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Confisco de ativos financeiros russos pode gerar crise financeira mundial severa

Arábia Saudita e China têm em mãos a possibilidade de desencadearem uma crise financeira tanto nos EUA como na União Europeia. Com os dois países a posicionarem-se do lado da Rússia, o confisco de bens russo pode ser uma péssima opção.
Familia Real da Arábia Saudita
11 Julho 2024, 10h10

As relações entre a Arábia Saudita e a Rússia continuam a solidificar-se – pelo menos desde a década de 1970, altura em que a União Soviética ‘mudou de lado’ e largou o apoio que mantinha aos governos socialistas dos primeiros anos do Estado de Israel. Riad parece estar atualmente mais próxima de Moscovo que de Washington e as relações da petro-monarquia com a União Europeia disso se ressentem.

Percebe-se por isso, a mais recente ameaça económica do reino saudita aos países europeus. A Arábia Saudita detém milhões de euros em ativos financeiros europeus que foram adquiridos ao longo de anos de superavits em conta corrente, alcançados graças às vendas de petróleo. Agora, Riad ameaça gerar um ‘terremoto financeiro’ na Europa (venda de títulos franceses, por exemplo) se Bruxelas e o G7 decidirem confiscar os ativos russos congelados. O grande receio de Bruxelas é que outros países com grandes excedentes externos sigam os passos da Arábia Saudita.

A ameaça não é propriamente uma surpresa. Quando Bruxelas decidiu usar uma parte dos ativos para financiar o apoio à Ucrânia, vários comentadores, entre eles o embaixador Francisco Seixas da Costa em declarações ao JE, alertaram para que a decisão poderia ser perniciosa para os interesses do bloco dos 27. Não só porque ‘abriam’ o flanco a decisões como a dos sauditas, mas também porque minavam o imprescindível princípio da confiança – que é o principal ativo dos mercados. Se a União se apodera dos ativos russos, diziam, da nota global de que Bruxelas não é uma praça financeira fiável e que pode sempre optar por usar ativos alheios e favor de opções políticas.

De acordo com fontes da “Bloomberg”, a Arábia Saudita teria sugerido que, este ano, pode vender algumas participações da dívida europeia se o G7 decidir confiscar os quase 300 mil milhões em ativos congelados da Rússia. O Ministério das Finanças do reino revelou a alguns homólogos do G7 a sua oposição ao confisco desses bens, congelados por causa da invasão da Ucrânia.

Segundo as mesmas fontes, os sauditas terão sido ainda mais específicos: a dívida emitida pelo Tesouro francês. O país está debaixo de uma forte crise política – depois de a extrema-direita, claramente pró-russa, ter perdido inesperadamente as eleições do domingo passado. Logo no dia seguinte, o Kremlin mostrou-se descontente com os resultados, indicando ter pena que uma força política com outra visão da geo-política europeia tenha sido levada de vencida pelo status quo anti-russo.

Em maio e junho, o G7 explorava diferentes opções em relação aos fundos do banco central russo. O grupo acabou concordando em usar os rendimentos gerados por juros e dividendos, deixar os ativos em paz, apesar da pressão dos Estados Unidos e do Reino Unido para que seus aliados considerassem opções mais ousadas, incluindo uma apreensão total. Mas os sauditas, mesmo assim, não gostaram. Riad tem na sua posse participações em importantes empresas europeias (por exemplo, 10% do capital da Telefónica) e títulos de dívidas soberanas, nomeadamente franceses. A grandeza da carteira de ativos europeus – onde não constará a portuguesa Altice, eventualmente já por causa desta envolvente – é suficiente para criar um grave problema aos europeus. O superavit atual da Arábia Saudita em 2022 superou 13% do PIB. Em 2023 caiu para 3,5% do PIB, mas manteve-se em território positivo. Sendo a Arábia Saudita o maior exportador mundial de petróleo bruto (mas não o maior produtor, lugar reservado aos Estados Unidos), o banco central tem reservas cambiais líquidas de 445 mil milhões de dólares e o fundo soberano tem ativos no valor de quase um bilião (mil milhões de milhões). Nem o banco central, conhecido como SAMA (Agência Monetária da Arábia Saudita), nem o fundo soberano dividem os ativos estrangeiros por moeda ou país. A Arábia Saudita possui 135 mil milhões em títulos do Tesouro norte-americano, de acordo com os últimos dados do governo americano.

A China pode ser ‘o senhor que se segue’. Pequim tem enormes reservas investidas em dívida norte-americana – será de facto o maior ‘emprestador’ de dinheiro aos norte-americanos. E também está do lado da Rússia. Todos sabem que, apesar de não ser do interesse da China, vender essa dívida abruptamente causaria uma crise fiscal e financeira nos EUA. Qualquer movimento combinado entre os dois países seria potencialmente catastrófica para o Ocidente – União Europeia incluída. Para os analistas – nomeadamente os citados pelo jornal espanhol “El Economista” – esta crise em potência ainda não foi uma opção nem de Riad nem de Pequim. Mas a ameaça está lá – e com certeza que os países que por estes dias festejam os 75 anos da NATO com certeza sabem disso.

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