Parte importante do puzzle que os Estados Unidos criaram no Médio Oriente, o confronto com o Irão continua a ser um dos principais alvos da Casa Branca e motivo para que o executivo liderado por Donald Trump se desdobre em iniciativas que lhe permitam agregar cada vez mais países em torno das suas opções estratégicas. Neste quadro, o papel da União Europeia e dos países que a formam é encarado como essencial pela Casa Branca – que tem insistido de todas as formas para aproximar o agregado daquelas que são as diretivas de Trump contra o Irão, considerado uma potência regional desestabilizadora, financiadora de vários focos de terrorismo e ameaça genérica à paz na Eurásia.
Os resultados não parecem ser os melhores, e o redobrar de esforços da Casa Branca deixa evidente que os Estados Unidos desesperam – não certamente por causa da importância intrínseca do Teerão, mas antes porque o Irão é, juntamente com a Rússia e Turquia (faltando saber-se por onde anda a China), cada vez mais o ‘outro lado do espelho’ dos avatares planetários de Donald Trump.
A atividade ‘diplomática’ dos Estados Unidos junto de alguns órgãos de comunicação social europeus tem crescido nestas últimas semanas – com vários elementos do executivo norte-americano a disponibilizarem-se para dar a conhecer a estratégia da Casa Branca e para responder a perguntas sobre o que está em causa.
A cimeira da passada semana em Varsóvia – organizada pela Polóniae pelos Estados Unidos, com a presença de delegações de cerca de 65 países – foi mais um ‘happening’ com o mesmo sentido, e mais uma vez deixou a descoberto que os dois blocos, Estados Unidos e União Europeia, não estão em sintonia.
Os analistas descobriram na cimeira a vontade de Trump exercer uma espécie de ‘pulsão para a guerra’ (nas palavras do jornal britânico ‘The Guardian’) sobre o Irão – que teria necessariamente, antes dela, de passar por a União Europeia aceitar rasgar o Acordo Nuclear com o Irão, assinado em 2015. O conselho é repetido e a resposta de Bruxelas também não é nova: o acordo é para manter.
O representante da Alemanha na cimeira, o secretário de Estado Niels Annen – os germânicos não quiseram estar em Varsóvia nem sequer ao nível do ministro da pasta – foi claro quando disse que “precisamos de pressionar o Irão, mas a cooperação internacional em relação ao Acordo Nuclear também é necessária”, o que enfureceu o vice-presidente norte-americano, Mike Pence.
Numa resposta que terá sido pouco ponderada, Pence disse que “se vocês não nos ajudarem nesta nobre causa, pouco receberão da nossa parte”. E prosseguiu: “O Irão constitui a maior ameaça à paz e à segurança no Oriente Médio” e as suas ambições regionais podem resultar num “novo holocausto”. “Devemos mostrar força agora, embora infelizmente alguns líderes dos nossos países parceiros europeus não sejam tão cooperantes quanto seria desejável”.
O ambiente ficava razoavelmente tenso e Pence voltava a ter na cimeira, como única garantia de cooperação sem reservas, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu – ambos observados à distância por várias delegações de países árabes – a maioria deles desgraçadamente encurralados no meio do ódio que o Irão e a Arábia Saudita se reservam mutuamente.
Poucos dias depois da cimeira, Brian Hook, representante especial dos Estados Unidos para o Irão, organizava uma conference call com um grupo restrito de jornais europeus (de que o Jornal Económico faz parte) em que afirmava a aproximação entre os Estados Unidos e os seus parceiros europeus. Mas parecia pouco convencido: “Reconhecemos que os países participantes terão perspetivas diferentes [da nossa] e haverá momentos em que as suas opiniões entrarão em conflito com as nossas, mas nós vemos isso como essencial para uma discussão útil.”
“Não há dúvida de que discordamos dos nossos parceiros europeus sobre o acordo nuclear com o Irão, mas quando olhamos para as ameaças não nucleares, uma ampla gama de ameaças à paz e à segurança que o Irão apresenta, partilhamos a avaliação com a Europa; vemos a Europa tomar uma série de ações” contra o Irão. Ações que, aliás elencou: foram quase 15 desde que, em junho, os Estados Unidos deixaram o Acordo Nuclear – tomadas pela Alemanha, França, Dinamarca, Bélgica, Polónia, Holanda, Áustria, Sérvia e Albânia.
A dimensão da lista levou Hook a afirmar que “acho que nós vemos a Europa a colocar pressão sobre o Irão e isso resulta do muito trabalho que os Estados Unidos têm feito para construir uma maior unidade internacional para responder aos atos de agressão e terrorismo do Irão”. Mas a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, nem sequer se deu ao trabalho de viajar para Varsóvia.
Um pouco mais a sul
Nos mesmos dias, às mesmas horas, um pouco mais a sul, na instância turística russa de Sochi – como se fosse uma provocação – a Rússia, o Irão e a Turquia reuniam ao mais alto nível para conversarem sobre a Síria. Ou sobre outro assunto qualquer: o que estava em causa não era o tema da cimeira, mas antes uma confrontação entre duas linhas diplomáticas, a dos Estados Unidos e a da Rússia, que se encontram em crescente divergência.
Esse é outro tema incontornável da agenda dos Estados Unidos: a Rússia. Poucos dias antes da conferência de Brian Hook, uma sua colega de executivo, Kurt Volker, representante especial dos Estados Unidos para as negociações sobre a Ucrânia, organizava a sua própria conferência em que repetia que a Rússia continuava a ameaçar a paz mundial e o descanso da Europa desde que há cinco anos decidiu fazer aquilo a que chamou a anexação da Crimeia.
“Os Estados Unidos e os nossos aliados na Europa, especialmente a França e a Alemanha, continuam a trabalhar juntos. Continuamos a insistir na implementação dos acordos de Minsk” – que preveem o regresso da Crimeia ao controlo da Ucrânia, coisa que só ocorrerá nos sonhos dos norte-americanos (a Crimeia foi parar à Ucrânia por causa de um devaneio de Nikita Kruschev, antigo presidente da União Soviética, numa altura em que esse território estar na Rússia ou na Ucrânia era estrategicamente irrelevante).
É certo que a cimeira de Sochi não correu como era esperado: as divergências entre a Rússia e a Turquia em relação à Síria ficaram mais evidentes que nunca – mas o Irão acabou por ser uma espécie de vencedor daquela jogada tripartida: a sua posição como elemento fundamental da geopolítica no Médio Oriente saiu reforçada.
É neste quadro de ‘aperto’ entre duas agendas da Casa Branca que a União Europeia se debate atualmente. E, como dizem vários analistas, se tudo isto não é a guerra fria, pelo menos é uma coisa muito parecida.
Artigo publicado na edição nº 1977, de 22 de fevereiro, do Jornal Económico
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