“A fotografia parece muito realista, mas será real?”. Hosoe Eikoh levantou a questão e dificilmente se pode dizer que ofereceu resposta(s) a quem contempla as imagens por si criadas. Aqui, o verbo ‘criar’ faz todo o sentido, pois jamais as suas fotografias são lineares.
Poderá descobrir essa ambiguidade, o onirismo inquietante e sensual das fotografias de Eikoh na exposição que a Ochre Space, na zona da Ajuda, em Lisboa, prepara em colaboração com o mestre fotógrafo japonês antes da sua morte, em setembro de 2024. Das 40 imagens publicadas originalmente em 1963, no livro “Barakei”, que têm como protagonista Yukio Mishima, foram selecionadas 15, que poderá ver até dia 8 de fevereiro no espaço da Ochre, a par de um vídeo, que resulta de uma montagem, a cargo do realizador Hélder Faria, de uma pequena entrevista feita a Hosoe sobre “Barakei”.
“Bara” significa rosa e “Kei” significa castigo (em inglês, “Ordeal by Roses”), daí que a fotografia mais icónica do livro, e da exposição, seja Mishima segurando uma rosa na boca. Mas nada fazia supor que esta colaboração entre fotógrafo e novelista fosse além de um primeiro contacto, feito pelo editor de Mishima, em 1961, para que tirasse uma fotografia de capa “fora da caixa” para um livro de ensaios que o escritor estava então a concluir.
“Barakei” é uma obra “sobre a vida e o sofrimento, centrada na figura de Yukio Mishima”, mas não é um trabalho conjunto, lê-se na brochura da exposição, escrita por João Miguel Barros. “Pensei em usar tudo o que Mishima amava ou possuía para formar um documento sobre o escritor. No entanto, a interpretação e a expressão seriam minhas”, disse Hosoe, citado pelo curador, nesse mesmo texto. “Queria criar uma nova imagem de Yukio Mishima através da minha fotografia”, prossegue o fotógrafo japonês.
Eikoh nasceu em 1933. Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos fizeram uso, pela primeira vez na história da humanidade, de armas atómicas contra as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki. O número de mortes confirmadas ultrapassou as 210 mil, mas ficaram por contabilizar muitas outras. Eikoh tinha apenas 12 anos, mas o seu trabalho viria a ser foi fortemente influenciado pelo clima político vivido neste período.
Aos 17 anos começa a interessar-se pela fotografia e decide fazer desta a sua profissão. Em 1951 termina o curso de fotografia no Tokio College of Photography e, cinco anos depois, organiza a sua primeira exposição individual. Foi nesta altura que se juntou a um grupo de artistas chamado Demokrato, que veio a influenciar muito o seu estilo. Em 1955, lança o livro “35mm Photography”, no qual explora diferentes formas de abordagem fotográfica como uma série de imagens que compunham uma história sobre uma rapariga americana que se apaixonou por um japonês e que teve enorme sucesso.
Em 1960, realizou o trabalho intitulado “Man and Woman”, onde fotografa Tatsumi Hijikata, fundador de um movimento de dança, e um membro feminino do seu grupo, no qual explora o corpo humano transformando o num objeto nu, capturando a dinâmica existente entre os dois sexos. A convite do escritor Yukio Mishima, fotografou a capa do seu novo livro “Attack on Beauty”, em 1961. A relação com Mishima iria resultar posteriormente em “Barakei”.
No final dos anos 1960 decidiu registar, documentar e dar a conhecer ao mundo as trágicas consequências que a primeira bomba atómica causou à população e cidade de Hiroshima. Deste trabalho resultou o livro “A Place Called Hiroshima”.
Lecionou no Instituto Politécnico de Tóquio e foi e mentor de diversos workshops realizados um pouco por toda a Europa e Estados Unidos da América. Num dos seus mais recentes trabalhos, “People Concerned with the Works”, Hosoe regressou a diferentes momentos do seu percurso profissional, ligando o passado ao presente como se de uma viagem se tratasse. O seu trabalho faz parte das mais prestigiadas coleções permanentes de diversos museus, entre os quais o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
“Todos dizem que a vida é um palco de teatro, mas poucos são os que ficam obcecados com esta ideia, pelo menos tão precocemente como eu fiquei. Desde os últimos anos da infância que eu estava firmemente convencido de que assim era e que eu próprio teria um papel a desempenhar nesse palco, sem nunca ser obrigado a revelar o meu verdadeiro eu”.
Assim começa o terceiro capítulo de “Confissões de Uma Máscara”, de Yukio Mishima, pseudónimo de Kimitaka Hiraoka, com tradução e apresentação de António Mega Ferreira, agora reeditado pela Livros de Brasil, uma chancela da Porto Editora.
Nasceu a 14 de janeiro de 1925 na cidade de Tóquio e, após a deflagração da Segunda Guerra Mundial, foi declarado inapto para o serviço militar e destacado pelas autoridades como operário fabril. Este acontecimento revelou-se preponderante no seu percurso, por acreditar que não teve oportunidade de dar a vida pela pátria, como muitos combatentes haviam feito. Mesmo as circunstâncias da sua morte estiveram essencialmente ligadas a este sentimento.
Mudou o seu nome para Yukio Mishima, para ocultar as suas aspirações ao olhar do pai, inimigo figadal da literatura, e publicou a sua primeira obra em 1944, com o título “Hanasakari No Mori”. Não passou despercebida, tendo sido recomendada pelo proeminente escritor Kawabata Yasunari a diferentes publicações e jornais. Em 1945, após a derrota do Japão, Mishima matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Tóquio e chegou a trabalhar como funcionário público durante um ano, até se dedicar inteiramente à escrita.
Em 1949 publicou “Kamen No Kokuhaku” – “Confissões de uma máscara” – romance autobiográfico, no qual enfrenta a descoberta da sua homossexualidade se debate com o ajustamento da sua personalidade ao convencionalismo social. Tinha 24 anos aquando da publicação deste segundo romance, que o consagrou de imediato como um dos mais importantes autores japoneses do pós-guerra.
Obcecado com o seu corpo e forma física, começou a praticar culturismo e artes marciais, tornando-se mais tarde mestre de Karate e Kendo. Procurou assumir-se nos protagonistas das suas obras, chegando a posar para retratos fotográficos como um marinheiro afogado por um naufrágio, como em “Gogo No Eiko” (1963), ou um samurai matando-se pelo harakiri, o suicídio ritual japonês, como na obra “Hagakure Nyumon” (1967).
Embora tivesse adotado o vestuário do mundo ocidental, Mishima era grande admirador das glórias passadas do Japão imperial, de cuja derrota nunca se conformou. Em 1968 conseguiu agrupar um pequeno exército de cerca de uma centena de jovens efetivos, dispostos a morrer pela restauração do Bushido, o código de honra dos guerreiros samurai. Liderou a sua milícia na tomada do quartel-general do exército japonês em Tóquio, na tentativa de devolver o seu país aos ideais nacionalistas, mas perante o fracasso da sua investida, preferiu tirar a sua própria vida com uma espada, fazendo o seppuku. Instantes antes da sua morte, ocorrida a 25 de novembro de 1970, gritou “Viva o Imperador!”.
No mesmo dia da sua morte, Mishima enviou à sua editora o manuscrito final de “Tennin Gosui” (1971), o último volume de uma tetralogia de nome “Hojo No Humi”. Cada livro corresponde a uma reencarnação da mesma alma, que no primeiro, “Haro No Yuki” (1968), é um aristocrata, no segundo, “Komba” (1969), um fanático político da década de 30, em “Akatsuki No Tera” (1970) uma princesa tailandesa sobrevivendo à Segunda Guerra Mundial, e, por fim, no fatídico manuscrito, um jovem e maligno órfão vivendo nos anos 60.
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