O presidente francês, Emmanuel Macron, continua submerso na crise política profunda que ele próprio criou quando decidiu dissolver a Assembleia Nacional na sequência dos resultados das eleições europeias. Face à evidência de que o governo liderado pelo antigo comissário Michel Barnier não vai sobreviver à(s) moção(ões) de censura que vai enfrentar, já está à procura de um nome para o substituir. Pior ainda, está ao mesmo tempo à procura de um enredo para responder ao crescente número de franceses que clamam pela sua renúncia.
Seno certo que não irá renunciar, Macron tem pela frente um enorme desafio: se o nome de Barnier demorou muitas semanas a ser isolado como proposta de governo, desta vez o presidente terá ainda mais dificuldade em encontrar alguém que queira jogar a sua carreira política num jogo que certamente irá perder. Parece claro que a forma mais perene de solucionar a crise política que já leva meio ano de existência seria, de facto, antecipar as eleições presidências, previstas para maio de 2027 – mas isso, dizem todos os analistas, Macron não fará – dado que ganharia um lugar desprestigiante na história de França.
O problema é que Macron não tem tempo: precisa de encontrar um substituto para Barnier que possa anunciar aos franceses no minuto seguinte ao ainda primeiro-ministro ser derrubado pela moção de censura, seja ela de direita ou de esquerda.
Segundo a imprensa gaulesa, Emmanuel Macron estava no avião para Riad, capital do Reino da Arábia Saudita, quando Michel Barnier lhe ligou no final da manhã de segunda-feira para o avisar de que usaria p artigo 49.3º da Constituição para fazer passar o projeto de lei de financiamento da Previdência Social. O Palácio do Eliseu pareceu surpreso com a nova situação política – Macron não deixaria o país se estivesse convencido de que a situação política interna evoluiria nesse sentido.
E o presidente também não estava à espera de outro facto: a promessa de que a extrema-direita e a esquerda votarão juntas contra Michel Barnier. É que o voto conjunto retira a cada uma das partes a possibilidade de o eleitorado culpabilizar politicamente quem derrubar o primeiro-ministro. O voto em uníssono de toda a oposição evidencia aos franceses que o verdadeiro culpado da crise é nem mais nem menos que Macron e os ‘maconistas’. Dito de outra forma: com a ajuda da esquerda da Nova Frente Popular, Marine Le Pen pode apresentar-se aos franceses em 2027 (ou seja lá quando for que houver presidenciais) como alguém que tentou resolver a crise política e não como alguém que criou uma crise política.
Entretanto, e como era fácil de antecipar, os mercados estão num rebuliço. O euro enfrenta ventos contrários crescentes à medida que a turbulência política em França e os esperados novos cortes nas taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) convergem para criar um ambiente altamente volátil para a moeda única. Esta é a perspetiva de vários analistas, entre eles Nigel Green, CEO do Grupo deVere, uma das maiores organizações globais independentes de consultoria financeira e gestão de ativos.
A coligação de partidos de esquerda e de extrema-direita sinaliza um alinhamento político sem precedentes e a continuação da instabilidade política na segunda maior economia da Zona Euro – numa altura em que o BCE se inclina fortemente para uma flexibilização monetária adicional, que pode acontecer a 12 de dezembro.
“Os investidores estão perfeitamente conscientes de que a instabilidade política numa grande economia europeia pode ter efeitos em cascata em todo o bloco, abalando a confiança e provocando saídas de capitais. O alinhamento de Le Pen com as forças de esquerda numa tentativa de destituir o governo é um afastamento total das linhas partidárias tradicionais, sublinhando a urgência e a imprevisibilidade da situação. Se o governo cair, os mercados irão provavelmente reagir de forma acentuada, apostando no risco acrescido de políticas populistas que poderão prejudicar ainda mais a coesão da União”, refere o analista.
“Os cortes nas taxas do BCE enfraquecem o euro ao reduzir os retornos dos ativos denominados nesta moeda, levando os investidores a procurar rendimentos mais elevados noutros locais. Isto reduz a procura pelo euro, especialmente se outros bancos centrais mantiverem ou aumentarem as taxas, aumentando a diferença nas taxas de juro”, observa o CEO do Grupo deVere. A combinação da crise política em França e da trajetória de flexibilização do BCE cria “uma tempestade perfeita” para o euro. Os investidores enfrentam um duplo desafio: enfrentar as consequências imediatas da instabilidade francesa e ajustar-se a um ambiente monetário mais frouxo. O resultado será provavelmente um aumento da volatilidade e uma pressão descendente sobre a moeda”.
Para aquele especialista, “os investidores do mercado já estão a posicionar-se para estes resultados. As moedas sensíveis ao risco estão a ganhar terreno à medida que os investidores procuram refúgio da turbulência do euro. Entretanto, prevê-se que os rendimentos das obrigações governamentais na zona euro permaneçam sob pressão, à medida que o BCE prossegue a sua postura acomodatícia. Um colapso do governo em França amplificaria o risco político, desencadeando potencialmente uma forte liquidação do euro. Por outro lado, se Barnier conseguir manter-se no poder, os mercados poderão encontrar algum alívio temporário, embora as tensões subjacentes persistam”.
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