Luís Marques Mendes vai apresentar esta quinta-feira, 6 de fevereiro, a sua candidatura à Presidência da República, nas eleições de 2026. Ao fim de 12 anos como comentador televisivo, o antigo presidente do PSD e atual conselheiro de Estado regressa à política ativa. Apresentar-se-á sozinho, em Fafe, sem figuras nacionais social-democratas, curiosamente, como fez Marcelo Rebelo de Sousa em 2015, em Celorico.
De Marques Mendes pode dizer-se que foi quase tudo no PSD (líder partidário, autarca, governante) e, embora esteja fora da vida política ativa há anos, o partido não hesitará em apoiá-lo no desafio presidencial – só falta mesmo formalizar – , um gesto natural, tendo em conta o meio século de dedicada militância que acumula.
Luís Montenegro, primeiro-ministro, reforçou esta semana que Marques Mendes “preenche em absoluto” os requisitos para “uma candidatura ganhadora”, mas não é isso que têm mostrado, para já, as sondagens. Politólogos ouvidos pelo Jornal Económico assinalam que a “notoriedade” e a “experiência política” de Marques Mendes podem ser uma vantagem, mas avisam que a forte ligação partidária pode pesar negativamente no atual contexto.
“As sondagens revelam que os eleitores parecem preferir candidatos sem vinculação partidária. E Marques Mendes é o contrário disso; é alguém que tem uma ligação umbilical ao PSD, muito antiga mesmo”, lembra o politólogo José Palmeira. Salvaguardando a vantagem que lhe pode dar a máquina partidária durante a campanha, o professor de Ciência Política da Universidade do Minho aponta a ligação ao partido como uma desvantagem e questiona se não terá sido um erro o PSD ter afirmado no seu congresso que apoiaria um candidato militante. “Ora, isto significa que Marques Mendes tem ali o carimbo do PSD bem colocado, o que lhe pode retirar alguma margem de manobra” e “menos capacidade de entrar em eleitorado dos outros partidos”, observa Palmeira.
Além disso, Marques Mendes carrega neste desafio uma outra desvantagem. Por vezes, diz José Palmeira, os eleitores preferem eleger para Presidente da República “alguém que não pertença ao partido do Governo” para não colocar “os ovos todos no mesmo cesto”. Os eleitores poderão inclinar-se para escolher para Belém alguém que “sirva de contraponto a São Bento”. A isso se somam as mudanças de ciclo também no que toca ao perfil. A este propósito, o professor da Universidade do Minho recorda que, depois de Ramalho Eanes e de Cavaco Silva, presidentes com um perfil mais institucional, surgiram presidentes marcadamente diferentes: Mário Soares e Marcelo Rebelo de Sousa.
E o perfil leva-nos a outra característica que pode ser vista como uma desvantagem para o candidato apoiado pelo PSD: a proximidade de Marques Mendes a Marcelo. Embora o candidato “não seja igual” ao incumbente, diz Palmeira, a verdade é que a proximidade entre os dois é grande, e isso pode ser prejudicial. Mendes trabalhou com Marcelo no partido e está no Conselho de Estado a convite do atual Presidente.
Receita de Marcelo já não serve
E se, por um lado, os longos anos de comentário político em horário nobre deram a Mendes mediatismo e notoriedade, características que não são de desprezar, por outro, essa exposição pode virar-se contra o candidato se os eleitores estiverem inclinados a escolher para Belém alguém completamente diferente. É que a receita de sucesso de Marcelo pode não servir para Mendes, porque o ambiente político é outro, uma preocupação já manifestada quer pelo antigo governante do PSD Miguel Relvas, que afirmou na CNN que o candidato social-democrata tem de se “reinventar” sem “perder a sua essência”, porque, hoje em dia, “o imprevisível é o mais previsível”. Na mesma linha, Miguel Morgado, ex-deputado e ex-assessor de Pedro Passos Coelho, não acredita que Marques Mendes consiga unir a direita nas presidenciais de 2026 e disse mesmo, em entrevista ao Observador, que o agora ex-comentador político preparou uma candidatura para um “país que já não existe”.
Para Palmeira, o candidato apoiado pelo PSD enfrenta ainda outra adversidade: ir a sufrágio com outros candidatos da área da direita. André Ventura, pelo Chega, e Mariana Leitão, pela Iniciativa Liberal, “podem tirar a possibilidade de Marques Mendes ir à segunda volta”, antecipa o politólogo.
O investigador do ICS Hugo Ferrinho Lopes concorda com Palmeira. Marques Mendes acumulou, ao longo dos anos, experiência política e partidária, notoriedade e mediatismo, entrando há mais de uma década semanalmente na casa dos portugueses em horário nobre. O que, à partida, o colocaria em vantagem perante outros candidatos que têm estado fora dos holofotes mediáticos. Todavia, “o facto de o seu percurso ser muito similar ao de Marcelo Rebelo de Sousa faz com que as pessoas prefiram o original à cópia”, afirma Ferrinho Lopes.
Além disso, acrescenta o investigador, apesar de Mendes ter o apoio convicto da direção, da qual é muito próximo, há no PSD um “desejo interno não muito escondido” de apoiar Pedro Passos Coelho, caso o antigo primeiro-ministro tenha disponibilidade para ser candidato. “Parte das bases [do PSD] e do eleitorado ansiava por uma espécie de um Dom Sebastião que acabou por não aparecer”, assinala.
O politólogo do ICS junta a esta adversidade outra: enfrentar o Almirante Gouveia e Melo, uma personalidade que “goza de uma grande notoriedade” e que, conforme têm demonstrado as sondagens, tem um perfil “que o faz granjear muitos votos no espectro político de Marques Mendes”. Isto numa altura em que, 50 anos depois do 25 de Abril, os dois principais partidos “enfrentam uma situação de desgaste” que os coloca em “sérias dificuldades” nas presidenciais.
Hugo Ferrinho Lopes destaca como “chocante” que o país prefira um militar para Belém, 40 anos depois de Eanes, o que, na sua perspetiva, revela duas coisas: em primeiro lugar, uma certa “nostalgia” do passado; em segundo lugar, que, ao contrário do que se achava desde a presidência de Mário Soares, “ex-primeiros-ministros ou ex-líderes partidários não são necessariamente as únicas escolhas possíveis para Presidente da República”, porque as cadeiras de São Bento e de Belém são cargos completamente distintos.
Balão Gouveia e Melo vai “esvaziar”
O investigador do ICS diz não se espantar que algumas figuras do PSD declarem apoio a outro candidato, como já fez o ex-ministro do PSD Ângelo Correia, que se posicionou ao lado de Gouveia e Melo, e não acredita que esse tipo de tomadas de posição prejudiquem Mendes. Mas admite ter ficado surpreendido que o ex-comentador político tenha avançado para a candidatura numa altura em que as sondagens o colocam em empate técnico a disputar a possibilidade de uma segunda volta, tendo mesmo à sua frente André Ventura e os dois possíveis candidatos da ala socialista (António Vitorino e António José Seguro), que estão afastados da vida política ativa há anos e sem o palco mediático de Mendes. “Não quer dizer que Marques Mendes não tenha margem para crescer” ao longo da campanha, até porque anuncia a candidatura com antecedência, adverte Hugo Ferrinho Lopes.
Apesar das adversidades, o professor de Ciência Política da Universidade do Minho também não dá Mendes como derrotado nem Gouveia e Melo como vencedor à partida. Por um lado, porque acredita que o “balão” do almirante pode “esvaziar” perante algum “deslize” que comprometa a ligação “emocional” que os eleitores têm em relação a si. Por outro lado, porque Mendes deu uma guinada à indecisão socialista, antecipando-se a Vitorino e/ou Seguro. “A partir desta quinta-feira, vai andar por aí no chamado percurso da carne assada. Quando o candidato socialista vier, se é que vem só um, já Marques Mendes pode ter algum lastro” no espaço moderado do centro.
O politólogo da Universidade do Minho aponta como pontos fortes do conselheiro de Estado a moderação e a capacidade de fazer pontes com o Parlamento e o Governo e recua até às presidenciais de 1986 para exemplificar que, também nas presidenciais, não é como se começa, mas sim como se acaba. Na altura, recordou, Mário Soares foi eleito à segunda volta contra Freitas do Amaral, apesar de ter partido para essas eleições apenas com 8% das intenções de voto.
No entender de José Palmeira, o ex-chefe da Armada (que ficou conhecido dos portugueses pelo processo de vacinação contra a covid-19) “estará no auge em termos de apoio”, pelo que, “com o decorrer do tempo e com a sua exposição, a tendência será não para ganhar ainda mais, mas para perder”, apesar de lhe reconhecer vantagens também relacionadas com o contexto internacional. Além disso, completa o politólogo, as sondagens refletem a intenção de voto do eleitorado do PS e do PSD que, à data, ainda não tinham nenhum candidato confirmado.
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