O músico e compositor Fausto, o criador de “Por Este Rio Acima”, morreu hoje, em Lisboa, aos 75 anos, disse à agência Lusa o seu agente artístico.
“Fausto Bordalo Dias morreu esta noite, em sua casa, vítima de doença prolongada”, disse o representante da agência Ao Sul do Mundo.
Artigo publicado originalmente a 21 de agosto de 2021 no caderno Etecetera do “Jornal Económico”:
Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias nasceu a 26 de novembro de 1948 , a bordo do navio Pátria, um paquete português que serviu a Companhia Colonial de Navegação entre 1947 e 1973. De forma premonitória, como se o destino soubesse já que ali estava um trovador que tantas odes faria ao mar, o pequeno Carlos Fausto nasceu em pleno Oceano Atlântico, numa viagem entre Portugal e Angola. Ainda assim, foi registado em Vila Franca das Naves, Trancoso. Mas foi em Angola que formou a sua primeira banda, “Os Rebeldes”.
À sua origem beirã juntou a força sedutora e impactante dos ritmos africanos. Nesta época os seus ídolos eram os Beatles, Bob Dylan, Simon & Garfunkel e The Moody Blues. Quando tinha 18 anos, veio para Lisboa estudar. Licenciou-se em Ciências Políticas e Sociais, no então denominado Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, o atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).
Em 1969, lança o seu primeiro disco: “Fausto”, com o qual ganhou um prémio revelação. As letras eram de Bettencourt da Câmara e a música “Chora, Amigo Chora” fez sucesso. Foi como estudante, ao participar do movimento associativo, que começou a relacionar-se com pessoas como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e José Mário Branco, entre outros, sensibilizando-se para a necessidade de combater a ditadura, conquistar a liberdade e acabar com a guerra colonial.
O começo do sucesso
A divulgação do seu primeiro álbum tem algum impacto, mas muitas rádios censuram o disco. As suas canções desagradavam ao regime e por essa razão tiraram-lhe a dispensa de estudante universitário e foi convocado para o serviço militar. Fausto torna-se refratário e entra na clandestinidade. Começa a preparar o seu segundo álbum, em Madrid. O cariz político das suas letras acentua-se. Depois do 25 de Abril, volta a Portugal e edita “P’ro Que Der e Vier”. Uma das canções do disco tem grande êxito, uma balada com um poema de Eugénio de Andrade chamada “Não Canto Porque Sonho”, que interpreta em dueto com José Afonso. Em 1975 lança “Beco Com Saída” e também participa na produção do álbum de Adriano Correia de Oliveira “Que Nunca Mais”. No total, Fausto editou 12 discos, entre 1970 e 2011. Desses, 10 foram de originais, uma compilação regravada e um disco ao vivo. Os Descobrimentos e a Diáspora chamam-lhe a atenção e lança o álbum “Histórias de Viageiros”. É este o disco que o vai levar ao seu trabalho mais consagrado, “Por Este Rio Acima”, de 1982. O álbum, duplo, obtém um estrondoso sucesso e é o primeiro de uma trilogia que fez história na música portuguesa. Em 1985 é a vez do álbum “O Despertar dos Alquimistas” e em 1987 é lançado “Para além das Cordilheiras”. O trabalho de 1988, “A Preto e Branco”, é dedicado a poetas africanos para os quais escreveu músicas. Neste disco está o famoso “Namoro” de Viriato da Cruz, também gravado por Sérgio Godinho. Depois, em 1994, sai o segundo álbum da trilogia dos Descobrimentos, “Crónicas da Terra Ardente”. Segue-se a coletânea “O Melhor dos Melhores”. Em 1996, sai um duplo álbum com 27 canções regravadas e a 8 de junho de 1997 participa no festival de comemoração dos 500 anos da partida de Belém de Vasco da Gama para as Índias. Em 1999 dá um grande concerto no CCB, que acaba editado em CD. Em 2003, o seu álbum “A Ópera Mágica do Cantor Maldito” é bem recebido pela crítica. Em 2009 junta-se a José Mário Branco e a Sérgio Godinho no projeto “Três Cantos”. O terceiro álbum da trilogia dos Descobrimentos só vê a luz em 2011.
Avesso ao mediatismo
Depois de solicitarmos um encontro com o músico, a editora Mediasounds garantiu ao JE que “Fausto não dá entrevistas”. Sempre foi discreto, avesso a mediatismos, e pouco ou nada se sabe sobre a sua vida familiar. A última grande entrevista que deu foi a Viriato Teles, em 2005, e integra uma coletânea denominada “Contas à Vida”, “uma reflexão a 20 vozes sobre os 30 anos do PREC”, editada pela Sete Caminhos. Na introdução, Viriato Teles descreve assim o músico: “É um homem de convicções – políticas, humanas, estéticas – mas nunca quis ser um homem de certezas. Amigo certo e adversário temível, mantém desde sempre uma relação de distância tanto com o poder político como com o poder mediático, e nunca se vergou perante nenhum. Porque há homens que não têm preço nem querem perder a honra: os homens dignos, como este.” O jornalista pergunta-lhe, então, o que mudou, para Fausto, nos últimos 30 anos, sendo que estavam em 2005. “Quais são as principais diferenças que tu sentes em ti próprio?”, indaga. Fausto responde: “Há, evidentemente, uma diferença grande entre o ‘sangue na guelra’ da adolescência e uma maior maturidade. Com a idade que hoje tenho [57 anos à data da entrevista], se fosse possível transportar-me àqueles tempos, eu não pensaria nem faria as mesmas coisas. É um disparate dizer ‘eu faria sempre as mesmas coisas’, porque é evidente que a nossa formação vai sendo outra, as ideias vão-se alterando, a experiência vai-nos demonstrando isso. E se nós pudéssemos voltar atrás nunca faríamos exatamente as mesmas coisas, isso é evidente. Para certas questões, talvez, mas estamos a falar em questões de natureza política. E nessas eu não faria exatamente a mesma coisa, simplesmente porque não penso da mesma maneira. Agora: na forma como me enquadro, em termos daquilo que é a minha preocupação ao longo da vida, continuo a ser um homem de formação socialista. Mas são tempos diferentes e diferentes são os olhos com que hoje observo o mundo.”
Sobe ao palco no Porto
Quinze anos depois, aos 72, Fausto não nos quis dizer com que olhos observa agora o mundo. Prefere continuar a expressar-se como melhor sabe, em cima do palco e a cantar. É assim que no próximo dia 4 de setembro, a Casa da Música o terá a abrilhantar a Sala Suggia. O espetáculo está marcado para as 21h00 e os bilhetes custam 30 euros, com 25% de desconto para quem tem o Cartão Amigo da Casa da Música. O espetáculo intitula-se “Atrás dos Tempos Vêm Tempos”, nome de uma canção que cantou em 1977, com o aroma dos cravos ainda fresco. Cerca de 20 anos depois, seria o título de uma antologia da sua obra. Agora, dá nome a um espetáculo. Os presentes poderão cantar em uníssono temas como “Lembra-me um Sonho Lindo”, “Navegar Navegar”, “Rosalinda”, “Porque Me Olhas Assim”, “A Guerra é a Guerra”, entre outros, que integram a identidade de várias gerações.
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