Pedro Santa Clara é um extraordinário vendedor de ideias – ideias que concretiza contra todas as probabilidades. O campus da Nova SBE, em Carcavelos, e a escola 42, demonstram sem a mais leve sombra de dúvida a singularidade desde académico que se transformou em angariador de fundos e dínamo social – mas já lá vamos. Santa Clara é um entusiasta que espalha vontade e rumo brutalmente potenciados por uma força suave a cada batimento cardíaco que dá. Em vez de coração, tem um tambor que marca um ritmo sempre elevado e exigente com ele e os outros. Defeitos, seguramente também os tem. Mas no almoço que marcámos no restaurante O Refeitório, no hub do Beato, em Lisboa, não consegui apanhar um só fio para puxar devagarinho e me conduzisse aos pontos frágeis que um perfil como este exige ter para ganhar mais curvas e contracurvas do que gloriosas rectas olímpicas.
Em vez disso, depois de o ter feito esperar 30 minutos por mim, não só foi cortês, como explicou-se sempre com a abertura e objetividade de quem diz o que pensa, mesmo quando confrontado com personagens de calibre elevado e mira de largo alcance. Por exemplo, sobre António Costa, presidente do Conselho Europeu, disparou à queima-roupa. “Nunca gostou da ideia da Nova SBE. Penso que o projecto o irritava um pouco. Não me recebeu quando pedi e então fomos para Cascais e Oeiras. Receberam-nos muito bem. Houve logo um envolvimento muito diferente. A primeira vez que Costa visitou a Nova SBE, disse à entrada que não era a favor da ideia, como se tivesse ficado com qualquer coisa entalada na garganta por termos ido para fora de Lisboa e quisesse exibir essa resistência com alguma arrogância.“
Os académicos e os empresários conhecem bem Santa Clara, apesar de ele ter passado grande parte da vida a dar aulas nos Estados Unidos, na UCLA – Anderson School of Management. O sucesso global da Nova SBE – em sétimo lugar no “Masters in Finance 2024”, o ranking do Financial Times que avalia a qualidade destes programas nas universidades e escolas de negócios internacionais – tornou-o um personagem invejado e admirado ou as duas coisas ao mesmo tempo. Na verdade, a potência dos sentimentos que suscita são, de certa forma, justificados.
Um terramoto na academia
Quando Portugal estava no fundo do poço, em 2012, e a deserção do país parecia para muitos a única saída de emergência de um país a afundar, Pedro Santa Clara teve a ideia de lançar o campus e deram-lhe carta branca para avançar, inconscientes do terramoto que ainda hoje faz estremecer a academia lusitana. “Dei a ideia na Nova, onde já dava aulas, e deram-me autonomia praticamente total, como se me estivessem a dizer: vai lá construir o teu castelo de areia.”
Há arrogância nesta frase – há alguma, porque nada como ter razão muito antes do tempo. O sentimento que esta atitude gera é básico e pede frases batidas, como “contra ventos e marés”. Portanto, contra ventos e marés, quando os salários eram cortados, os pensionistas perdiam subsídios, o desemprego galopava como os puro-sangue até tocar nos 17%, apareceu um tipo a remar contra a corrente. Não havia luz alguma em Lisboa, no Porto e pelo país fora, apenas placas a dizer “encerrado” e “vende-se”, lojas que fechavam, ilusões cortadas a pente zero. E no meio desta névoa escura, Pedro Santa Clara propôs-se impulsionar a Nova para águas nunca dantes navegadas. A pirosada poderia continuar, felizmente a sopa (ervilhas?) chegou e voltei a poisar na terra.
Seja como for, com ou sem heróis do mar e metáforas parolas, este académico liberal convenceu 60 empresas a doar 54 milhões de euros para a construção do novo campus. O Santander e a Jerónimo Martins meteram-se a bordo relativamente depressa, mas o caminho era longo, rugoso e demorado. A história é mais ou menos conhecida. Santa Clara já fez a rodagem de jornalistas há muitos anos, ele sabe o que cola logo, sem esforço. Cita, por isso, como se falasse da onda gigante da Nazaré, o número de almoços, jantares e reuniões que teve para convencer as empresas a passar o cheque necessário para pôr a ideia de pé – diz ter falado com mais de dez mil pessoas e 600 empresas. Mobilizou 50.
Um alpinista com um pico na mira
Na verdade, Santa Clara é um alpinista que procura os picos mais altos do mundo. Já a obra da Nova estava em andamento e ainda faltava dinheiro. Ele e a sua equipa de meia dúzia de pessoas, que refere a cada cinco minutos, batia a todas as portas para vender o projecto. Eu cruzei-me com ele em 2017, num almoço que organizou para ver quem tinha ideias sobre como promover uma universidade nos media e como fazer uma campanha de comunicação nesta área. Na altura, Pedro Santa Clara não era exactamente a mesma pessoa que hoje está tranquilamente sentada à minha frente e que, por volta das 15h00, receberá a visita de Paulo Macedo, o presidente da Caixa Geral de Depósitos. Na altura, era um homem com muita pressa.
Naturalmente, conhecia e estudara o assunto melhor do que todos nós naquela mesa e cada uma das ideias foi esmagada à nascença – já tinha pensado nelas e não serviam a causa. “Não me lembro disso… desse almoço, tive mesmo muitos assim. O que sei é que não devemos exagerar. Nós tivemos muita, muita sorte. Imagine-se que um dos nossos doadores tinha sido o BES ou até a Caixa, que também precisou, mais tarde, de uma injecção de capital público? Foi preciso muita sorte para evitar este problema e nós tivemo-la quase sempre do nosso lado”.
A modéstia assenta bem a todos, especialmente a quem vai à frente; aos que ficam atrás ou para trás confunde-se facilmente com insegurança. Pedro Santa Clara, casado, pai de três filhos e com dois netos, talvez nem seja modesto ou vaidoso. É directo e sabe o que quer e, igualmente vital, sabe o que não quer fazer.
Quando saiu da Nova SBE, em conflito com Daniel Traça, o reitor, fundou uma empresa de consultoria, a “Shaken, Not Stirred” – o Martini à James Bond – e até teve alguns clientes, mas rapidamente percebeu que ele e a equipa de três pessoas só queriam mesmo era pôr as mãos na massa – queriam pensar e concretizar, não apenas imaginar e apresentar as ideias.
Na verdade, vários ‘picos’
Foi aí que se atirou para o projecto Escola 42, a nova jóia pedagógica do país, já em Lisboa e no Porto (ver caixa ao lado), mas também em Coimbra, através do TUMO, o primeiro centro de tecnologias criativas da Península Ibérica, outro projeto educativo gratuito e complementar ao ensino formal – como o Escola 42 – que se propõe capacitar os jovens a tirarem partido da revolução tecnológica.
“Quando fizemos a Nova SBE, a mentira que eu vendia aos empresários é que seríamos não apenas internacionais, mas a escola de negócios da Alemanha. A explicação é simples: os alemães estão muito fechados sobre si próprios, não têm grandes universidades e ainda por cima o Estado financia a internacionalização de quem estuda… A verdade é que isso acabou tornando-se mesmo verdade. São centenas as candidaturas de alunos alemães para a Nova SBE. Portugal é uma espécie de Califórnia e agora oferece um campus de nível global, competitivo ao mais alto nível. Antes, tínhamos a Universidade Católica, embora noutro patamar; a Nova SBE subiu muitíssismos degraus.”
Digo a Pedro Santo Clara que lamento apenas ver tudo escrito em inglês pelos corredores do campus; as placas poderiam estar pelo menos também em português, mas o argumento é riscado com um ligeiro encolher de ombros que o apaga da história sem gastar grandes argumentos. “É uma escola internacional…”. Ponto final parágrafo.
A capacidade para dar respostas curtíssimas, quase cortantes, embora sem subir uma oitava ou ser deselegante, é outro dos talentos de Santa Clara. Neste momento, a história da Nova SBE, mil vezes contada, serve-lhe apenas de trampolim, mas ele usa-a com direitos de autor ou sinal de cansaço. Dança o tango que lhe é proposto por quem lhe faz perguntas e só não segue em frente quando, para ele, aquele tema já não o leva a lado nenhum.
Neste momento, o Escola 42 e o TUMO são os ângulos que tem em vista, Ambos têm em comum a vocação social: não se paga para estudar aqui; no caso do Escola 42, não há sequer professores, não tem horários nem as avaliações habituais – são os alunos que se avaliam uns aos outros. E onde e como aprendem? “Para aprender a programar basta ter um computador à frente e acesso às fontes de informação adequadas.” O que é excepcional aqui é que essa orientação, que já ganhou lastro, oferece ao programa uma solidez que o mercado reconhece. Embora o Ministério da Educação não reconheça o diploma, a falta de especialistas bons nesta área é tanta que as ofertas acabam sempre por chegar.
A automotivação e autodisciplina dos alunos fazem o resto, Há alunos com 18 anos e outros com 60. “É uma espécie de segundo capítulo na vida de algumas pessoas. É um interessante elevador social num país quase sem mobilidade a este nível. E é isso que mais nos entusiasma: este poder de transformação social. Entre os nossos primeiros alunos estava um aluno do Técnico e um estofador da Autoeuropa”. Ambos transformaram as suas vidas para melhor.
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