O tempo que antecede eleições, quaisquer eleições, é um tempo de afirmação ideológica e programática e, também, de assunção de compromissos com os eleitores.
Programas e compromissos que se moldam e configuram de acordo com os mandatos em disputa. Dito de forma clara, quase vulgar, nem uma candidatura a uma autarquia local assume compromissos em matéria de política externa, nem uma candidatura ao parlamento se compromete com um programa de saneamento básico.
Vivemos um tempo que antecede eleições europeias. Vivemos um tempo de afirmação ideológica e programática sobre a Europa e um tempo para as candidaturas assumirem compromissos quanto ao futuro da Europa. Compromissos claros que precisamos conhecer. Como se propõem governar a Europa, com que objectivos essenciais, com que grupos políticos se vão aliar, como pretendem lidar com as ameaças externas.
Compromissos tão mais importantes quando a Europa, por responsabilidade própria e por influência alheia não contrariada, nem contraditada, parece estar desorientada, ou, o que é pior, sem saber o quer ser nas próximas décadas.
Quanto distantes estamos da declaração fundadora de Robert Schuman, a 9 de maio de 1950, e cito: “A contribuição que uma Europa organizada e dinâmica pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas.”
Não podemos perder de vista que a Europa, para além de já não viver hoje a prosperidade diferenciadora de outrora, transporta no seu bojo uma diversidade populacional que nunca tinha conhecido e do ponto de vista político viu quebrada a unanimidade tradicional quanto aos princípios, ao ter, dentro das suas fronteiras, regimes iliberais, seja lá isso o que for.
Em simultâneo, à Europa é hoje exigido que responda, pela primeira vez, a complexas questões de defesa e mesmo militares, à competição económica e geoestratégica com potências que , de novo, se afirmam e à disputa/perda de influência sobre vastos territórios que tradicionalmente lhe eram próximos.
A par de tudo isto é hoje mais ou menos assumido que a Europa e as suas instituições são alvos preferenciais da “guerra cibernética” que tudo pretende destruir, descredibilizar, adulterar. Guerra com origens e autores conhecidos, ainda que não enunciados pelos responsáveis europeus. Situação especialmente preocupante porque acompanhada pela inegável existência de “cavalos de troia” ideologicamente alinhados.
Por isso, é um erro grave reduzir o discurso político para as próximas eleições, à eleição de 21 deputados dos 720 que irão integrar o Parlamento Europeu até 2029, ou, pior, dar a esta eleição uma egoísta dimensão nacional.
A 9 de Junho, é mister afirmarmos a Europa que queremos, em que Europa queremos viver e que posicionamento deve a Europa assumir no mundo de amanhã.
Se queremos uma Europa que actua no mundo autonomamente, ou, pelo contrário, que se submete a orientações e agendas de outras potências.
Dia 9 de Junho é demasiado importante para a Europa para que sejamos levados a escolher por outras razões que não as que relevam para o seu futuro.
Também por isso é especialmente interessante o que as múltiplas sondagens vêm revelando como preocupações dos europeus:
- Desigualdades sociais
- Desemprego
- Crescimento Económico
- Alterações climáticas
- Imigração
Quando o modelo político e social europeu é posto em questão como nunca o terá sido, quando a influência da Europa no mundo regride, quando a guerra está à nossa porta, continuamos virados para dentro do nosso castelo, evidenciando um certo egoísmo.
Espero que entre a soberania e a liberdade, por um lado, e a qualidade de vida, por outro, todos saibamos fazer a escolha certa.
Também por isto, assumem hoje especial significado as palavras de Mário Soares, em 1985 nos Claustros dos Jerónimos:
“A Europa das Comunidades, para nós, não será tão só um mercado comum de bens e de serviços, vemo-la como um espaço de liberdade, de respeito pelos direitos do Homem e de humanismo, mas também como uma entidade política, autónoma e coesa a que competirá uma acção de liderança moderadora na cena internacional em favor da paz”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.