Perdidos no meio daquilo que parece ser o caos político que assola a França, os analistas e os ‘researchers’ têm perdido o seu tempo no vasculhar de cenários que pretendem por um lado identificar as causas da deriva de direita que passa pela Europa como um vento gelado – como se houvesse aí uma novidade nunca antes vista – e, por outro, antecipar a resposta dos chamados mercados. Se há alguma evidência da forma como os ditos mercados respondem a estas derivas é que as bolsas e por osmose os mercados das dívidas acomodam com muita facilidade o aparecimento de governos extremistas de direita. Aconteceu assim na Itália, está a acontecer assim na improvável Argentina e poderá acontecer assim em França.
Nos Países Baixos, também. Em novembro passado, uma vitória mais ou menos inesperada do Partido para a Liberdade (PVV), de extrema-direita e eurocéptico, de Geert Wilders, está agora a ser analisada como uma espécie de precedente para o que poderá acontecer em França. Segundo os economistas, o crescimento económico neerlandês deve superar a média da Zona Euro nos próximos trimestres – o que demonstra desde logo que a economia e a política, tendo com certeza vasos comunicantes, segue em paralelo e sem que haja necessariamente um ‘contágio’ entre ambas. Nenhuma novidade também por estes lados: a economia e as empresas belgas nunca se ressentiram dos enormes períodos de tempo que passaram sem poderem contar com um governo no ativo – dando, no limite, alguma razão ao parisiense Pierre-Joseph Proudhon.
Os Países Baixos tiveram uma recuperação excelente da pandemia graças a um amplo apoio fiscal e um forte sistema de saúde que tornou possível uma reabertura precoce. Mas, desde então, a economia contraiu em quatro dos últimos cinco trimestres. Os maiores obstáculos ao crescimento do PIB foram as exportações e o investimento, com a escassez de mão-de-obra e a fraca procura interna a pesarem negativamente, segundo análise da consultora Capital Economics.
Com a saída do primeiro-ministro Mark Rutte para funções mais globais – vai ser o próximo secretário-geral da NATO e já era candidato quando as eleições ocorreram (em dezembro passado) – a extrema-direita obteve a primeira vitória em eleições nacionais que lançou o país no caos. Não tanto pela vitória, mas porque essa vitória foi insuficiente por um lado, mas, por outro, suficientemente robusta para impedir ‘cercas sanitárias’ – um conceito que não cabe no léxico das democracias e que também não cabe, ou acaba por não caber, na prática política ocidental.
Após meses de intermináveis negociações, um novo governo surgiu em maio: uma coligação de quatro partidos liderada por um PVV que, embora tenha prometido cumprir algumas de suas principais promessas de restringir a imigração, teve de se acomodar a um euroceticismo que é agora mais uma dúvida metódica que uma vontade de repetir o Brexit abaixo do nível médio do mar.
Resultado: as perspetivas económicas do país melhoram. “Espera-se que o crescimento recupere ímpeto em 2024, impulsionado pelo maior consumo privado e pela procura externa”, disse o Conselho Executivo do FMI na sua análise de abril. “Espera-se que o crescimento aumente gradualmente em 2024 e 2025, impulsionado por um maior poder de compra das famílias graças à inflação mais baixa e à maior procura externa”, acrescenta a agência.
“Embora seja tentador traçar paralelos entre o governo da Holanda e o possível futuro governo da França, há duas diferenças fundamentais”, explica Lily Millard, economista-assistente da Capital Economics, citado pelo jornal “El Economista”. O primeiro são justamente as concessões que o partido de Wilders teve que fazer para chegar a um acordo de governo. Isso contrasta com as previsões em França de um governo liderado pelo RN com Jordan Bardella, pupilo de Marine Le Pen, como primeiro-ministro e com quem Emmanuel Macron teria que coabitar. Ou então não. Como sucede nos Países Baixos, ninguém está à espera que Bardella trate de convidar os franceses a votarem num referendo sobre o ‘Frexit’ – e a proposta de Le Pen é a de alterar a União Europeia a partir de dentro e não sair dela. Mas, para o analista, tudo terá a ver com a dimensão da vitória da extrema-direita.
A segunda grande diferença em relação à França, é que o PVV fez campanha a favor de uma política fiscal frugal, enquanto o RN francês quer aplicar uma política fiscal muito mais frouxa que os planos fiscais do atual governo implicam. Embora o partido de Le Pen tenha deixado para trás a sua retórica mais dura em matéria económica (já renunciou à saída da França do euro) e assegurou esta semana que irá fazer um esforço para garantir que não se vai afastar da estabilidade orçamental pedida por Bruxelas.
Paradoxalmente, a Holanda está a relaxar a sua política fiscal enquanto a maioria dos outros países da Zona Euro a está a apertar. Este ano, o saldo estrutural primário aumentará cerca de 0,5% do PIB nos Países Baixos, mas diminuirá cerca de 1% no conjunto da área do euro.
Como era de esperar – e aconteceu assim em Itália – o acordo de coligação entre o PVV e os seus parceiros sugere que a política orçamental não será muito diferente do que foi definido na proposta de orçamento para 2024 apresentada pelo anterior governo de Rutte – que também nunca se distinguiu por ser de esquerda ou sequer social-democrata. As políticas para reduzir a pobreza infantil têm sido consistentes entre os dois governos e respondem pela maior parte da expansão dos gastos este ano. Enquanto a Comissão Europeia anunciou na semana passada a sua intenção de submeter vários países a procedimentos por défice excessivo, incluindo a França, com um défice em 2023 de 5,5% do PIB, os Países Baixos foram poupados a críticas devido à sua redução do défice, que deverá rondar os 1,6% do PIB este ano. Agora é esperar que o consumo, as exportações e o investimento respondam positivamente.
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