos com que vivemos, à discrepância de tributação entre propriedade mobiliária e imobiliária, à mobilidade crescente das pessoas. Não basta ser eficiente, ou eficaz. É essencial ser justo!

ET: Sei que não tem a nada a ver com este assunto, mas a Porsche encerrou o primeiro semestre de 2023 com um crescimento global de 15%. Em Portugal, as vendas cresceram 34,1%. É uma curiosidade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.