A posse de um governo minoritário da AD é o cenário mais provável. Luís Montenegro não terá vida fácil sem uma maioria no parlamento que lhe permita aprovar os principais diplomas. A coligação terá de gerir com pinças o diálogo com “todos” os partidos, mas muitos já apontam que o país possa ir de novo a eleições em 2025.
A AD venceu. Venceu à tangente, com 79 deputados e 29,5% dos votos, contra 77 do PS, com 28,6% (falta apurar os quatro mandatos das comunidades). Venceu sem maioria absoluta, mesmo se se unisse à Iniciativa Liberal (IL), que elegeu oito deputados.
A única forma de Luís Montenegro governar com uma maioria absoluta seria com um acordo de governo com o Chega, que subiu em flecha para uma bancada de 48 deputados. Mas o líder da AD disse logo na noite eleitoral que o seu “não” a André Ventura é mesmo um ”não” e que vai “manter a palavra” de não levar o partido para o executivo. E também não deverá levar a IL, pelo que o cenário mais provável que se apresenta ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é o de dar posse a um governo minoritário liderado por Luís Montenegro, que tornará difícil uma estabilidade governativa e que pode representar o início dos miniciclos que o próprio Marcelo anteviu há uns meses.
Esta terça-feira, Marcelo começa a ouvir os oito partidos que conseguiram eleger deputados para depois tomar uma decisão, mas vai sempre esperar pela divulgação dos resultados dos círculos da emigração, que serão conhecidos a 20 de março. E, depois, o cenário mais provável será mesmo o da indigitação de Luís Montenegro como primeiro-ministro. Até porque Pedro Nuno Santos, líder do PS, assumiu logo a derrota na noite eleitoral, disse que iria fazer oposição, deixando, assim, a batata-quente da governabilidade para a AD. E será mesmo uma batata-quente que Luís Montenegro terá em mãos, com o PS a dizer que não apresentará, nem viabilizará qualquer moção de rejeição ao governo AD, mas que também não o suportará, que é como quem diz não aprovará orçamentos, o que colocará a AD nas mãos do Chega, que, por sua vez, ameaça não dar apoio à coligação sem que o partido não seja considerado para o futuro governo, o que Montenegro recusa. É um verdadeiro berbicacho do tabuleiro do xadrez político para os próximos meses.
A pressão do Chega pode, contudo, não se materializar, porque André Ventura também não quererá ficar, para já, conotado com a imagem de partido que derrubou um governo com escassos meses e levou o país de novo a eleições.
A politóloga Paula do Espírito Santo diz ao NOVO e ao JE que o governo AD “durará o tempo que Pedro Nuno Santos quiser”, considerando que o peso (e margem) do PS em fazer cair o governo é muito maior que o do Chega. E quando quererá Pedro Nuno Santos derrubar o executivo? A professora de Ciência Política do ISCSP acredita que Pedro Nuno Santos “não o quererá fazer já”, porque quer “ter tempo” de se fortalecer na oposição e “fazer o seu caminho”.
Por isso, está garantida a aprovação do programa de governo, que deve acontecer em meados de abril, com a Assembleia da República a tomar posse em finais de março ou inícios de abril, seguindo-se a indigitação e tomada de posse do governo.
A pergunta que mais é feita é como vai Luís Montenegro conseguir governar sem uma bancada maioritária no parlamento. “Com diálogo” com “todos os partidos” com assento parlamentar, disse na noite eleitoral o líder da coligação. E frisou: “com todos”, a quem pediu que assumam a “responsabilidade” de respeitar os resultados das eleições, ou seja, que PS e Chega não formem uma “aliança negativa” para derrubar o executivo de centro-direita (que teve um dos piores resultados de uma coligação PSD/CDS de sempre). Paula do Espírito Santo diz que não convém nem ao Chega, nem ao PS fazerem qualquer entendimento para derrubar o governo, dado que uma plataforma entre os dois partidos poderia sempre chamuscar a imagem de cada um junto do seu eleitorado.
Chegados aqui, com o governo já em funções, um dilema se coloca a Luís Montenegro enquanto primeiro-ministro. Apresenta um orçamento retificativo ainda antes das eleições Europeias e força PS e Chega a tomarem uma posição e a ficarem responsáveis pela instabilidade ou governa com o orçamento do PS? No PSD, principal partido da coligação, existem duas teses: alguns dirigentes acreditam e defendem que Montenegro deve apresentar logo um orçamento retificativo para marcar posição e se afirmar logo politicamente, obrigando o Chega a ficar com o ónus do chumbo e da queda do governo, à semelhança do que fez Cavaco Silva. Outros, defendem que Montenegro deve apresentar um orçamento mais tarde. A verdade é que o orçamento vai ser a primeira grande prova de fogo do frágil governo de minoria de Luís Montenegro e Nuno Melo (líder do CDS). Nos bastidores do PSD e do CDS existe a convicção de que “não será fácil” em termos de governabilidade, como disse ao NOVO e ao JE um democrata-cristão. “O mais difícil começa agora”, sublinhou a mesma fonte.
O ministro dos Assuntos Parlamentares terá aqui um papel crucial, dado que terá de ser um negociador com todas as forças políticas com assento parlamentar. O nome mais falado para assumir esta difícil função é o do atual secretário-geral do PSD, Hugo Soares. Deverá ser ele a negociar diploma a diploma com a oposição, seja PS, seja à direita do hemiciclo ou até o Livre ou o PAN.
“Luís Montenegro vai ficar muito dependente de Pedro Nuno Santos”, diz Paula do Espírito Santo, para quem “será mais fácil para a AD fazer entendimentos com o PS do que com o Chega”. Contudo, a analista política acredita que André Ventura fará questão de “puxar pelos seus galões” de terceira força política, com mais de um milhão de votos nestas legislativas e pressionar a AD.
A fragilidade do futuro governo é tal que logo na noite eleitoral houve quem vaticinasse uma esperança média de vida muito curta. Marques Mendes, por exemplo, falava em eleições já em janeiro de 2025, mas há quem aponte os meses finais de 2025 como o prazo mais provável, com alguns sociais-democatas a falarem em setembro do próximo ano, mês a partir do qual o Presidente da República perde o poder de dissolução da Assembleia da República, por faltarem seis meses para as presidenciais. Até lá, o governo AD terá de ter nervos-de-aço e capacidade negocial para tentar passar medida a medida, proposta a proposta com os restantes partidos.
Certo é que até 10 de setembro desde ano, Marcelo Rebelo de Sousa não pode dissolver o parlamento (só seis meses após uma eleição), pelo que o seu poder decorrerá entre setembro deste ano e setembro do próximo. O orçamento para 2025 pode ser, por isso, o momento em que tudo voltará à estaca-zero, caso Montenegro não consiga negociar. Pode dar-se o caso de o Chega deixar passar o primeiro orçamento da AD, para não ficar com o ónus de abrir caminho ao PS, e só tomar uma posição de força em 2025. Paula do Espírito Santo acredita que o PS não quererá a queda do governo este ano, sendo mais provável, a acontecer, o ano de 2025.
“O partido que ajuda a derrubar o governo é sempre penalizado nas eleições seguintes e Pedro Nuno Santos vai querer mais tempo para fazer um caminho mais sólido”, remata a analista política.
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