Há pouca produção científica sobre os governos de Portugal e coligações partidárias. Duas raras excepções podem ser encontradas, a primeira numa publicação de 2000 e outra de 2021, esta última da minha autoria. Esta informação não é importante por si só, apenas porque nos aproximamos de umas eleições legislativas onde o mais provável é que a formação de um governo implique recorrer a coligação/coligações. Aliás, já temos listada a Aliança Democrática (AD), uma coligação pré-eleitoral, pelo que será interessante uma reflexão sobre este assunto.

No entanto, antes de olharmos para as coligações possíveis e para as que já ocorreram (não esquecer, também, que a CDU é em si uma coligação pré-eleitoral, mas com menos chances de liderar um governo do que a referida AD), convém falarmos um pouco daquilo que é o sistema partidário português. Sobretudo, no que concerne às alterações bastante acentuadas ocorridas nos últimos anos.

Depois do surgimento, com impacto, do Bloco de Esquerda (BE), em 1999, só em 2015 é que vimos outro partido entrar na esfera de representação efectiva, isto é, com assento(s) parlamentar(es). De facto, a polarização partidária materializou-se neste preciso momento, e prosseguiu o seu curso, como as eleições que se seguiram vieram a demonstrar. Termos mais partidos com capacidade de competição por assentos no parlamento, gerou outros equilíbrios ou possibilidades de governação.

Os dois maiores partidos portugueses, o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Socialista (PS), teriam agora que lidar com uma realidade distinta – realidade essa que não influenciou a última maioria absoluta do PS, mas que, e isto é discutível, pode ter afectado as chances de manutenção do governo. Mas essa é uma outra discussão e a necessitar de outro tipo de dados que, de momento, não disponho.

Importa, pois, perguntar porque é que as coligações não são nada do outro mundo, incluindo em Portugal? Afinal, já temos essa experiência no país ao nível do governo (uma realidade muito comum nos países do Norte da Europa), embora tenha ocorrido à direita, com o governo liderado por Durão Barroso (e ainda por Santana Lopes), e posteriormente com Passos Coelho. Ambas coligações repetiam os partidos integrantes. Há, por isso, uma experiência acumulada que pode ser importante à direita do espectro político português. No caso do PS, tal não ocorreu, mas os acordos com a CDU e o BE funcionaram um pouco como tal.

Portanto, em termos de experiência, os dois partidos ao centro estarão muito próximos. Mas estamos a falar de partidos que estiveram, ou procuraram estar, alinhados com partidos mais pequenos, cuja capacidade de “king-maker” era limitada. Mais, apesar de todas as tentativas que por aí se vêem e ouvem, estão longe de serem partidos radicais, anti-sistema ou anti-Constituição democrática.

Resta então saber se a possibilidade de coligações com partidos fora deste eixo não irá criar um havoc muito maior do que a normalidade das coligações per se. Contrariamente ao que se pensa, o “voto útil”, o tal papão acenado nesta última semana pré-eleitoral, não tem nada estranho, antes sendo perfeitamente normal.

Contudo, a leitura que se pode fazer deste movimento é distinta da que se poderia fazer há meses atrás: as sondagens dão-nos dados ainda muito inconclusivos. Ainda assim, foi o Presidente da República quem mais condicionou esta direcção, quando informou que aceitará um governo a partir do partido mais votado, o que, efectivamente, pode não ter grandes consequências, pois o parlamento assim o determinará. As consequências são anteriores e estarão no pensamento de cada eleitor que, eventualmente, se irá converter em votos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.