1. Estamos a 5 dias das eleições europeias. No próximo domingo, dia 9, receberemos o veredicto. Todas as sondagens, sem excepção, apontam, em maior ou menor grau, para um reforço da extrema-direita e direita radical na Europa. Em dois dos grandes países fundadores da UE, França e Itália, os partidos de Marine Le Pen e de Georgia Meloni (primeira-ministra de Itália) vão ser os vencedores das eleições e, por grande diferença de deputados, elevando, deste modo, a sua influência nos grupos políticos do Parlamento Europeu em que se integram, ID-Identidade e Democracia e ECR – Reformistas e Conservadores Europeus. Acresce ainda que, em países de média dimensão, como a Hungria, Áustria, Eslováquia, Holanda, Roménia, Suécia, a conquista do primeiro lugar pela extrema-direita tem uma elevada probabilidade, correndo-se o risco, na Alemanha, da AfD – partido de extrema-direita, alcançar o segundo lugar, à frente do partido social-democrata do primeiro-ministro, Olaf Scholz, o que não deve trazer grande saúde ao governo.
Meloni e Le Pen têm plena consciência das condições favoráveis que irão disfrutar no exercício da sua influência e vão agir no sentido de dar passos significativos no ajustamento da UE ao seu projecto “europeu”. Há quem defenda que estes partidos de extrema-direita e direita radical “não têm nenhum tipo de pensamento europeu”, que o seu pensamento é nacionalista, e o que pretendem é desagregar a Europa, embora presentemente com posições mais mitigadas, já não advogando a saída da UE ou o fecho de fronteiras. Se estivermos atentos à sua narrativa reconhece-se um “suavizar” de posições em certos domínios e temas, e uma rotunda rejeição de outras propostas novas como a da inclusão da IVG na carta dos direitos europeus, posição entre nós seguida por Sebastião Bugalho, cabeça de lista da AD, que se encaixa no PPE europeu.
O panorama que se vislumbra para o PE é, assim, do maior melindre pelas suas repercussões na composição futura dos órgãos de governação da UE e, por consequência, na determinação do conteúdo das decisões políticas nos próximos cinco anos.
2. Nas europeias de 2019 escrevia, então, que a Europa “andava à deriva” sob o impulso da extrema-direita. Há 5 anos, a deriva já era notória. Hoje bem mais profunda. O que ainda amortece uma implantação mais forte é essas forças não se entenderem, a nível das suas relações externas por exemplo na guerra da Ucrânia (pro-Rússia e pró-Ocidente) e, a nível interno, na diferenciação do grau de moderação. Em Itália, o caso é bem visível. Giorgia Meloni dos Fratelli d’Italia (partido com profundas raízes fascistas) tem protagonizado uma posição moderada que levou Mário Monti, ex-Comissário europeu, a dizer: “olhei atentamente para as relações deste governo (de Itália) com a UE, e apraz-me dizer que a atitude me parece positiva”. Este moldar de Meloni às circunstâncias vai ser um trunfo no aprofundamento da sua influência na UE, nos próximos cinco anos. Pensando melhor já está a sê-lo, tanto que Von der Leyen, candidata a segundo mandato da Comissão europeia pelo PPE lhe anda a “mendigar” apoio à sua candidatura, o que não é nada inocente, perfilhando-se neste comportamento uma aliança, mais formal/menos formal, em detrimento do grupo das forças socialistas europeias (S&D).
E não nos podemos esquecer que a construção da União Europeia tem sido, no essencial, um produto da democracia-cristã e das forças sociais-democratas com o que tem de bom e de mau e que, nestas eleições, com von der Leyen candidata a um segundo mandato, se perfila secundarizar o eixo social-democrata, cozinhando um entendimento da direita com a extrema-direita.
3. Mas a União Europeia está em declínio escorregadio, com efeitos de longo prazo preocupantes, tanto mais que os estrangulamentos estruturais são difíceis de remover. Alguns estudos de prospectiva sinalizam que só com mudanças de paradigma no modelo de crescimento, a UE poderá recuperar. Como se referiu no último artigo, no horizonte de 2050, se nada for feito em contrário, o peso da União europeia no PIB mundial será de 15%, quando em 2022 era de 21,5%. Uma perda significava a traduzir-se em empobrecimento das pessoas da zona UE.
Much More Than a Market – Enrico Letta
Li recentemente um relatório da autoria de Enrico Letta, antigo primeiro-ministro de Itália e hoje presidente do Instituto Jacques Delors, feito a pedido da União europeia (Conselho e Presidência da Comissão) sobre o estado do mercado único europeu.
O relatório não trata todas as variáveis importantes de um modelo alternativo de crescimento económico. Mas aborda muitas áreas da competitividade da economia. E várias vezes releva que o mercado único, uma ideia de Delors, foi concebido para os cidadãos, que são o seu centro.
Para Enrico Letta, o mercado único europeu está longe de ser construído. E não está por vontade dos grandes países europeus que julgavam não precisarem da dimensão europeia, que a sua própria dimensão bastava. Trinta anos depois, continuamos a ter 27 mercados e dá, como exemplo, três sectores chave: a energia, as telecomunicações e os mercados financeiros, alicerces base de qualquer economia em que, na realidade, existe um mercado por cada Estado-membro. Os países membros acordaram tardiamente para estas matérias e quando se aperceberam de que não tinham escala para competir, aí perceberam que recuperar terreno, não sendo impossível, se torna uma extrema dificuldade.
O facto do mercado de capitais não se ter desenvolvido trouxe um problema adicional a toda a economia dos países, o do financiamento, que é curto na União europeia, mais ainda com os países ditos “frugais” a obstaculizar a criação de eurobonds, o que prejudica sobretudo os países mais débeis.
O debate público de preparação – eleições 2024
Na campanha eleitoral até se falou de problemas europeus mais que o costume. Mas pela rama, não indo ao âmago das questões estruturantes como o mercado único europeu, fiscalidade, questões climáticas e demográficas. Pouco se falou da inovação e ciência, da qualidade do ensino: duas áreas-chave para a competitividade em que a União europeia está em perda deslizante face aos seus concorrentes e sem vencer esse fosso nada feito. E, por vezes, o fosso vai se aprofundando muito por falta de organização. Uma vez mais, cada país anda a fazer ciência, desligado.
Sobre nada disto se deixaram os devidos alertas e a sociedade portuguesa ficou sem saber os verdadeiros constrangimentos que paralisam os avanços na União europeia e o que cada força concorrente pensa para os ultrapassar. Será que os candidatos não leram documentos fundamentais como o do mercado único, nem ficaram incomodados por
exemplo com o discurso de Macron no 25 de Abril na Sorbonne a alertar para se a UE não mudar de políticas corre para o “suicídio”?! De pouco se falou bem.
Não se ouviu dizer que a União europeia precisa de inflectir a sua demografia, nem de uma nova política económica, nem da reforma do mercado de capitais, nem da harmonização fiscal para evitar distorções de competitividade entre países membros.
Uma Europa futura e de progresso precisa de modificar profundamente a filosofia da sua política económica. Muita mudança tem de haver, mas não se sente vontade política de abraçar esse caminho.