Esta é uma questão que não sendo nova é recorrente na vida das empresas e de compreensível preocupação por parte dos sócios vinculados, mas cuja resposta, como sucede na resposta a muitas outras questões dada pelos intérpretes e aplicadores do Direito, tende (irritantemente, para muitos) a ser…depende!
Trata-se ainda de uma questão que se coloca, sobretudo, no contexto do financiamento das pequenas e médias empresas, constituídas na maior parte sob a forma de sociedades por quotas. É frequente a exigência por parte dos financiadores de entrega e subscrição de livrança em branco pela sociedade avalizada pelos seus sócios ou sócios-gerentes.
Tal exigência prende-se com a importante função de garantia que tal instrumento desempenha e por constituir um meio expedito e prático de mobilizar a responsabilização de um segundo património (para além do património da sociedade) pelas obrigações garantidas.
Para além disso, em caso de incumprimento das obrigações garantidas, a livrança permite o acesso direto à ação executiva sem passar pela (em regra, demorada) “casa” da ação declarativa, característica que a torna num instrumento bastante atrativo para os financiadores da sociedade.
Assim, a utilização da livrança em branco avalizada pelos seus sócios ou sócios-gerentes tem florescido ao longo dos últimos anos e, a par desta utilização, surge também a discussão técnico-jurídica quanto a saber se existe algum impacto, e em que termos, na garantia prestada no caso do sócio avalista sair da sociedade, perdendo a sua qualidade de sócio ou de sócio-gerente. Nestes casos, deve tutelar-se a posição do ex-sócio, ou, pelo contrário, deverá este, e em que termos, permanecer vinculado ao aval prestado? Tal questão tem vindo a ocupar a doutrina e a ser apreciada pelos tribunais, mas nem sempre em termos convergentes.
Pois bem, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) volta agora a revistar este tema no seu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) nº 1/2025 (publicado em Diário da República, 1ª Série, em 08.01.2025), fixando um sentido que, embora não sendo inovador, quer na doutrina quer na jurisprudência, reforça a tutela que é concedida ao sócio-avalista ao permitir, em determinados termos e circunstâncias, a sua desvinculação unilateral: “(1) A vinculação para aval prestada em livrança em branco é, desde que assumida sem prazo ou por prazo renovável, decorrido o prazo inicial, suscetível de denúncia, pelo vinculado para aval que tenha deixado de ser sócio ou sócio-gerente da avalizada, até ao preenchimento do título. (2) A denúncia só produzirá efeitos para o futuro, ou seja, a desvinculação só será eficaz em relação a montantes que venham a ser solicitados após a denúncia produzir os seus efeitos”.
Dizemos revisitar dado não ser a primeira vez que o STJ se pronuncia para efeitos de uniformização de jurisprudência sobre esta temática. Já o tinha feito no AUJ nº 4/2013, de 21.01 mas fê-lo, segundo alguns, em termos que suscitava dúvida e debate sobre se tal pronúncia uniformizadora (e que conduzia a um resultado oposto ao agora fixado) se aplicava também ao “avalista em branco” entendida a posição deste, antes do preenchimento do título, como não sendo de obrigado cambiário e o “aval em branco” como não sendo ainda vinculação cambiária.
Foi, assim, com o propósito declarado de evitar equívocos que o STJ se propôs no AUJ nº 1/2025 revisitar esta importante temática, avultando na sua decisão um generalizado consenso no STJ quanto à admissibilidade de tutela jurídica a conceder ao sócio-avalista nestes casos, pois, afirma o STJ, não é razoável o banco credor pretender manter vinculados ex-sócios já alheados da sociedade nem é razoável a sociedade continuar a beneficiar da garantia de sócios que já deixaram a sociedade.
Todavia, esta tutela jurídica do sócio-avalista não é automática nem se verifica em todos os casos, pois os termos e circunstâncias em que a mesma é agora recortada pelo STJ impõe ponderada análise das particularidades de cada caso concreto.
É que tal desvinculação, no recorte efetuado pelo STJ, só será admissível, em teremos muito genéricos e sem sermos exaustivos, se a mesma se verificar até ao preenchimento da livrança pelo credor nos termos do pacto de preenchimento, se estivermos perante uma vinculação sem prazo determinado ou de renovação automática e se a dívida garantida não estiver previamente determinada. Acresce que a desvinculação, ainda no recorte efetuado pelo STJ, só vale para o futuro, relevando a saída do sócio da sociedade avalizada apenas como parâmetro para aferir da boa-fé da desvinculação.
Ou seja, não obstante a recente decisão uniformizadora do STJ receamos que a resposta à questão que dá título a este artigo continue (“irritantemente”, para muitos) a ser… depende!
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com