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Síria: novo regime tenta duplicar experiência regional de Idlib em Damasco

Mas a ONU alerta para que isso pode não chegar. Mesmo assim, e tal como o Reino Unido e os EUA, pondera retirar o HTS da lista do terrorismo e levantar sanções. Indiferente, Israel tenta acabar com todas as defesas aéreas do país.
Bashar al-Assad, antigo presidente da Síria, com a mulher
11 Dezembro 2024, 07h00

Numa tentativa clara de demonstrar moderação e comedimento, o recém-nomeado primeiro-ministro interino da Síria, Mohammed al-Bashir – que ocupará o cargo previsivelmente até 1 de março de 2025, tendo por isso três meses para encontrar uma solução governativa – disse esta terça-feira que se tem reunido com membros do governo de transição que deverá entrar em funções em breve. “Convidámos membros do antigo governo e alguns diretores da administração em Idlib para facilitar todas as obras necessárias durante os próximos dois meses até termos um sistema constitucional que possa servir o povo sírio”, disse à cadeia televisiva Al Jazeera. “Hoje tivemos outras reuniões para reiniciar as instituições”, acrescentou.

Ao mesmo tempo, a comunidade internacional vai propondo novos veículos diplomáticos que possam ajudar a facilitar a transição. Depois do Reino Unido e dos Estados Unidos, também a ONU disse que está a ponderar retirar o grupo insurgente que entrou em Damasco e fez fugir o antigo governante, Bashar al-Assad, da sua lista de terrorismo. Geir Pedersen, enviado especial da ONU para a Síria, apresentou a possibilidade de remover Hayat Tahrir al-Sham (HTS) da lista de grupos terroristas proscritos pela organização, mas adiantou que o grupo não pode tentar governar a Síria da forma como governou Idlib, a província do norte onde estava baseado. O HTS foi considerado uma organização terrorista pela resolução 2254 da ONU – ou mais propriamente o grupo seu precursor, a Frente al-Nusra, intimamente ligada à al-Qaeda.

Ao mesmo tempo, aquele responsável pediu que Israel cessasse os seus ataques terrestres e aéreos dentro da Síria imediatamente, afirmando que essas ações são contraproducentes. “O bombardeamento tem de parar”, disse, e acrescentou que as ações de Israel ao redor das Colinas dos Montes Golã representam uma violação dos acordos estabelecidos ao longo do tempo – nomeadamente o que foi assinado em 1974.

Pedersen informou o Conselho de Segurança da ONU que os sinais iniciais dos grupos armados em Damasco são encorajadores, uma vez que estão a cooperar e a proteger as instituições estatais existentes. Aquele responsável disse que a comunidade internacional organizada na ONU está unida em pressionar a Síria para que se mantenha coesa e que a transição inclua todas as comunidades. Falando em Genebra, Pedersen disse que é essencial que todas as forças em presença encontrem acordos transitórios credíveis e inclusivos. Pedersen destacou três áreas imediatas de preocupação: o destino da comunidade alauíta (de que a família al-Assad faz parte) na costa síria, perto da base naval russa; os confrontos contínuos no nordeste entre o exército nacional sírio e os curdos sírios que trabalham sob a bandeira das forças de defesa sírias; e as incursões de Israel na Síria.

À margem de todas as esperanças internacionais, Israel continua a evoluir por sua própria conta, concentrando-se em eliminar as defesas aéreas da Síria. Há três dias que Israel bombardeia o país praticamente sem parar, e o principal alvo tem sido Damasco e os arredores. Mas o exército de Israel não se limita apenas a bombardear Damasco: no norte do país, em Qamishli, o Estado hebraico destruiu uma base aérea militar síria. Ao mesmo tempo, atacou navios de guerra nas regiões costeiras do país. Em Latakia, Israel diz ter destruído uma frota síria inteira. Na cidade de Homs, também atacaram algumas bases militares. Os israelitas dizem que têm como alvo os armazéns, depósitos de munições e a produção de armas – mas aparentemente, e segundo reportagens no local, os alvos têm sido sistematicamente as defesas aéreas sírias. A linguagem segue o mesmo registo bélico e de confrontação – a léguas do apaziguamento ouvido das outras capitais internacionais: o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (que esta terça-feira foi ouvido em tribunal num caso de corrupção) alertou novos governantes sírios para “o preço elevado” que terão de suportar se algum dia ajudarem o Irão, nomeadamente seguindo os passos do regime de Bashar al-Assad e permitindo que Teerão se “restabeleça” no país. “Se este regime permitir que o Irão se restabeleça na Síria, ou permitir a transferência de armas iranianas ou quaisquer outras armas para o Hezbollah, ou se nos atacar – responderemos com força e cobraremos um preço elevado”, disse Netanyahu. “O que aconteceu ao regime anterior acontecerá a este”, ameaçou.

Entretanto, e no que tem a ver com o futuro da Síria, os analistas consideram que um teste fundamental é se os países que têm alguma influência sobre o HTS e os outros grupos armados – Turquia e Qatar – serão capazes de evitar que rivalidades étnicas e sectárias se espalhem em Damasco. Para a ONU, é fundamental que os novos ‘senhores’ da Síria tratem de gizar uma Constituição que assegure que a enorme variedade de grupos e etnias sírias se sintam representados de forma justa. Pedersen disse que a criação de um documento com estas características poderia resultar no levantamento das sanções impostas ao regime de al-Assad, no aumento do apoio humanitário, no regresso de refugiados e no relançamento da economia.

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