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Ucrânia arrisca “default” ao falhar acordo com credores internacionais

A paciência de alguns credores com o país invadido pela Rússia em 2022 está a esgotar-se e Kiev tem até agosto para assegurar a reestruturação de 20 mil milhões de dólares, um processo que ainda não chegou a bom porto. Vontade política europeia pode ser determinante para manter o acesso ucraniano aos mercados.
Volodymyr Zelensky/Twitter
18 Junho 2024, 07h30

A Ucrânia arrisca-se a entrar em incumprimento caso não consiga garantir a reestruturação de cerca de 20 mil milhões de dólares (18,7 mil milhões de euros) em obrigações internacionais, um processo que tem sido difícil e expõe as dificuldades financeiras de Kiev. O prolongamento destas linhas acaba a 1 de agosto e, caso o governo não chegue a acordo com os credores (que incluem a BlackRock e a Pimco), o país severamente destruído pela invasão russa verá a sua situação económica ainda mais deteriorada – embora esse cenário pareça improvável aos analistas consultados pelo JE.

Aquando da invasão russa de fevereiro de 2022, o governo ucraniano conseguiu firmar um acordo com os seus credores para a suspensão por dois anos dos pagamentos em linhas de obrigações internacionais, um prazo que está prestes a expirar. Como tal, Kiev tem vindo nas últimas semanas a estabelecer contactos formais com os investidores para garantir novo acordo até agosto, um processo complicado pelos desencontros entre as propostas de ambos os lados e ainda sem um desfecho positivo.

Enquanto os detentores destes títulos apontavam a uma margem de avaliação (haircut) até 20%, Kiev propõe um modelo de reestruturação que levaria a margens entre 25% e 60%, de acordo com os detalhes obtidos pela Reuters. Segundo a agência noticiosa, o governo ucraniano sugeriu uma swap destes títulos por cinco linhas de maturidades entre 10 e 14 anos, além de um instrumento com taxas contingentes à receita fiscal do país nos próximos anos.

Estes 20 mil milhões de dólares correspondem sobretudo a eurobonds, que representam 19,67 mil milhões de dólares (18,33 mil milhões de euros), segundo cálculos do JPMorgan Chase. Incluindo juros destas linhas, o montante em dívida chegará a 23,6 mil milhões de dólares (22 mil milhões de euros), ainda de acordo com o banco norte-americano.

“A apreensão dos investidores é considerável”, aponta Paulo Rosa, economista chefe do Banco Carregosa. Tal é corroborado pelo “valor de mercado destas obrigações, uma cotação que reflete um eventual incumprimento”.

“Atualmente, algumas destas obrigações cotam a 30% do valor nominal, mas estes são os preços de mercado normais dos últimos dois anos, desde o início do conflito, aquando da invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022. Antes a cotação era ligeiramente acima do par, à volta dos 102% a 103%. Entretanto, o atual rendimento destas obrigações ronda os impressionantes 1400%, refletindo o receio dos investidores de um default”, completa.

Recorde-se que, além da pressão feita pelos mercados, a Ucrânia está sujeita a um programa de reajustamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que cria metas objetivas para a redução da dívida. A proposta dos investidores em dívida ucraniana não cumpriria estas metas, avisou o governo encabeçado por Volodymyr Zelenskyy.

Os dados mais recentes da dívida ucraniana mostram um stock de 141,6 mil milhões de euros de dívida pública no final de abril, um disparo de 50,3 mil milhões desde a invasão russa. Destes, 101 mil milhões de euros são dívida externa.

Ainda assim, um eventual incumprimento pode ser evitado pela necessidade ocidental de manter o Estado ucraniano em funcionamento e ativo na defesa do país contra a invasão russa. Lembra Paulo Rosa que “um default retiraria alguma da capacidade de a Ucrânia alimentar a sua máquina de guerra e defender a democracia europeia”, um aspeto reforçado pelo papel de “tampão que diz ‘não’ aos eventuais intentos imperialistas da Rússia de Putin”.

Para tal, será necessária “uma posição de força financeira da União Europeia para marcar a determinação das democracias na defesa de um mundo livre face às autocracias”, acrescenta.

Ao mesmo tempo, os mercados não sentirão o impacto de um eventual default, projeta Filipe Garcia, presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros. Na realidade, “os credores estão a tentar melhorar um pouco a sua (má) posição”, argumenta, sobretudo “sabendo que a Ucrânia precisa de um acordo de reestruturação para que possa continuar a receber fundos por parte do FMI”.

BlackRock e Pimco com um quinto do montante

Cerca de um quinto deste montante é detido pela BlackRock e pela Pimco, dois fundos de investimento que haviam sinalizado já em maio a vontade de verem reinstaurados os pagamentos da Ucrânia.

Segundo um exclusivo do ‘The Wall Street Journal’ de maio, estes fundos trataram à altura de contratar uma equipa de advogados para negociar com o governo ucraniano o retomar dos pagamentos de cupões internacionais, isto após a luz verde de Washington para novo pacote de ajuda financeira ao país, desta feita de 60 mil milhões de dólares (55,9 mil milhões de euros).

No entanto, os EUA estarão reticentes em aprovar tal decisão, temendo que este dinheiro dos contribuintes norte-americanos seja canalizado para reembolsar investidores privados. Os aliados ocidentais haviam aprovado uma suspensão da dívida em cerca de 4 mil milhões de dólares até 2027, sendo que o G7 chegou recentemente a acordo para disponibilizar mais 50 mil milhões de dólares financiados com base nos ativos russos congelados desde fevereiro de 2022.

“Eventualmente, alguns credores têm a estratégia de tentar que outras instituições emprestem à Ucrânia, com esta a utilizar esses fluxos para honrar a dívida e serviço da dívida existente, mas é improvável que isso suceda”, considera Filipe Garcia. “Todo o dinheiro que entrar na Ucrânia será para tentar manter o país à tona e para o esforço de guerra.”

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