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Volkswagen: Caos no fabricante alemão revela a insustentabilidade da reindustrialização europeia

Concorrência externa por parte da China, dúvidas face aos desenvolvimentos políticos nos Estados Unidos e sinais políticos contraditórios estão a afundar uma das maiores construtoras da Europa. Trabalhadores voltam às negociações esta quarta-feira.
29 Outubro 2024, 13h19

A Volkswagen planeia fechar pelo menos três fábricas na Alemanha e deverá colocar em layoff milhares de trabalhadores, de acordo com informação avançada esta segunda-feira pelo conselho de trabalhadores do fabricante automóvel alemão, que representa mais de 662 mil trabalhadores.

Os planos de reestruturação estão aparentemente a ser apertados de forma tão drástica que o conselho central de trabalhadores fez soar o alarme em todas as dez fábricas alemãs da Volkswagen esta segunda-feira. O conselho de administração quer “fechar pelo menos três fábricas da VW na Alemanha”, alertou a chefe do conselho de trabalhadores, a sindicalista Daniela Cavallo. “Nenhum de nós pode sentir-se seguro aqui”, disse, citada pela imprensa germânica.

De acordo com o conselho de trabalhadores, os cortes planeados pelo conselho de administração – nomeadamente o CEO, Oliver Blume, e o diretor da marca VW, Thomas Schafer – podem ser muito mais sérios que o planeado anteriormente: o conselho de administração está a considerar cortar dezenas de milhares de empregos, cortar salários em pelo menos 10% e realocar empregos no exterior. A VW disse que não queria “participar de especulações em torno das negociações confidenciais”. E Schafer acrescentou de forma reveladora: “Não podemos continuar como antes”. Não apenas os funcionários da VW, mas também os políticos estão alarmados.

No final de setembro, estava fixado que medidas ainda mais duras estavam iminentes na VW: cortar mais de 10 mil milhões de euros até 2026 e alcançar um retorno operacional de 6,5%. “Ainda estamos muito longe disso”, disse o novo CFO da VW, David Powels, já esta semana – ou dito de outra forma: o que foi feito até agora não chega e é nesse quadro que o alerta dos trabalhadores é sintomático: “o conselho de administração planeia encerrar pelo menos três fábricas da VW”, e as outras fábricas terão de ser redimensionadas.

O plano prevê igualmente uma redução de 10% de todos os salários e o congelamento dos salários em 2025 e 2026, além da transferência para o estrangeiro de muitas das atividades e departamentos do grupo atualmente sediados na Alemanha. Os planos poderem significar o desaparecimento de dezenas de milhares de postos de trabalho. “Todas as fábricas na Alemanha estão em perigo. Ninguém entre nós se pode sentir seguro”, alertou a sindicalista.

A Volkswagen tem 120 mil trabalhadores na Alemanha, cerca de metade dos quais na sede em Wolfsburg, e dez fábricas. Recorde-se que, em setembro passado, a VW pôs fim a um acordo de três décadas que garantia que não haveria despedimentos por motivos profissionais, o que significa que, a partir de meados de 2025, os despedimentos por motivos relacionados com a situação da empresa voltarão a ser possíveis.

Na próxima quarta-feira, terá lugar uma segunda ronda de negociações entre a direção e os representantes dos trabalhadores. O sindicato exigiu um aumento salarial de 7%, em contraponto aos cortes salariais de até 10%.

Segundo uma nota do CEO do grupo, a Alemanha “está a perder cada vez mais terreno em termos de competitividade” e “o encerramento de fábricas nos locais de produção de veículos e componentes já não pode ser excluído”. A concretizar-se, a decisão de fechar uma fábrica seria a primeira desde 1988, quando a empresa fechou a fábrica em Westmoreland, nos Estados Unidos. Já na Alemanha, a Volkswagen nunca fechou uma fábrica nos seus 87 anos de história.

A ameaça chinesa

Em causa está – e não apenas para a VW – a poderosa concorrência da produção oriunda da China, desde logo no que tem a ver com os veículos automóveis elétricos. O governo de Pequim é acusado de financiar as empresas construtoras, nomeadamente através do pagamento dos impostos de entrada da produção chinesa na Europa. Ou seja, qualquer aumento das tarifas será absorvido pelo Orçamento do Estado, não causando qualquer moça nas contas das empresas.

Os políticos alemães – e a Comissão Europeia – querem, por um lado, aumentar essas tarifas e, por outro, impedir que Pequim continue esta política anti-concorrencial. A Comissão esquece-se – como também se esquece a administração norte-americana – que não está nas suas mãos condicionar o poder político chinês (por muito que queira colocar a Organização Mundial do Comércio ‘ao barulho’). A opção tem, por isso que ser outra.

Do lado das empresas, já há quem queira que o poder político europeu faça o mesmo que o chinês: que acabe com as barreiras ao financiamento direto à indústria e acabe de vez com uma ‘máscara’ liberal que está a ‘matar’ a propagandeada reindustrialização da União Europeia. Mas o lado político da União não está, pelo menos para já, disponível para isso.

Resta saber se se manterá indisponível a partir de 5 de novembro: se o republicano Donald Trump vencer as eleições presidenciais e se confirmar que o novo presidente vai aumentar as tarifas sobre os produtos chineses – ‘obrigando’ os seus parceiros europeus a fazer o meso – tudo ficará um pouco mais difícil para a União. E, por maioria de razão, para a Alemanha. E não será apenas para a VW, como tem alertado José Couto, presidente da Associação dos Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), em conversa com o JE: é toda a fileira a montante e a jusante da construção europeia de automóveis que está em causa.

Um outro problema tem a ver com a sustentabilidade da economia europeia. Ou seja: é impossível uma mesma entidade promover mobilidades alternativas – que na prática induzem a utilização de outros meios de transporte que não o automóvel particular – e financiar a construção automóvel. É uma incongruência, uma manifestação de interesses em sentido contrário e, no final, uma absoluta incompatibilidade.

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