O veto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao programa ‘Mais Habitação’, anunciado na segunda-feira, foi recebido sem surpresa e com aprovação por parte de alguns responsáveis do sector imobiliário, ouvidos pelo Jornal Económico (JE), que consideram que todo o tempo de debate em redor deste pacote do Governo foi uma oportunidade perdida e receiam que o Partido Socialista avance de novo com a mesma proposta e sem qualquer predisposição para ouvir as sugestões de medidas dos outros partidos políticos e do sector.
“Foi uma oportunidade perdida e, provavelmente, assistiremos a um agravamento dos valores dos imóveis por falta de oferta nos próximos três ou quatro trimestres. Parece-nos evidente que não se pode resolver o problema da habitação sem uma perfeita sintonia entre os sectores privado e público, nomeadamente no reforço da oferta e requalificação da muita existente”, refere em declarações ao JE, José Cardoso Botelho, CEO da promotora Vanguard Properties.
Para o CEO, a solução imediata passa em particular para quem está fora do sistema, por “persuadir” os senhorios a arrendar habitações com a devida segurança jurídica e não com a intervenção do Estado ou via arrendamento coercivo. “Esperamos que este veto permita resolver diversos aspetos da legislação e ajude Portugal a recuperar a sua reputação junto dos investidores nacionais e internacionais, sobretudo, os Fundos de Pensões (Core), essenciais para financiar operações de built-to-rent de grande escala e a preços competitivos (detêm capitais de longo prazo com menores requisitos de rentabilidade)”, afirma.
Apesar das críticas feitas pelo Presidente da República, o PS, através do líder parlamentar Eurico Brilhante Dias, anunciou que vai confirmar no parlamento o diploma vetado por Marcelo Rebelo de Sousa. “Respeitamos a discordância política do senhor Presidente da República, mas reafirmamos a urgência na resposta à crise da habitação, por isso iremos confirmar o diploma na Assembleia da República, nos termos da Constituição”, anunciou Eurico Brilhante Dias numa declaração aos jornalistas nos passos perdidos do parlamento.
Uma decisão que vai de encontro ao sentimento pessimista de Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). “Tenho um grande receio que, infelizmente, o PS, que tem tido uma obstinação total no âmbito destas medidas, invista por este pacote contra tudo e contra todos”, afirma ao JE, salientando que já durante a discussão pública houve duas mil apreciações e parece que nenhuma foi positiva.
Como tal, o líder dos proprietários lamenta também que Marcelo Rebelo de Sousa tenha perdido a oportunidade de enviar o diploma para o Tribunal Constitucional (TC). “Para nós o diploma é flagrantemente inconstitucional e, precisamente por isso, até achamos que é preocupante para a imagem de Portugal que se diga que não há problemas de inconstitucionalidade em medidas com esta violência e que afetam de tal maneira os direitos fundamentais”, sublinha.
Face a todo este cenário que se avizinha, Luís Menezes Leitão não tem duvidas em assumir que a situação do mercado imobiliário e dos portugueses não vai mudar. “Vamos continuar a estar como estamos desde fevereiro, num sufoco enorme, à espera que venha mais esta medida radical e finalmente se atinja a luz do dia”, realça.
“Derradeira oportunidade para ter um pacote que traga mais habitação”
Quem também manifesta preocupação com o atual pacote ‘ Mais Habitação’, e as suas consequências para o mercado, é a Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). Ouvido pelo JE, Hugo Santos Ferreira, presidente da associação, assume desde logo que o veto presidencial não foi uma surpresa, até porque a própria APPII foi das que mais críticas fez a este programa desde fevereiro.
“Ainda não tivemos um pacote ‘Mais Habitação’ e, portanto, este veto não nos surpreende. Diria que é a derradeira oportunidade para tentarmos ter, de facto, um pacote que traga mais habitação e que faça baixar os preços da habitação em Portugal”, refere, destacando que o programa tem aspetos positivos, como o plano de cedência de terrenos e edifícios devolutos para, em regime de direito de superfície, construirmos arrendamento acessível no âmbito de uma parceria entre o Estado e o privado.
“Se o Governo conseguir criar um programa que com uma série, nomeadamente de benefícios fiscais, e com um programa atrativo, funcional, credível e eficaz, consiga mitigar o aumento exponencial do custo da produção de casas em Portugal, acho que podemos vir a ter um bom programa. Este é um aspeto positivo”, sublinha.
No entanto, o líder da APPI defende que, para que este programa traga mais habitação, é necessário trazer mais oferta ao mercado, baixar a carga fiscal e não procurar baixar o mercado do arrendamento, controlando-o. “Já tivemos esse exemplo. Tivemos um mercado congelado durante anos, o que fez com que as rendas parassem brutalmente e não resultou. Precisamos que todo o ecossistema do arrendamento do pacote de habitação seja benéfico para a colocação de mais oferta e, acima de tudo, convença os 350 mil proprietários que não acreditam no arrendamento e fazê-los acreditar”, salienta.
Contudo, o líder dos promotores defende que no programa os pontos negativos estão em maioria. “O Governo partiu de um ponto que não podemos concordar e que achamos que é errado. “Tudo o que seja oferta privada, seja de construção, de arrendamento, de casas para venda, construção nova ou propriedade privada, o Governo parte do pressuposto que os privados sozinhos não são capazes de construir habitações acessíveis”, realça.
Face a esta situação, o responsável enfatiza que a solução do Executivo é “castigar” através do aumento da carga fiscal. “Este pacote de habitação acarreta um enorme aumento da carga fiscal em tudo o que seja propriedade privada, fora dos programas do Governo ou fora do Estado. Um aumento da carga fiscal muito significativo era tudo o que nós não precisávamos”, refere Hugo Santos Ferreira.
“Veto reforça constatação da ineficácia das medidas do Governo”
A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa em vetar o programa ‘Mais Habitação’ é no entender de Pedro Fontainhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts (APR) um assumir daquilo que são as falhas que este pacote apresenta enquanto solução para o sector.
“O veto presidencial ao pacote ‘Mais Habitação’ reforça a constatação da sua ineficácia das medidas preconizadas pelo Governo para reduzir a crise habitacional que assola Portugal”, indica o responsável ao JE, realçando que é indiscutível a falta de preparação e de fundamento nas propostas que visam limitar o interesse de investidores estrangeiros em sectores que não possuem relação direta com a habitação, ou seja os Vistos Gold.
“O fim da aplicabilidade dos investimentos em empreendimentos turísticos para efeitos de Autorização de Residência para Investimento (ARI), é uma decisão tomada sem o respaldo de nenhum estudo conhecido, guiada por motivações ideológicas alheias aos interesses da economia de Portugal, das empresas, dos seus trabalhadores e dos milhares de famílias que dependem desses empregos”, afirma.
Deste modo, o líder da APR entende que sem uma revisão dessas decisões, o impacto negativo na reputação do Estado e na confiança dos investidores será significativo e duradouro, “comprometendo a atração de investimentos essenciais no produto turístico, principal ativo estratégico de exportação do nosso país e que já nos tem salvo de várias crises”, salienta Pedro Fontainhas.
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