[weglot_switcher]

Conselho de Finanças Públicas faz 11 avisos a Montenegro

Organismo pediu “prudência e cautela” ao novo Governo, revelando preocupação com os impactos de eventuais medidas como os aumentos salariais às forças de segurança e professores, cortes no IRC e IRS.
Manuel da Almeida/Lusa
10 Abril 2024, 07h30

O Conselho de Finanças Públicas (CFP) revelou na terça-feira o relatório “Perspetivas Económicas e Orçamentais para 2024-2028”, seguido de conferência de imprensa, onde a presidente Nazaré da Costa Cabral deixou 11 avisos ao novo Governo português, liderado por Luís Montenegro.

O organismo prevê uma economia a crescer sempre acima de 1%, com excedentes orçamentais até 2028, com a dívida a recuar, a inflação a desacelerar, a taxa de desemprego a recuar, apesar da criação de emprego desacelerar.

1 – Travão na despesa

“Prudência e cautela”. Foram duas das palavras-chave da conferência de imprensa do CFP na terça-feira.

“Dadas as restrições orçamentais vai ser preciso muita cautela pelos responsáveis políticos quando anunciam várias medidas… Tem que haver aqui um dosear, calibrar, para que o objetivo de manutenção do saldo primário em valores positivos para garantir a assegurar a manutenção da sustentabilidade da dívida portuguesa seja assegurada. É importante realçar a mensagem de prudência, para que não se deteriore o saldo primário”, afirmou a presidente do CFP Nazaré da Costa Cabral.

2 – Quais as medidas que podem vir a pesar mais?

Entre as medidas que podem vir a ter mais peso na despesa, se vierem a ser aprovadas, estão “as grandes obras públicas, “como a solução a adotar para o Novo Aeroporto de Lisboa e o investimento na ferrovia incluindo a introdução da alta velocidade, para as quais se desconhece a totalidade do impacto nas contas públicas”; (ii) “eventual resposta às reivindicações salariais das forças de segurança e dos professores do ensino básico e secundário; e (iii) a introdução de novas medidas de política orientadas para a redução da carga fiscal e reforço do apoio a pensionistas de menores rendimentos”.

E há pressões orçamentais adicionais: “(i) despesa com pessoal, como sejam as pressões remuneratórias, incluindo suplementos, noutras carreiras da função pública, em particular na justiça e na saúde esta última, ainda, afetada pela eventual subestimação do encargo decorrente da adoção do regime de dedicação plena face ao valor implícito na POE/2024; “despesa com funções sociais, concretamente prestações sociais, e na saúde, decorrentes das desigualdades económicas e do envelhecimento estrutural da população portuguesa e, bem assim, das inovações tecnológicas na prestação de cuidados de saúde, incluindo medicamentos; (iii) despesa com a defesa e segurança, tendo em consideração, designadamente, os compromissos internacionais assumidos por Portugal; (iv) despesa com subsídios e “outra despesa corrente” que decorra de apoios a atribuir em resultado de eventos meteorológicos extremos como sejam a seca severa e o risco de incêndios florestais”.

3 – Quanto custam as medidas?

A presidente do CFP defendeu que, antes de aprovar qualquer medida, o Governo deve estudar a apresentar o seu custo. “É importante que se faça o custeio das mesmas, a quantificação das mesmas, que o Governo proceda à devida quantificação para se avaliar o impacto das medidas”, segundo Nazaré da Costa Cabral que identificou as medidas que podem vir a ter mais peso na despesa, se vierem a ser aprovadas: recuperação do tempo de serviço dos professores, subsídios de risco a todos os profissionais dos serviços de segurança, complemento solidário para idosos, e cortes no IRC e no IRS.

4 – Cuidado com o saldo primário

A presidente do CFP avisou que é importante manter o saldo primário com valores positivos, isto é, a diferença enre a receita e a despesa primária (antes de juros).

“Creio que não obstante a trajetória da dívida ainda estamos perante uma dívida pública muito elevada. É importante manter o saldo primário com valores positivos, acaba por garantir a sustentabilidade da dívida. É uma chamada de atenção: a necessidade de calcular bem os impactos e de que forma podem deteriorar o saldo primário e a trajetória da dívida pública”, afirmou a responsável, defendendo que é preciso “continuar o esforço de redução” da dívida.

5 – Novo plano para entregar em Bruxelas em setembro

O Governo vai ter de entregar em Bruxelas até 20 de setembro o sucessor do Programa de Estabilidade: o plano estrutural orçamental de médio prazo.

“Os países vão apresentar o novo documento, com diferentes filosofia, código de conduta, regras técnicas, metas. O Programa de Estabilidade foi revogado, vai deixar de existir”, disse a presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP).

O CFP diz que ainda não foi informado se o Governo pretende apresentar em Bruxelas o Programa de Estabilidade ainda este mês, mas admite que poderá não acontecer: “provavelmente não, os estados-membros terão alguma liberdade para decidir se apresentam ou não uma versão mais simples, menos elaborada. Admito que seja algo de transição, pois é um documento à espera de morrer. E é preciso tempo para elaborar os novos planos”, segundo Nazaré da Costa Cabral.

6 – Novas regras europeias têm como foco a redução da dívida pública

As novas regras europeias vão ter debaixo de foco a redução da dívida pública

“É um objetivo fundamental, a redução da dívida pública, especialmente em países que apresentam valores excessivos da dívida pública como Portugal. Significa que à luz das regras europeias vamos estar sujeitos ao cumprimento de metas de trajetória de despesa primária, tendo em vista a redução do rácio da dívida até atingirmos um valor aceitável e favorável”, sublinhou a presidente do CFP.

7 – Excedente de 2023 deve servir para pagar dívida

Nazaré da Costa Cabral defendeu que o excedente gerado durante o ano de 2023 deve ser usado para pagar dívida soberana e não para aumentar salários na administração pública ou pensões. “Creio que essa deve ser a prioridade. O decisor político tem sempre a possibilidade de decidir. O legislador não diz liminarmente, mas na minha intepretação deve ser essa a prioridade”, defendeu.

8 – Aumento da despesa não significa necessariamente Orçamento retificativo

A líder do organismo esclareceu que um eventual orçamento retificativo será, “nos termos da lei, uma lei de revisão orçamental, uma alteração à lei do OE, alteração das condições previstas” devido ao “aumento da despesa total de uma das áreas governamentais, isso obriga a uma alteração orçamental.

“Tem de haver uma lei de revisão orçamental” se houver “alteração ao conteúdo” ou “alteração de alguns mapas”. “É preciso ver qual o efeito e materialidade das alterações, se requerem ou não uma lei de revisão orçamental, dependendo do impacto e se ultrapassa a dotação fixada da despesa da missão da base orgânica”.

9 – Redução da dívida para 80% do PIB à boleia dos saldos primários positivos

A dívida pública portuguesa deverá recuar para os 80% do PIB até 2028, face aos cerca de 100% no final de 2023, prevê o CFP. A confirmar-se será uma diminuição de quase 20 pontos percentuais, a um ritmo de quase 4 pontos por ano.

“A evolução da dívida pública ao longo deste período manterá a trajetória de redução para se fixar em 80% do produto. Diluído o efeito da inflação, o grande fator determinante será ditado pela manutenção de saldos primários positivos”, disse Nazaré da Costa Cabral.

10 – Excedentes orçamentais pressionados pelo PRR

O CFP prevê excedentes orçamentais até 2028. Depois de ter atingido 1,2% em 2023, a expetativa é de que o excedente se mantenha nos próximos anos, embora em níveis mais baixos: de 0,5% do PIB em 2024, de 0,6% do PIB em 2025, de 0,1% do PIB em 2026 e de 0,8% do PIB nos últimos dois anos deste horizonte.

“Na ausência de novas medidas de política, a projeção orçamental de médio prazo aponta para uma continuidade de excedentes orçamentais até 2028, ainda que de menor dimensão face ao verificado em 2023, num período em que a conjuntura económica beneficiará menos o saldo orçamental (evidenciado pela redução da componente cíclica do saldo orçamental) e, num contexto em que os encargos com juros continuarão a elevar a despesa pública. A implementação do PRR, que até 2023 teve um impacto marginal no saldo, pelo facto do seu financiamento ter sido assegurado na quase totalidade por subvenções (transferências) provenientes da União Europeia, passará a ter um impacto negativo no saldo até 2026 por via de um crescente financiamento através de empréstimos”, pode-se ler no relatório.

Para este ano, a estimativa é de que o saldo orçamental recue para 0,5%, “menos de metade do excedente alcançado em 2023”: “ara esta evolução muito contribuirá a desaceleração da atividade económica e o impacto das medidas de política vocacionadas para a melhoria dos rendimentos das famílias, dos jovens e dos pensionistas, que compreendem, entre outras, as medidas de desagravamento fiscal em sede de IRS, de aumento das pensões e prestações sociais, bem como de aumento da despesa com pessoal resultante das atualizações remuneratórias e das respetivas progressões”. Noutro plano e em menor escala, a “redução projetada para o saldo será explicada igualmente pelo aumento do investimento público (impulsionado pelos projetos ao abrigo do PRR financiados por empréstimos) e pelo acréscimo dos encargos com juros”.

11 – Riscos geopolíticos pairam sobre Portugal

O Conselho de Finanças Públicas manteve a sua previsão de crescimento em 1,6% para este ano, face à previsão anterior divulgada em setembro. Uma desaceleração depois de a economia portuguesa ter crescido 2,3% em 2023.

No entanto, o outlook encontra-se “condicionado pelo contexto de incerteza geopolítica que decorre dos conflitos militares na Ucrânia e na Faixa de Gaza e pela decisão do BCE em manter as taxas de juro em níveis ainda elevados, o que deverá continuar a condicionar a procura interna, pelo menos na primeira metade do ano”, segundo o relatório divulgado na terça-feira “as Perspetivas Económicas e Orçamentais 2024-2028”.

Mas à boleia do dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o CFP espera, no médio prazo, que a inflação continue a descer rumo aos 2%. E “na ausência de choques adicionais”, a economia deverá crescer 2% em termos reais, isto também no médio prazo: 1,6% em 2024, 1,9% em 2025 e 2,1% em 2026.

Em termos orçamentais, o CFP espera uma “continuidade de excedentes” até 2028, mas menores face aos 1,2% do PIB  verificados em 2023: 0,5% do PIB em 2024, 0,6% em 2025, 0,1% em 2026 e 0,8% em 2027 e 2028.

Já o rácio da dívida deverá recuar 10 p.p. do PIB entre 2023 e 2028, “ano em que deverá situar-se próximo de 80% do PIB”.

Em termos de inflação, a expetativa é uma “redução gradual no crescimento do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) ao longo de todo o horizonte de projeção”: 2,6% em 2024, e estabilizando em 1,9% a partir de 2027, com esta evolução a ” refletir a contínua desaceleração no crescimento dos preços dos bens alimentares e o impacto da transmissão da política monetária mais restritiva sobre a economia”.

Olhando para o mercado de trabalho, o ritmo de criação de emprego deverá desacelerar para 0,3% este ano e convergir para 0,1% em 2028. Já a taxa de desemprego deverá manter um perfil descendente: recuo para 6,4% em 2024, e até 6% no médio prazo.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.