Socorro-me de uma citação do Nobel da Economia Paul Samuelson para o título desta crónica. Como se sabe, o que Samuelson pretendia era dizer-nos que há sempre um trade-off entre gastar em defesa ou em atividades para o desenvolvimento (canhões ou manteiga).
Até há pouco todos nós considerámos que vivíamos em paz, isto é, que a prioridade do investimento público se centrava na “manteiga”.
De um dia para o outro parece que fomos assaltados por um sentimento de que estávamos em guerra. Ou porque há conflitos armados na Europa, ou porque esse conflito ocupa reiteradamente os nossos noticiários, ou, até, porque a proximidade geográfica do conflito nos dá maior sensibilidade.
Acontece que esta proximidade ao conflito não se tem traduzido, na Europa, na alocação dos recursos. Se é verdade que a Polónia afecta 3,9% do PIB às despesas da defesa, já a Bélgica e a Espanha não ultrapassam os 1,6% do PIB.
Parece que as prioridades discursivas e as prioridades de alocação de recursos não só não coincidem, como se afiguram inconciliáveis.
Situação especialmente grave quando os responsáveis políticos estão obsessivamente “agarrados” a uma ideação da guerra como um “conflito armado entre duas ou mais nações ou grupos, que envolve mortes e destruição”.
Talvez ganhassem em considerar a definição de Carl Von Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios” ou “a guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”.
Se todos atentassem nesta definição, talvez olhassem para o que se passa no mundo com outros olhos.
Da guerra explicita entre Israel e o Hamas que evoluiu, já, para ataques mútuos entre Israel e o Irão; da muito noticiada invasão da Ucrânia às quase escondidas situações na Geórgia, na Arménia ou no Azerbaijão.
Ou os conflitos fronteiriços que hoje recrudescem um pouco por todo o lado. Da Venezuela às reivindicações territoriais do Ártico, da aspiração autonómica, independentista da Somalilândia, à definição nunca consensual sobre o estatuto de Taiwan, dos conflitos à volta da soberania das Ilhas do Mar da China, às pretensões de Marrocos sobre o Sara Ocidental.
Tudo situações que denunciam tensões e antecipam conflitos.
Parece existir, um pouco por todo o mundo, uma certa sensação de vivermos um tempo de conflito entre o Ocidente e o Resto do Mundo.
Não tenho é a certeza se o Ocidente interioriza e age em conformidade… Temo que não.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.