A polémica com o CEO da Galp durou 96 horas até ao anúncio da sua demissão. A saída por “razões familiares” tem efeito imediatos e o novo CEO será anunciado nos próximos dias.
Filipe Silva já foi ouvido pela Comissão de Ética da Galp e a investigação ao caso vai continuar, apurou o JE.
Um dos pontos chave neste processo foi o facto de o gestor não ter comunicado o relacionamento internamente, que poderia acarretar questões de conflitos de interesse entre Filipe Silva e a diretora da empresa, aponta um especialista em governance ouvido pelo JE.
“Meteu o pé na argola, devia ter comunicado este facto relevante. Falhou no reporte. Como CEO, devia estar muito mais educado nesta matéria. Este tema não é meramente da esfera privada, tem implicações para a empresa e pode criar roturas nas equipas de topo, levar a divisões internas, perda de autoridade pelo CEO, rumores”, disse, ao JE, Filipe Morais, professor de Governance na Henley Business School (UK) e responsável na Amrop, consultora especializada no recrutamento de executivos.
“Quem não está por dentro pode achar isto drástico, mas ele não é só Filipe Silva, o indivíduo, mas Filipe Silva, o CEO de uma das maiores empresas da bolsa de Lisboa. É uma empresa de grande importância para o país. Por isso é que são pagos os big bucks [quantias elevadas de dinheiro]… não pode querer só essa parte. É um lugar de grande responsabilidade”, defendeu na conversa com o JE.
Filipe Morais considera que esta “não é uma relação de emprego simples. É um administrador da empresa, tem especiais deveres de diligência de reporte que um colaborador simples poderá não ter. Este senhor toma decisões de milhões de euros. Em Portugal pode não haver uma cultura disto, todos acham que é uma banalidade, mas não é. Este tipo de situações pode provocar uma cultura tóxica, levando a rumores, que podem ser aproveitados”, afirmou.
Já a acionista e chairwoman Paula Amorim disse em comunicado na terça-feira: “Gostaria de enfatizar a contribuição que o Filipe deu à empresa nos últimos 12 anos, um período em que a sua dedicação foi importante para o crescimento da Galp. O comité executivo da Galp continua nas mãos de uma equipa altamente qualificada, que vai assegurar a execução e implementação da estratégia da empresa”.
Presidente-executivo da petrolífera portuguesa desde 2023, o seu mandato terminava no final de 2026. Entrou na empresa em 2012, tendo ocupado primeiro o cargo de administrador financeiro.
A denúncia anónima sobre esta relação foi feita junto da Comissão de Ética e Conduta da Galp Energia, como revelou o jornal “Eco” na sexta-feira à noite, onde Filipe Silva garantiu que nenhuma decisão tomada por si “ameaçou a integridade das decisões da Galp“.
O processo de investigação está a ser conduzido pelo Comité de Ética e Conduta (CEC) da empresa, liderado por Tito Arantes Fontes, advogado e professor universitário de direito. Os outros dois membros são Sandra Bomtempo Costa, Diretora de Auditoria Interna na Galp, e Nuno Moraes Basto, especialista em corporate governance e compliance.
Quando estiver concluída a investigação, o documento será enviado para o Conselho Fiscal, que o irá apreciar, avaliar e propor uma decisão final: ou o processo é arquivado ou propõe ao conselho de administração uma decisão final sobre a matéria, que pode passar pela “cessação” da relação contratual com Filipe Silva, ou pela “instauração de um processo disciplinar ou de suspensão ou perda da qualidade de membro de órgão social”, conforme previsto no regulamento da CEC da Galp.
O conselho fiscal é liderado por José Pereira Alves, que ocupa a mesma posição na telecom NOS, na Corticeira Amorim e na Fundação Galp, tendo como vogais Maria de Fátima Geada (diretora do gabinete de Auditoria Interna da TAP SGPS e vogal do conselho fiscal da Fundação Galp) e Pedro Antunes de Almeida (também presidente do conselho fiscal da Fidelidade Seguros, vogal do conselho fiscal da Fundação Galp).
O JE também pediu a advogados laborais para analisar o caso à luz do direito do trabalho. Os especialistas concluíram que uma relação consentida entre o CEO da Galp e uma trabalhadora da empresa não é motivo, por si só, para despedimento por justa causa, como escreveu o JE a 7 de janeiro.
Se vier a ser despedido neste quadro, Filipe Silva poderá vir mesmo a recorrer aos tribunais para exigir a sua reintegração na empresa e o pagamento de uma indemnização, consideram os especialistas em direito do trabalho.
A obrigação de comunicar a relação à Comissão de Ética da empresa também foi afastada pelos especialistas. Ao mesmo tempo, o código de conduta de uma empresa também não pode proibir relações, sublinham.
Presidente-executivo da petrolífera portuguesa desde 2023, o seu mandato termina no final de 2026. Entrou na empresa em 2012, tendo ocupado primeiro o cargo de administrador financeiro.
A denúncia anónima sobre esta relação foi feita junto da Comissão de Ética e Conduta da Galp Energia, como revelou o jornal “Eco” no fim de semana.
Contactada pelo JE, a Galp não quis fazer comentários, remetendo para a resposta do CEO dada ao “Eco”, onde Filipe Silva garantiu que nenhuma decisão tomada por si “ameaçou a integridade das decisões da Galp“.
Um dos contactados pelo JE foi o advogado António Garcia Pereira, que considera mesmo que este tema “cheira a operação de homicídio de carácter, destinada a correr com uma pessoa e a abrir caminho para eventuais interessados no cargo”.
Relação consentida pode levar a despedimento?
Uma das dúvidas levantadas por este caso é se a relação consentida entre o CEO da Galp e uma diretora de topo da empresa, dependente hierarquicamente de Filipe Silva, pode ser causa, por si só, para despedimento por justa causa. Dos três advogados consultados pelo JE, todos consideram que o despedimento por este motivo seria ilegal.
Para a especialista em direito laboral Joana Miranda, “relacionar-se com uma trabalhadora, inferior hierarquicamente, por si só não é fundamento para justificar despedimento por justa causa. Tem de haver um comportamento que seja tão grave que não se torne possível a subsistência da relação de trabalho. A violação do código de ética e conduta por si só não determina a justa causa por despedimento.”
Já o advogado Luís Gonçalves da Silva aponta que este tema “faz parte da vida privada” do CEO, estando inserido na sua “esfera privada, esfera íntima.”
Uma situação diferente seria se a relação tivesse causado algum “problema funcional” na empresa. Um exemplo clássico é alguém fiscalizado e a pessoa que fiscaliza, onde não pode haver uma relação de intimidade ou relacionada com a vida de terceiros. Há uns anos, um comandante da TAP tinha uma relação com uma hospedeira e foram proibidos de voar juntos. “Não creio que no caso da Galp estes problemas se coloquem”, segundo Luís Gonçalves da Silva.
Por seu turno, o advogado António Garcia Pereira também rejeita o cenário de despedimento. “De todo, não há causa para despedimento, nem sequer para procedimento disciplinar. Existe a reserva de intimidade na vida privada. Os trabalhadores não deixam de ser cidadãos.”
“Abomino operações de homicídio de carácter. Não tenho nenhuma simpatia pelo senhor. Provavelmente, já intentei ações contra a Galp com ele como CEO, mas não há nenhum fundamento, nem legal nem regulamentar, que justifique qualquer ação disciplinar ou o despedimento que é a sanção máxima”, acrescenta o histórico advogado laboral.
Conflitos de interesse?
Outra questão levantada por este caso é se a existência de conflitos de interesse derivados desta relação pode levar ao despedimento.
Joana Miranda argumenta que o despedimento pode vir a ter lugar se se concluir que “foram tomadas decisões que claramente mostrem que houve conflito de interesses e que o empregador foi prejudicado. Um comportamento culposo pode ter levado a uma quebra de relação de confiança. Este é um cargo que acarreta um especial dever de confiança. Se se quebra em absoluto, em virtude dos atos cometidos por ele, pode ser considerado que existe um comportamento culposo, que pode ser considerado grave o suficiente para tornar impossível a manutenção da relação de trabalho.”
Por seu turno, Luís Gonçalves da Silva considera que “a não ser que haja algum facto que desconheçamos, de assédio ou proteção indevida ou outro benefício qualquer, não vejo relevância jurídica para que possa ser demitido. Daquilo que vi, não há fundamento jurídico.”
Sobre esta questão, Garcia Pereira considera que, do que se sabe do caso, “não se identifica nenhuma situação de conflitos de interesse.” Um caso diferente seria se tivesse havido uma avaliação de desempenho feita pelo CEO à pessoa em causa, e o CEO não tivesse pedido recusa de exercer esta função.
Impugnação do despedimento em tribunal?
Se for despedido indevidamente, Filipe Silva pode recorrer à justiça para exigir ser reintegrado na empresa e receber uma indemnização.
Para Joana Miranda, o CEO pode “impugnar o despedimento judicialmente: pedir ao tribunal que considere ilícito o despedimento dele, com todas as consequências que daí advêm, podendo ser reintegrado ou pedir indemnização.”
António Garcia Pereira, por seu turno, diz que o CEO pode vir a recorrer a tribunal se for despedido pelo facto de ter uma relação, podendo entrar com uma “providência cautelar para suspender o despedimento no prazo de cinco dias da notificação e impugnar judicialmente o despedimento no prazo de 60 dias.”
CEO tinha de comunicar namoro?
O advogado António Garcia Pereira rejeita o cenário de o CEO ter de comunicar a relação com uma trabalhadora.
“Do que se conhece, não há, e não poderia haver, nenhuma norma que obrigue a comunicação do namoro, nem que proíba a existência de alguma relação afetiva entre membros da organização. Seria ilegal”, declara o especialista laboral.
Código de conduta?
O código de conduta de uma empresa pode proibir relações entre trabalhadores?
António Garcia Pereira rejeita esta possibilidade e considera que o “regulamento interno de uma empresa, um código de conduta, não pode ser mais restritivo do que a lei em geral.”
No caso do Código de Conduta da Galp, não está prevista nenhuma proibição de relações afetivas entre trabalhadores.
Joana Miranda explica que os “normativos internos também são fonte de direito. O que efetivamente compete à empresa averiguar é se surgiram tomadas de decisões que prejudicaram a empresa, que coloquem em causa a confiança existente. Se a pessoa deixa de ter autonomia e passa a estar sob influência de determinados sentimentos na tomada de decisões, isso é que pode ser preocupante.”
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