“As universidades portuguesas querem, acima de tudo, uma clarificação política: se o sistema binário é para manter, então o RJIES deve reforçá-lo acentuando a distinção entre o que cabe às universidades fazer e o que cabe fazer aos politécnicos, com vista a aumentar a qualidade do ensino de ambas as instituições”, afirmou esta segunda-feira, 9 de outubro, António Sousa Pereira, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e reitor da Universidade do Porto.
Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nomeou no início de 2023 uma comissão presidida pelo ex-presidente da A3ES, Alberto Amaral, para avaliar o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) e propor a sua atualização até ao final deste ano.
Num comunicado em que informa sobre os contributos dos reitores enviados a esta comissão, o CRUP afirma: “É fundamental identificar quais são as diferentes missões que cabem aos diferentes tipos de instituições, caso contrário o sistema binário não tem sentido nenhum!”
O CRUP apela também a que se explicitem os diferentes recursos que devem ser atribuídos para “a diversidade de missões, o número de estudantes e de unidades de investigação positivamente avaliadas” que cada instituição tiver. Atendendo às enormes diferenças existentes entre os diferentes politécnicos e diferentes universidades, os reitores advertem o Governo que “importa que a decisão a tomar promova a diversidade institucional e o estabelecimento de consórcios que permitam às instituições ganhar escala sem perda da cobertura territorial”.
No documento enviado a comissão de Alberto Amaral, os reitores defendem que “a missão de investigar” e de produzir ciência deve ser valorizada e pedem mais autonomia de gestão, aprofundar a autonomia das instituições e aumentar os colégios eleitorais que elegem os reitores.
Além do CRUP, também os presidentes dos Conselhos Gerais das Universidades Públicas Portuguesas enviaram à comissão independente a posição que resultou da discussão que fizeram, dia 3 de outubro, sobre a revisão do RJIES em curso e no essencial, as suas posições convergem com as do CRUP.
Gerir com eficácia e sem gerar dívida
No documento enviado à comissão independente, o CRUP reivindica a possibilidade de as universidades poderem exercer, de facto, a autonomia administrativa e financeira que o seu estatuto genericamente lhes atribui. Essa autonomia, no entanto, é na prática todos os anos engolida pelas normas de leis como as do Orçamento do Estado e da Execução Orçamental, entre outras.
“Atualmente, como as normas gerais e cegas das leis orçamentais prevalecem sobre as atribuições estatutárias das universidades, isso significa que estas não podem gastar nem investir o dinheiro que têm onde consideram ser mais útil, mais viável ou de melhor gestão”, afirma o presidente do CRUP. “É preciso que o novo RJIES que sair desta avaliação garanta que as instituições possam tomar opções efetivamente livres, e autónomas, sobre a sua oferta formativa, sobre a contratação de docentes e de investigadores, sobre infraestruturas para projetos científicos”.
Os reitores lembram que “com a crise financeira e a intervenção da Troika a partir de 2011, sucessivas medidas legislativas reduziram a autonomia de todas as instituições de ensino superior”, adiantando que “essa autonomia deve poder ser restituída e aprofundada”, tanto mais que, salientam, “ao longos dos últimos anos, as universidades souberam gerir com eficácia e sem gerar dívida os parcos recursos que foram colocados à sua disposição”.
“As universidades têm pergaminhos para exigir esta autonomia” – afirma António Sousa Pereira.
António Sousa Pereira diz esperar que a comissão de avaliação do RJIES proponha soluções que reforcem o estatuto de autonomia das IES, de que é exemplo o regime fundacional em que funcionam algumas instituições. “A verdade é que este regime conduziu a uma nova forma de funcionar das universidades que o adotaram, transformando a sua gestão financeira, patrimonial e de recursos humanos e alargando o seu quadro de autonomia”, considera.
Segundo o presidente do CRUP, essa autonomia permitiu desenvolver diferentes estratégias para conseguir financiamentos complementares, com menor dependência do Estado, salvaguardando a sua missão de serviço público.
Representação interna mais alargada
O CRUP também reclama mudanças no modelo atual de governação das instituições. Hoje em dia, os reitores e os presidentes dos politécnicos são eleitos por um conselho geral com composições que variam entre os 15 e os 35 elementos, uma parte eleitos dentro da instituição, outra parte convidados no exterior.
“Com a experiência adquirida nos últimos anos, conclui-se que é um colégio eleitoral demasiado reduzido para instituições de milhares e milhares de pessoas, colégio esse cujo funcionamento é muitas vezes disfuncional”, explica António Sousa Pereira, que propõe: “No futuro deverá evoluir-se para um colégio eleitoral mais alargado, com uma representação interna mais abrangente e um tipo de funcionamento que permita uma maior mobilização e participação das comunidades académicas, reforçando a legitimidade da escolha do reitor”.
As recomendações do CRUP vão no sentido de valorizar o papel dos membros externos nos conselhos gerais e nas unidades orgânicas: “Importa, por isso, que a revisão do RJIES mantenha os mecanismos de prestação de contas, escrutínio e envolvimento de personalidades externas na vida das instituições”, acrescenta.
As universidades na produção de ciência
“Apesar de estar previsto no RJIES, logo nos primeiros artigos, que o desenvolvimento de atividades de investigação faz parte da missão das IES, dessas afirmações não resulta a definição das condições de concretização de tal missão”, assim começa o capítulo que as recomendações do CRUP dedicam ao “Cumprimento da missão de investigação”.
Para o presidente do CRUP “é incompreensível que em Portugal a definição de universidade ainda não contenha a missão de investigar ao lado da missão de ensinar. “A investigação nas universidades, tal como a produção de conhecimento, têm de ser valorizadas no RJIES de forma consequente, passando, desde logo, a prever a carreira de investigação”.
Segundo as recomendações dos reitores, o RJIES deverá passar a incluir uma densificação da presença da missão de investigação nas IES, objetivando-a como estruturante da sua atividade, associando-a a recursos humanos especializados, organizados em unidades de investigação, dotadas do equipamento científico adequado e com financiamento consignado. “Importa que o RJIES reforce o reconhecimento do papel das universidades no sistema científico, preveja a existência e a organização de recursos humanos dedicados e estabeleça a necessidade de financiamento com origem no Orçamento do Estado consignado ao desenvolvimento da investigação”, lê-se no documento.
O CRUP recomenda ainda que “a missão de interação com a sociedade” seja explicitada e densificada no novo RJIES.
O RJIES consagrado no artigo 185.º da Lei n.º 62/2007, é o diploma basilar do ensino Superior, no que toca ao seu funcionamento, à regulamentação, gestão e organização das instituições e define alguns direitos dos docentes e investigadores. É também esta lei que baliza e trava irregularidades no sector. Desde que entrou em vigor, em 2007, não foi revisto ou alterado.
Na última edição do Quem É Quem na Formação em Portugal, Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra alertava para um afastamento real do país do sistema binário.
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