Nuno Cunha Rodrigues, presidente da Autoridade da Concorrência, participou sob a forma de formato de entrevista conduzida pelo diretor do Jornal Económico, na conferência do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) que teve lugar esta quarta-feira, 6 de novembro, no Estúdio Time Out Market, em Lisboa. A conversa começou com os cartéis na contratação pública e o presidente da AdC disse que “a nível mundial e também a nível nacional, em cada quatro cartéis que são investigados, um surge no âmbito da contratação pública”, acrescentando que “há incentivos à cartelização da contratação pública”. “Há menos pudor em prejudicar o Estado”, disse.
“Nesses cartéis, em 57%, um em cada dois tem envolvidos também casos de corrupção”, dados da OCDE, citados pelo responsável pelo regulador.
A contratação pública representa em Portugal cerca de 10,1% do PIB e 22,56% da despesa pública, de acordo com dados da OCDE.
“No direito da Concorrência existe a figura do direito da clemência que permite a qualquer empresa envolvida num cartel, se vier a denunciar esse cartel à autoridade, antes da abertura do processo de inquérito, pode beneficiar da dispensa de coima (uma espécie de delação premiada)”, explicou, acrescentando que esse regime não existe no processo penal, pelo que pode criar um menor incentivo a que as empresas venham denunciar práticas anticoncorrenciais no contexto da contratação pública quando há casos de corrupção envolvidos.
Foi citado o caso conhecido como “cartel da banca”, onde o Barclays beneficiou do direito de clemência. Depois, no Tribunal da Concorrência em Santarém, na leitura da sentença, a juíza elogiou o comportamento do Barclays, que deu origem ao processo através de uma denúncia, razão pela qual não concordou com a coima de oito milhões que vinha da AdC, mesmo que suspensa na sua totalidade, passando a admoestação.
Nuno Cunha Rodrigues admitiu o contacto entre reguladores setoriais e mesmo com o Tribunal de Contas, lembrando a competência do regulador para atuar em todos os setores da economia, apesar dos reguladores setoriais.
“Há duas realidades de intervenção da AdC”, explicou ainda. “Uma é a chamada intervenção do controlo prévio de concentrações, em que as empresas têm de notificar a autoridade nos processos de fusão, e em que a Concorrência avalia essa concentração de forma prospetiva no mercado, e a outra é investigar e sancionar práticas concorrenciais”, referiu, acrescentando que essas práticas podem envolver empresas de várias dimensões, e mesmo empresas regionais.
A dimensão das empresas não é essencial para se avaliar a existência de práticas anticoncorrenciais, sublinhou, acrescentando que já tiveram casos de empresas de gestão de condomínios que já foram sancionados pela autoridade.
“Não estou a falar de abuso de posição dominante, como acontece na União Europeia quando sanciona Google e outras”, referiu, lembrando que “também temos casos desses em Portugal, como foi o recente caso da SIBS, que foi multada em 14 milhões de euros pela AdC pelo abuso de posição dominante no sistema de pagamento por cartões”.
Nuno Cunha Rodrigues garante que a intervenção desta entidade “não olha para a dimensão das empresas, olha sim para aplicação estrita da lei da Concorrência”. E sinaliza que o objetivo da AdC é assegurar que as empresas compitam de forma justa, pois “se existir concorrência pelo mérito, os consumidores vão beneficiar”.
A AdC analisou a tentativa de compra pela Vodafone da Nowo, que depois de análise aos quatro pacotes de compromissos apresentados, a operação não foi autorizada, porque nalgumas reuniões havia problemas de concorrência.
O presidente da AdC lembrou que, depois deste chumbo, a autoridade foi “acusada” na opinião pública de estar a pôr em causa os postos de trabalho da Nowo. Mas ao fim de um mês havia duas empresas interessadas na Nowo. A Digi foi depois autorizada a comprá-la, uma operação avaliada previamente pela AdC.
“Atualmente, verifica-se, segundo notícias publicadas na comunicação social, a multiplicação de ofertas dos operadores incumbentes com preços mais baixos para concorrer com o novo entrante no mercado”, destaca, defendendo a necessidade de aplicar a lei e analisar o impacto da Concorrência, “não o impacto nos postos de trabalho”.
Sobre a questão da digitalização da economia e de como é que o regulador acompanha esta evolução, numa altura em que a Inteligência Artificial está na ordem do dia, Nuno Cunha Rodrigues disse que a AdC tem meios e está preparada, e quando não estiver vai se preparar.
“Nós temos novos métodos de investigação forense em ambiente digital, temos técnicos especializados e estamos ainda a recrutar, temos uma equipa (task-force) digital, temos uma excelente articulação com o DCIAP”, referiu, acrescentando que a AdC tem recursos financeiros e possibilidade de contratar, independentemente da intervenção do poder político.
“Eu sou independente e a nossa única política é a da Concorrência”, frisou o presidente da AdC sobre a relação do regulador com o poder político. E lembra que a independência é uma premissa europeia.
O presidente da Autoridade da Concorrência apelidou a relação com os tribunais de “excelente”, manifestando-se numa elevada taxa de confirmação das decisões tomadas pela AdC.
Em 2023, último ano completo aferido, a taxa de aprovação das decisões da AdC pelos tribunais foi superior a 80% e o Tribunal da Relação de Lisboa manteve condenações significativas em casos de abuso de posição dominante e restrições verticais.
Adicionalmente, dois acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) validaram a abordagem da AdC, fortalecendo a jurisprudência nesta matéria.
Este ano de 2024, as diversas decisões judiciais voltaram a confirmar a atuação da AdC, destacando-se o caso emblemático do Cartel da Banca, lembra o regulador.
O presidente da AdC reconheceu ainda a boa relação com a autoridade de concorrência europeia (DGComp), que “é mais uma autoridade da concorrência”, no fundo a UE tem 28 autoridades, entre as nacionais e a DGComp.
A comissária Teresa Ribera, que foi agora nomeada para a Concorrência e fica também com a pasta do ambiente, está hoje a ser confirmada na conferência de presidentes do Parlamento Europeu (PE).
Nuno Cunha Rodrigues questionou ainda a racionalidade de o Tribunal da Concorrência ser localizado em Santarém, mas elogiou a existência de um tribunal especializado.
O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) é um centro de arbitragem de caráter institucionalizado, apoiado pelo Ministério da Justiça.
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