Alice no País das Maravilhas” é um clássico da literatura que rapidamente nos esgota os adjetivos. Fantasioso, surreal, imaginativo, delirante e deliciosamente metafórico, parece pedir a cada instante para transbordar. As suas personagens exigem espaço, agigantam-se, por mais liliputianas que possam ser. A sucessão de peripécias é frenética e antes de entrarmos na sala já a cabeça fervilha de perguntas.
Como poderão bailarinos traduzir em palco os episódios delirantes imaginados por Lewis Carroll? Alice em versão gigante e em versão reduzida. Dois gémeos que parecem ser uma única pessoa. Beber chá até levitar e enlouquecer. Tornar um gato invisível. Pôr ostras a cantar. Correr atrás de coelhos que além de estarem sempre atrasados se guiam por relógios gigantes que só eles conseguem decifrar, até desaparecerem em buracos onde não é suposto caberem. Jogar críquete usando flamingos como tacos e ouriços à laia de bolas. Ou ainda pintar todas as rosas de cor de copas e cortar cabeças à menor das contradições…? Perdemos o fôlego só de pensar que há muitos mais detalhes absolutamente desconcertantes e que, por isso mesmo, por esse desconcerto, nos convidam a sonhar, a dar asas à imaginação. Ou como escreve Carroll, a esperar secretamente que não seja tudo um sonho porque, se for, será difícil viver depois de se ter sonhado o melhor de todos os sonhos.
Curiosamente, existem poucas adaptações para bailado do romance de Lewis Carroll. É preciso arrojo, mas também temperança, pois as memórias visuais de quem se afeiçoou a Alice no País das Maravilhas nas mais diversas adaptações ao cinema e à animação estarão sempre presentes, à flor da pele, prontas a fazer disparar sinapses comparativas quando não corrosivas. O coreógrafo cubano Howard Quintero consegue aqui esse delicado equilíbrio num verdadeiro festim para os sentidos.
Ao espetador será difícil ficar apático, amarrado à passividade. Por todas as razões. Desde as soluções do coreógrafo para as mil e uma metáforas da obra de Carroll – tão vivas na época vitoriana em que a história se desenrola como no presente, sendo o despotismo, as relações de poder ou a resistência à tirania um trio delas – à música de Tchaikovski, passando, claro, pelos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB) e alunos da Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional, e pelos figurinos e cenários criados por Renê Salazar. Sem esquecer o desenho de luz, a cargo de Ernst Schieß, e o virtuosismo da Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo maestro José Eduardo Gomes.
Fica o convite para mergulhar na realidade paralela que desafia as leis da lógica e alimenta a imaginação desta “Alice no País das Maravilhas”, produção da CNB, em cena até 29 de dezembro no Teatro Camões, em Lisboa.
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