Notícias de imigrantes não europeus que encontram a morte em arriscadas travessias do Mediterrâneo ou do Canal da Mancha invadem o nosso quotidiano com uma dimensão quantitativa que parece sobrepor-se à dimensão humana.

Entre tantas notícias uma, muito recente, despertou-me particular atenção. Uma embarcação, com 60 pessoas maioritariamente afegãs, naufragou no Canal da Mancha e seis perderam a vida. Sempre que estes tristes momentos acontecem as declarações sucedem-se.

O Procurador confirmou, “os passageiros eram quase todos afegãos, com alguns sudaneses e incluíam menores”. O secretário de estado do Mar (francês), lamentou um drama terrível” e denunciou “a responsabilidade de criminosos e traficantes que enviam jovens, mulheres e adultos para a morte”.

A primeira-ministra francesa, socorrendo-se do X, terá declarado “os meus pensamentos vão para as vítimas”; “saúdo o comprometimento das equipas de salvamento mobilizadas em conjunto com a Marinha francesa”.

Declarações, todas elas, irrepreensíveis. Qualquer pessoa de bem as poderia subscrever. Só que de tão inócuas, são irrelevantes. Talvez falte Política e, sobretudo, falar verdade aos cidadãos. Vejamos.

Entre o Afeganistão e Pas-de-Calais vão mais de 8.000 quilómetros e muitas fronteiras. Como é que 60 pessoas fazem este percurso sem que nenhum serviço de segurança dê pela sua existência?

O Afeganistão vive hoje isolado do mundo e com o seu povo sujeito a uma selvática repressão. Será que deixa sair os seus nacionais, em grupos desta dimensão, sem que nada aconteça?

Os 60 imigrantes de Pas-de-Calais tiveram que atravessar o oriente Médio, uma boa parte da Europa e as respectivas fronteiras. Será que os Estados estão assim tão vulneráveis?

Podem os serviços responsáveis garantir aos cidadãos europeus que entre os explorados imigrantes que perdem a vida no caminho para a Liberdade não há agentes infiltrados?

Posso ser vítima da minha própria ignorância, mas parece que nesta Europa “solidária” estão todos a ver se o “problema” passa para o território do vizinho. Por outro lado, parece que só quando a geografia impõe barreiras naturais à circulação é que as dificuldades surgem, seja no Mediterrâneo, seja na Mancha.

Entretanto a letárgica Europa também parece ir “assobiando para o ar”, à espera de que cada país faça a sua parte. Se esta não é uma questão europeia, não sei qual será …

A menos de um ano para as Eleições Europeias talvez governos e partidos ainda possam ir a tempo de dar respostas aos cidadãos. Talvez ainda vão a tempo de não permitir o resultado histórico e perigoso da extrema-direita europeia, como as sondagens antecipam.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.