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João Duarte: “Benfica SAD? Há um risco real de incumprimento da regra da estabilidade financeira da UEFA”

Em entrevista ao programa “Jogo Económico”, João Duarte confessa que ficou surpreendido com a reação do SL Benfica e que os clubes deveriam ter uma maior abertura à discussão dos temas económico-financeiros. E reafirma: segundo as novas regras da UEFA, há mesmo um risco para a SAD das “águias”.
19 Fevereiro 2025, 07h00

“Irresponsável” e “superficial”. Foi assim que a Benfica SAD qualificou o estudo apresentado no final da semana passada e que analisa a realidade económico-financeira da empresa que gere o futebol ‘encarnado’, com algumas conclusões surpreendentes expostas por João Duarte, professor associado da Nova SBE.

Nos últimos quatros anos o emblema da Luz registou um aumento de 157 milhões de euros no seu passivo o que significou um crescimento de 48%.

Neste período o clube da Luz viu a sua dívida líquida duplicar de 100 para 200 milhões de euros, tendo o capital próprio caído para metade (80 milhões nos últimos quatro anos).

Face a estes dados, e segundo a projeção base e de não acesso à Liga dos Campeões, o SL Benfica corre o risco de entrar em incumprimento no final da época 2025-26 (18 meses). Por outro lado, num cenário mais otimista, o estudo aponta para um incumprimento no final da temporada 2026-27 (30 meses).

No último triénio, dos 65 milhões de ganhos por ano entre compras e vendas, somente entraram 10 milhões anuais nos cofres das ‘águias’, ou seja por cada euro ganho, o SL Benfica arrecadou 15 cêntimos, enquanto que no caso do FC Porto esse valor foi de 28 cêntimos e de 84 cêntimos no Sporting CP.

Em entrevista ao programa “Jogo Económico”, João Duarte confessa que ficou surpreendido com a reação do SL Benfica e que os clubes deveriam ter uma maior abertura à discussão dos temas económico-financeiros. E reafirma: segundo as novas regras da UEFA, há mesmo um risco para a SAD das “águias”.

O estudo que apresentou no final da semana passada foi classificado de “irresponsável” e “superficial” por parte do SL Benfica. Esperava este tipo de reação?

Em relação ao comunicado, surpreendeu-me em parte porque não contava que houvesse uma reação tão forte a um estudo que não faz qualquer juízo ou julgamento à gestão e apenas explica, ou limita-se a explicar (utilizando apenas contas que constam no relatório e contas assinados pelas várias direções que passaram no Benfica desde 2010/2011 até ao último ano, de 2023/24), aquela que era uma dúvida dos sócios: porque é que o Benfica tem vindo a acumular prejuízos atrás de prejuízos (exceto na época 2022/23), não obstante vendas históricas? Limitei-me a explicar isto olhando as contas de uma maneira fria e crua, apenas analisando números e não tecendo qualquer comentário no que toca à gestão. Até porque, como sabemos, numa empresa ou num clube, pode fazer sentido ou não ter prejuízo durante um determinado período, se a estratégia desportiva assim o ditar. Portanto, não teci qualquer comentário em relação a isso.

Em segundo plano, há uma preocupação dos sócios sobre se havia algum risco financeiro dado o estado atual. O que procurei fazer foi mostrar, outra vez olhando a perspectiva histórica, que não há um risco financeiro necessariamente, mesmo sendo em juros altos e existindo um endividamento face aos níveis de capital próprio, não parece ser preocupante.

No entanto, dada a regulação da estabilidade financeira da UEFA que foi modificada, que é uma continuação do fair play financeiro modificado e implementado em 2023, olhando esses rácios e seguindo os critérios, fazendo uma projeção, seguindo as tendências do que é a estrutura de custos públicos novamente e até considerando cenários em que há uma modificação nessa atitude de gestão (aliás mesmo no cenário base, consideramos que há uma gestão, uma receita operacional antes das vendas de jogadores positiva, portanto, a mudar completamente até ao quadro que tem sido recentemente verificado, onde tem em média uma receita operacional, um prejuízo antes da venda de jogadores em torno dos 21 milhões de euros quando no período pré-Covid era de três milhões).

Portanto, houve aqui uma mudança de paradigma, em que a venda de jogadores nos anos antes do Covid eram mais que um bónus em cima do resultado operacional, enquanto que agora torna-se quase numa necessidade. Ou seja, é necessário vender para fazer face ao prejuízo operacional antes da venda de jogadores.

Nesse critério, olhando essas projeções, seguindo essas tendências, excetuando realmente uma mudança de paradigma na gestão e nos rácios de custo face às receitas (devo dizer que é completamente falsa a ideia de que considerei apenas cenários em que as receitas caem brutalmente em todos eles, incluindo o de não acesso à Liga dos Campeões, há um aumento nos próximos anos das receitas face às verificadas nos últimos anos).

Regressando ao ponto do risco de estabilidade financeira, não é permitido agora, segundo as regras da UEFA, acumular prejuízos durante um determinado tempo. Ou seja, nos últimos três anos, a soma entre lucros e prejuízos de uma operação de um clube não pode exceder os cinco milhões de prejuízos, podendo chegar aos 60 milhões, desde que seja coberto por capital próprio ou injeção de capital externo e podendo chegar aos 90 milhões se seguir uma série de critérios.

O que fizemos foi seguir estas projeções e verificar que em todas as projeções, exceto numa de mudança de gestão ou de rácios, ou de controlo de custos operacionais, em todas estas há um risco real de incumprimento desta regra da estabilidade financeira e a regra penso que faz algum sentido. O objetivo aqui é não permitir que os clubes entrem em exagerados prejuízos de forma a ganhar alguma vantagem competitiva em cima de outros clubes que tentam manter as suas contas em dia.

Os clubes deviam estar disponíveis e ter uma maior abertura para aceitar análises externas às suas contas?

Na minha opinião, sim! Sem dúvida alguma. Dentro do possível, e ligações emocionais ao clube e anos de eleições à parte, acho que é muito importante que os clubes tenham esse tipo de abertura. Mas com esta reação torna-se difícil que as pessoas se possam expressar livremente e com a necessária independência que é requerida para fazer este tipo de análise.

E concordo que não deve ser só feita no clube A, B ou C mas sim de uma forma mais estrutural, a pensar o futebol como um todo em Portugal e como alavancar os clubes que têm mais potencial para ter sucesso europeu.

Na parte estrutural de como estimular o aumento da receita e como ser competitivo com essa receita a nível europeu e mundial, e olhando para a parte da estrutura da receita, houve uma coisa que me chamou a atenção: a Benfica SAD aumentou muito as suas receitas (portanto o estudo não diz apenas que os custos aumentaram) em torno de 46 milhões de euros por ano.

Entre os três anos pré-Covid e os três anos daí para cá, houve um aumento de receitas, sobretudo na parte comercial: receita que tem a ver muito com estádios, patrocinadores, parcerias com empresas, com social media, com e-sports. Portanto, há toda uma gama que já sofreu um aumentou, mas que se pode aumentar mais. E uma das táticas que os clubes grandes têm vindo a adotar, e não só, passa pelo investimento nos estádios. Por exemplo, o Real Madrid ganhou enormes receitas o ano passado com o novo estádio. Os clubes estão a tentar utilizar as suas infraestruturas de forma a maximizar as receitas operacionais e sustentar investimentos mais agressivos no que toca ao futebol. Porquê?

Neste quadro associado às regras da estabilidade financeira da UEFA, são permitidas este tipo de receitas. Portanto, essa receita conta e alguns custos desta construção dos estádios que não entram. Portanto, não acho que seja coincidência que alguns clubes tenham investido nos estádios

Nas receitas, é fundamental que se busquem formas alternativas às tradicionais receitas televisivas, etc, que estão em algum declínio (e nesse aspeto é difícil equacionar que vão existir renegociações como aquelas que aconteceram nos últimos anos) e portanto, é urgente pensar em formas alternativas de forma a conseguir competir ao nível internacional e para não depender tanto das transações de atletas que, como mostro no estudo, a maior parte, infelizmente, acaba por não ficar muitas vezes no clube e fica noutros emblemas ou em clubes terceiros.

No período analisado, a Benfica SAD fez mais de 190 milhões de euros em vendas mas só 30 milhões ficaram nos cofres do clube. Ou seja, por cada euro entraram 15 cêntimos. Como se explica essa discrepância de valores?

Vale a pena referir que as vendas brutas eram até 450 milhões de euros. Os 195 milhões de euros é o ganho bruto, digamos assim. Agora, quem é que se senta à mesa para dividir este bolo? É o Benfica, como é óbvio (foi quem comprou e quem vendeu), outros clubes (se os passes não fossem detidos a 100% pela Benfica SAD), são os empresários, porque quando o Benfica comprou, teve que pagar a estes empresários e agentes as taxas de comissão para convencer estes jogadores e os agentes que têm que vir para o Benfica e não para clubes alternativos; são taxas de intermediação, custo da intermediação na venda, porque quando têm que vender também têm que pagar estes custos de intermediação. E depois, ainda têm em cima disto os mecanismos de solidariedade, que são 5%. E não nos podemos esquecer dos bancos.

Isto tudo somado e é só olhar para o relatório e contas da época 2022/23, está escrito no relatório que foram feitas vendas de 176 milhões de euros brutos. No fim do dia, só entraram nos cofres da Benfica SAD 70 milhões milhões, um rácio de 40% (sem esquecer que quando há uma venda, há uma parte que tem de ser descontada, que é o valor que ainda está a pagar).

Descontando isto tudo, as comissões e o mecanismo de solidariedade, dos 176 milhões passa a 70 milhões de euros. Juntando a isto as compras, o que é que entrou efetivamente? Trinta milhões, dez milhões por ano. Portanto, há um sangramento enorme do que era o bolo que foi gerado por atletas a terem desempenho no Benfica e a serem revendidos e serem valorizados pela marca Benfica que não fica nesses cofres mas a ficar nos bolsos de todas as entidades que obviamente fazem parte destas operações.

E uma dessas entidades são os agentes de futebol e neste caso, as comissões que o Benfica pagou foram o dobro do que aconteceu nos dois rivais diretos: FC Porto e Sporting CP.

Exato. Mas é preciso referir que não faço nenhum julgamento sobre se as comissões são altas ou baixas por cada transação. Isso é outro ponto.

O que eu mostro é que mesmo que todos paguem igual em termos de margem sobre o mesmo valor, o que acontece é a Benfica SAD ao ter um volume de operações muito superior no que toca a compras, no que toca as vendas no agregado, que acaba por pagar mais naturalmente, porque opera mais compras, maiores valores e vende mais.

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