O ano de 2024 tem sido rico em episódios para a política da Região Autónoma da Madeira. Janeiro começou com buscas que levaram à queda do presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado, e à constituição como arguido do presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque.
Isto levou a que o PAN retirasse o apoio parlamentar ao executivo, que perdeu maioria absoluta no parlamento, depois das eleições de setembro de 2023. Albuquerque acabou por renunciar à presidência. Depois, chegaram as eleições antecipadas, em maio, com vitória do PSD, que acabou por formar um governo minoritário, que conta com o apoio parlamentar do CDS-PP. O executivo conseguiu aprovar o Programa de Governo, na segunda tentativa, e acabou por viabilizar um Orçamento para 2024.
Na sequência das eleições antecipadas de maio, o Juntos Pelo Povo (JPP) conseguiu reforçar a sua presença parlamentar de quatro para nove deputados, tentou formar um Governo com o PS, para afastar o PSD do Governo, mas a tentativa acabou por durar poucas horas. Em entrevista ao Económico Madeira, o secretário-geral da força partidária, Élvio Sousa, aborda a agitação da política madeirense, a recusa em se reunir com o executivo para aprovação de um novo Programa de Governo, o incêndio de agosto, e o motivo para o PSD continuar a vencer eleições na Madeira.
Desde janeiro que a política madeirense tem estado em efervescência. Começou com as buscas, houve moções de censura, apresentação e retirada de Orçamento, depois houve eleições, o JPP e o PS apresentaram uma solução de Governo, depois houve um novo governo minoritário do PSD, um programa de Governo que foi retirado de votação, negociações entre Governo e partidos, e a aprovação de um Programa de Governo e Orçamento. Como é que o JPP vê, ou viu, esta sequência de eventos que aconteceram na política madeirense?
“Na obra “Arte de Furtar” atribuída ao Padre António Vieira, o clérigo, na carta dirigida a Sua Majestade, abordava que o “Reino” de Portugal já não tinha remédio, pois era um “covil de ladrões”. Com essa afirmação comento a situação das buscas e das investigações que levaram à constituição de arguidos na Madeira. Para quem desejar conhecer uma outra “obra literária” sobre a ”Arte de Furtar”, contemporânea e atual, que leia o despacho de acusação do Ministério Público, que levou à detenção de Pedro Calado.
Relativamente à situação que conduziu à indigitação de Miguel Albuquerque, creio que essa ação foi deliberadamente ensaiada e apressada para não dar tempo ao JPP de conversar e falar, com calma, com os demais partidos. Vejamos este facto com atenção: a audição com os partidos decorreu sem a homologação oficial dos resultados eleitorais, o que adensa o calculismo da ação.
A indigitação do presidente do Governo foi feita na base de uma mentira, pois recordo que Albuquerque assegurou que tinha o apoio da Iniciativa Liberal (IL) e do Chega quando afinal era tudo uma falsidade. O Representante da República considerou a solução do JPP sem hipóteses, quando, na prática, caiu e encobriu uma flagrante mentira. Essa é a pura verdade.
Na verdade, o que se viu foi um “filme” de má qualidade, com mentiras, jogadas falsas de bastidores. Nós contribuímos para que a verdade fosse reposta, ao solicitar uma segunda reunião com o Representante da República. Aliás, o Representante da República deveria ter vindo a público mais cedo revelar e responsabilizar quem mentiu. Mas não o fez e, na minha opinião, foi igualmente um cúmplice dessa inverdade. Fica manchado o cargo, por ter silenciado uma mentira, com as consequências que se viu.
O entendimento com o PS, em que o JPP lideraria um programa de Governo na base das linhas programáticas esclarecidas aos madeirenses, não passou disso: um breve entendimento. Não foi uma coligação. Mas o PAN, o CDS-PP e a IL preferiram o PSD. É o parlamentarismo a funcionar.
Nós tentamos mudar, alternar a governação, após 48 anos de PSD. O PAN, a IL e o CDS-PP não quiseram. Assumiram essa responsabilidade e deram ‘luz verde’ ao PSD. Agora têm de assumir toda a responsabilidade, inclusive terem dado a sua confiança a Albuquerque. Serão, igualmente, escrutinados pelas opções tomadas. ‘Diz-me com quem andas, dir-te-ei que és!
O JPP recusou reunir-se com o Governo de modo a se encontrar uma solução para aprovação de um novo Programa de Governo quando a versão original corria o risco de ser chumbada na Assembleia Legislativa da Madeira. Não deveria o JPP usar a representação parlamentar que tem para assegurar medidas que foi defendendo na campanha eleitoral, quer fosse no Programa de Governo e/ou no Orçamento Regional?
Nada disso! Nós temos o nosso Programa de Governo e os nossos temas que implicam reformas estruturantes. Ficou claro que este PSD não é de confiança e não tem palavra, e não honra os seus compromissos. Aliás, basta recordar os três artigos aprovados do JPP no Orçamento de 2021, uma “lei” da Autonomia, e que até à data não cumpriram, e ainda troçaram desse facto! Não cumpriram com um decreto-legislativo regional, uma lei da Autonomia, e nem a realização do Programa Histórico-Cultural formativo e cultural, indispensável para a formação de públicos, que custava cerca de 80 mil euros, tiveram o respeito e a responsabilidade de cumprir. Quem não cumpre três artigos de um decreto, e de uma lei que é o Orçamento, vai cumprir simples palavras de um Programa de Governo? São pessoas que não têm palavra, e não são de confiança. Alguém seria fiador de Albuquerque ou de Jaime Ramos? Julgo que não! Já fiz essa indagação inúmeras vezes e atá à data ninguém respondeu afirmativamente.
Bastou, por exemplo, ver a forma manhosa, ardilosa e maquiavélica como alteraram a redação do artigo do atual Orçamento sobre o Ferry passando, à última da hora, a responsabilidade para a República. É o exemplo mais recente, para exemplificar a natureza matreira e maliciosa deste PSD. Não são de fiar. Ponto! Agora, como a IL, Chega, PAN e CDS-PP deram o seu voto de confiança, através do Programa de Governo, serão igualmente responsabilizados nas suas opções.
Ainda sobre a natureza matreira do PSD e Albuquerque, do desdém pela sua própria palavra, atente-se no que se passou recentemente com os incêndios.
Que comentário lhe merece o incêndio que deflagrou na Região Autónoma da Madeira em agosto?
Miguel Albuquerque e Pedro Ramos têm de ser responsabilizados pelo elevado grau de negligência, pelo desnorte patenteado e pela ausência de decisões atempadas. Todos os técnicos e especialistas apontam falhas no planeamento e na ação inicial de combate ao fogo. Há, depois, a recusa, arrogante e precipitada, da solidariedade nacional. É preciso saber com que fundamentação essa ajuda foi declinada e o que falhou no ataque às chamas quando ainda era possível a utilização de meios. Todas estas indecisões acrescentaram riscos para as populações e colocaram em perigo as suas próprias vidas, a dos seus animais e habitações, e o resultado são mais de cinco mil hectares de floresta ardidos, daquele que é um dos nossos maiores patrimónios. Nada disto poderá ser branqueado como tenta fazer alguma comunicação social. Daí que o JPP tenha chamado ao Parlamento, sede de fiscalização dos atos governativos, o presidente do Governo e o secretário regional da Saúde e Proteção Civil, Pedro Ramos, mas o presidente da Assembleia, José Manuel Rodrigues, e o seu CDS-PP, que têm benzido e abençoado este Governo mas tentam fazer crer que não têm responsabilidades no que se está a passar, andou a se pavonear e não honrou as competências do Parlamento.
Depois de todas estas trapalhadas, o presidente do Governo e o secretário da Saúde e Proteção Civil só apareceram no terreno quatro dias depois do início do incêndio. E o que vieram fazer? Insistiram que não era preciso ajuda do continente, mas duas horas depois disseram o contrário. Albuquerque fez visita de médico, chamou de ‘abutres’ os eleitos democraticamente e de ‘treinadores de bancada’ às vozes sofridas e assustadas do povo. Pouco mais de 24 horas depois, regressou ao Porto Santo e foi estender-se na praia enquanto a Madeira continuava a arder. Um ato de enorme irresponsabilidade e insensibilidade para com a dor e o sofrimento das vítimas desta tragédia. O povo fará o seu julgamento!
Sobre o papel dos restantes partidos que apoiaram Albuquerque nos destinos da Região, espero que Iniciativa Liberal, Chega, PAN e CDS-PP, os mesmos que viabilizaram o Programa de Governo do PSD, não bloqueiem, no Parlamento, o caminho da fiscalização e da verdade.
O JPP tem sido muito crítico das nomeações que têm existido no Governo da Madeira. No caso de o JPP estar no Governo ia deixar de fazer nomeações? Que postura é que teriam no executivo nesta matéria?
Até à semana passada este Governo PSD, com apoio do CDS-PP, PAN, Iniciativa Liberal e Chega já havia nomeado 65 técnicos especialistas, num gasto total anual 2,9 milhões de euros. A nossa crítica ao despesismo não se resume às nomeações políticas, que derivam da natureza regulamentar da lei (como sejam as nomeações de pessoal de gabinete (chefe de gabinete, secretárias, condutores etc.), A crítica essencial reside na quantidade e no excessivo número de nomeações dos ‘técnicos especialistas’ e adjuntos.
O JPP faz nomeações, atenção, com as limitações da lei. Basta acompanhar o exemplo de Santa Cruz e da gestão autárquica.
Agora, este Governo PSD, com apoio do CDS-PP, Iniciativa Liberal, PAN e Chega, extravasa e desterra o dinheiro do Povo, nessas excessivas nomeações de amigos e amigas, onde também os cônjuges de altos dirigentes do CDS-PP tiveram honras de clientelismo, compadrio e amiguismo. Um facto que a imprensa, dita independente e livre desta terra, avassalada aos milhões do Orçamento regional, não noticia, nem vai noticiar. Tudo controlado, nas palavras de Albuquerque.
O PSD tem continuado a ser o partido vencedor em eleições regionais. Como é que explica isso?
Sou um democrata, pratico a tolerância e tenho uma visão moderada do mundo. A minha formação familiar, escolar, académica e os meus “guias de luz” demonstram que todos os partidos, apesar dos aspetos negativos e dos casos de corrupção, têm mérito no seu trabalho, sobretudo junto das comunidades. Mas, julgo que o PSD perdeu a vertente popular, e o JPP assume-se, neste momento, como partido regional, basista e popular. Estamos serenamente e genuinamente a fazer a nossa caminhada.
Como é que explica que não tenha existido um partido, na Madeira, capaz de conseguir vencer eleições para além do PSD?
A Região tem duas ilhas povoadas, embora muitas vezes no discurso político se esqueçam do Porto Santo. Ao nível do poder autárquico houve mudanças e projetos alternativos. Julgo, na minha modesta opinião, que os primeiros mandatos de Alberto João Jardim, no estilo e na prática, moldaram o caminho do PSD. Foi determinante. Com a sua saída, ainda que tardia e atabalhoada, Albuquerque assumiu-se como uma copia defeituosa, um apócrifo.
O JPP é um partido do Povo, de origem madeirense e um partido de futuro.
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