[weglot_switcher]

BRIC: viagem a um mundo “incoerente” mas que representa “reivindicações do sul global que fazem sentido”

Brasil, Rússia, India, China e África do Sul têm desde 1 de janeiro a companhia da Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão. “No mesmo saco estão países em vias de desenvolvimento, uma superpotência que disputa a hegemonia mundial com os Estados Unidos – ou seja, a China – e está a Rússia, que é a uma antiga superpotência, agora uma potência regional em declínio”, traça o analista Rui Cardoso. O tema esteve em debate no ISCSP, em Lisboa.
Juliana Kozoski
2 Março 2024, 09h46

Os chamados BRICS – Brasil, Rússia, India, China e África do Sul – integram desde 1 de janeiro mais cinco elementos: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos (EAU), Etiópia e Irão, o que aumenta significativamente a presença islâmica neste bloco, que, no total, agrega quase metade da população mundial e vários recursos críticos, entre os quais 44% do petróleo mundial.

Para debater esta nova realidade, o Observatório do Mundo Islâmico e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, promoveram esta sexta-feira a conferência “O Alargamento dos BRICS a Países Islâmicos: Um Novo Fator de Mudança na Geopolítica mundial?”

Rui Cardoso, jornalista e analista de política internacional, considerou que o grupo BRICS padece de incoerência interna, devido às diferenças entre os países que o integram, e da “falta” dos influentes Qatar e Turquia.

“No mesmo saco estão países em vias de desenvolvimento, uma superpotência que disputa a hegemonia mundial com os Estados Unidos – ou seja, a China – e está a Rússia, que é a uma antiga superpotência, agora uma potência regional em declínio e por isso mesmo perigosa e que está envolvida numa guerra na Ucrânia”, afirmou. Acrescentando: “Esta incoerência interna dos BRICS limita em larga medida o que eles possam fazer, mas, por outro lado, representam uma série de reivindicações do sul global que fazem sentido e que tem a ver com a criação de funcionamentos alternativos diferentes para as Nações Unidas, para o comércio Internacional”.

Nos BRICS + 5 [sugestão de nome do grupo face à ausência de uma outra denominação] isto faz sentido no aspeto da diversidade e, aliás, não deixa de ser curioso que foi graças aos bons ofícios da China que Irão e Arábia Saudita voltaram a ter a representações diplomáticas. Mas há aqui um outro problema: aqui está representado o universo xiita, via Irão, e o sunita, via Egito e EAU”, observou Rui Cardoso. Contudo, assinalou, falta a “outra componente, que disputa a hegemonia do mundo sunita e que é o eixo alinhado mais ou menos com a Irmandade Muçulmana, como Turquia e Qatar, que são, goste-se ou não de (Recep Tayyp) Erdogan”, o presidente turco.

 Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa, também admitiu que a nova composição dos 10  traz “algumas contradições”, destacando o exemplo do Irão e da Arábia Saudita, que tentam ambos ser hegemónicos no Médio Oriente, apesar de terem recentemente, sob os auspício da China, restabelecido relações diplomáticas.

“Não pode haver maior contradição, mas há muitas outras e se olharmos para o próprio trajeto dos BRICS vemos que os projetos andaram devagar e pouquinho mesmo”, afirmou. Exemplo? “Os projetos ligados, por exemplo, às financeiras. Foi preciso a China pegar no dinheiro e meter em Xangai para haver uma primeira instituição com algum peso, mas, por exemplo, projetos com os da cablagem, da fibra ótica de ligação dos países ficaram pelo caminho”, respondeu.

Os BRICS “são os filhos dos aspetos mais negativos e mais positivos da globalização”, afirmou Luís Filipe Menezes, justificando: “São filhos de uma parte negativa pelo facto de que os núcleos organizativos daquilo que deveria ter sido o progresso imparável, económico e social do mundo, centrado, nomeadamente na União Europeia, eventualmente nos países da América do Norte, América, Canadá, México, falharam completamente enquanto líderes de uma harmonia global que trouxesse crescimento com desenvolvimento com solidariedade, com paz. Pelo contrário, houve uma tentativa de imposição de modelos culturais de modelos de governação, muito estandardizada, uma certa americanização do mundo”.

Para Luís Filipe Menezes, a parte positiva passa pelo facto de, face justamente a essa globalização, os BRICS terem tido no princípio do século XIX “crescimentos económicos muito fortes” o que permitiu que “recuperassem de situações de debilidade política anterior”, tal como são os casos da Federação Russa, do Brasil e da China.

Por seu turno, João Henriques, vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico (OMI), defendeu, em declarações à Lusa, que o alargamento do grupo dos BRICS a países muçulmanos pode implicar uma “revolução” na economia e política global. Lembrando que os atuais 10 membros do bloco congregam cerca de 3.000 milhões de cidadãos, num universo de 8.000 milhões, para além de terem grande peso na economia global, salientou: “Portanto, vai haver uma revolução”.

“Objetivamente haverá uma mudança, até porque já começa a preocupar a anterior economia mundial, desde sempre dominada pelos Estados Unidos e pelos países ocidentais. A imposição do dólar, que começou a consolidar-se logo a seguir à Segunda Guerra Mundial e vai provocar uma mexida na geopolítica e na geoeconomia mundial, talvez através de uma eventual ‘desdolarização’”, que “poderá ou não vingar, mas só a longo prazo”, sustentou.

João Henrique lembrou que a aguardar para entrar no grupo estão cerca de três dezenas de outros Estados de África, da América do Sul e também da Ásia.

“Todavia, os critérios têm de ser bem rigorosos, porque as necessidades são diferentes. Há países que têm também propósitos, como é o caso da República Islâmica do Irão, de natureza diplomática de estabelecimento do estreitamento de relações bilaterais e multilaterais”, argumentou.

“O mesmo acontece também com os Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Também há, depois, o fator do petróleo, a realidade do petróleo, que significa com esta nova entrada destes quatro países do mundo Islâmico significa uma quota de mais de 43% das reservas mundiais”, frisou.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.