Como surgiu o projecto ”Rios Livres” e qual é o papel da GEOTA neste projecto?
Nasce como um grupo de voluntários em 2011. Foi criado por um conjunto de amigos que estava a estudar Engenheira do Ambiente, na Faculdade de Ciência e Tecnologia na Nova. Juntámo-nos e foi uma coisa orgânica que foi-se desenvolvendo ao longo dos meses e ao qual acabamos por dar o nome de Rios Livres. No fundo, nasceu com esta vontade de tentarmos salvar aquilo que era o rio Sabor, onde estava a ser construído a Barragem do Baixo Sabor na altura e estavam em vias de começar as obras em Foz Tua. Fizemos acções de guerrilha, manifestações, mas também atuamos ao nível da advocacia; fizemos imensas queixas à Comissão Europeia, tentamos reunir aquilo que eram as partes interessadas.
Ao longo dos anos foi aumentado de escala. Fomos percebendo que precisamos de cada vez mais pessoas, fomos recebidos com mais voluntários e tentamos começar a perceber quais eram as linhas de acção que tínhamos na nossa mão enquanto grupo ambientalista para tentar salvar os rios.
Hoje em dia há mais atenção para aquilo que se passa nos rios, teve muito a ver com a situação do Tejo, com a poluição, e os Passadiços do Paiva, mas na altura os rios e os seus problemas não eram muito falados.
A construção da barragem no Fridão integra no Programa Nacional de Barragens, apresentado 2007. Em que consiste o vosso medir de forças para travar a construção desta infraestrutura?
Primeiramente, continuamos a ser claramente contra aquilo que é o Programa Nacional das Barragens.
Neste momento aquilo que era um programa, lançado em 2007, com 10 barragens planeadas, está atualmente com uma construída em Foz Tua, três em construção no Alto Tâmega, pela Iberdrola, e depois este projecto em Fridão, que é por parte da EDP, tal como em Foz Tua.
Nós acreditamos que é possível parar [a construção da barragem] e por isso é que lançamos esta campanha que é também o culminar de vários esforços que temos tido. Temos tido várias reuniões com os partidos, tivemos atividades de sensibilização junto das populações afectadas e portanto está todo um trabalho desde sensibilização à advocacia que temos tentando vir a desenvolver em prol do cancelamento destas barragens. Lançamos esta campanha numa altura em que o Ministério do Ambiente vai tomar uma decisão, no dia 18 de abril.
Sabemos que à partida, o Programa Nacional das Barragens estava mal desenhado se o único objectivo era produzir electricidade porque nunca foi analisado alternativas que tivessem menores impactos e que tivessem custos eficazes. Não diria que é um medir de forças com a EDP, é provar que até para a EDP isto será um mau negócio.
Mas, afinal, não são as barragens fontes de energia limpa que contribuem para uma sociedade mais sustentável? Não são as barragens ”amigas do ambiente”?
Há um mito de que as barragens fazem parte do grupo das energias limpas, mas é importante dizer que tanto as barragens, como todas as outras, nenhuma é energia limpa. Todas vão criar um impacto. A questão é perceber tendo em conta o local e a necessidade, qual é o impacto maior que podem ter.
Na verdade as barragens são as que têm maior potencial de criar maior impacto, porque estamos a falar de uma obra que vai alterar completamente a dinâmica da biodiversidade e as dinâmicas sociais, económicas e culturais de uma região, algo que não tem tanta tendência a acontecer com outras fontes de energia ditas limpas, como a solar ou a eólica.
Os impactos de uma barragem são irreversíveis, enquanto que com as energias eólica ou solar o impacto pode ser corrigido. Com uma barragem não, o impacto fica lá durante séculos.
De que maneira a construção desta barragem irá impactar o meio ambiente?
Os impactos? Há muitos e diferem sempre das características da região. Há barragens que tanto pelas suas características, como pelo sitio onde estão, como pela forma que vão ser operacionalizadas têm diversos tipos de impactos. De forma geral, podemos dizer que travam o transporte natural de sedimentos, as areias que são transportadas para a nossa linha de costa já não chegam ao seu destino.
Contribui para a perda da qualidade da água- o recurso mais importante a ser preservado neste século. Ao estagnarmos a água e passarmos a ter um sistema corrente, passamos de um sistema lótico para um sistema lêntico. Temos a água estagnada, temos a água que aumenta de temperatura, tem menor capacidade de absorver oxigénio e conjuntamente, com a carga orgânica que aflui a essa linha de água, a decomposição dessa matéria orgânica vai ter sempre tendência a degradar a qualidade da água.
Temos a perda de espécies migratórias que não conseguem subir ao longo do rio. O completo desaparecimento de ecossistemas, que são importantes corredores ecológicos.
E a comunidade local também será diretamente afetada?
Sim. No caso de Fridão acresce um outro impacto que existe noutras barragens, o fator de potencial/risco. Se houver um dano ou colapso numa barragem será agravado por uma das seguintes condicionantes. A primeira é uma albufeira nova que vai ser situada em cima de uma zona sísmica. O último sismo foi sentido há dois anos e ficou registado na escala de Richter em 3.7.
Estamos a falar de uma barragem que vai ficar a 6 km acima de uma cidade, cujo o centro está exactamente localizado junto às margens do rio. A zona de Amarante e o centro do Amarante ficam na zona de auto salvamento, em caso de rotura de barragem. Uma onda de cheias chega apenas em 13 minutos ao centro da cidade. Não há capacidade nesse local para os meios de protecção civil conseguir accionar os meios de normais para resgatar as pessoas.
Durante as nossas campanhas, percebemos que as populações tinham muita falta de informações. Ainda na semana passada, recebemos chamadas de pessoas que vão perder terrenos e que não sabiam. Ficaram a saber pelas noticias no telejornal. Com esta campanha queremos demonstrar que as pessoas no geral não querem isto.
Vai ser mau do ponto de vista energético para a EDP. Vai ser uma decisão danosa e potencialmente catastrófica se alguma coisa acontece de mal na barragem, e, portanto, com a campanha queremos mostrar que há uma vontade pública para que esta barragem não avance.
Acreditam que a EDP teve em consideração todos estes fatores problemáticos apresentados pelas autoridades antes de decidirem avançar com a construção?
A EDP estudou-os, apesar de acharmos que eles não tenham estudado com a adequada profundidade para tomarem uma decisão. Justificam a decisão com base na baixa probabilidade de danos que tem e na sua capacidade tecnológica. Coisa que nós não duvidamos. A probabilidade é baixa e sabemos que a tecnologia é de ponta, sabemos que essas condições podem ser menorizadas com um bom desenho e operação da barragem. Mas a verdade é que existe uma probabilidade e pode ser menor tido em conta.
Mas aqui os danos são tão elevados que faz com que no balanço total do risco seja mais elevado do que outras barragens. Na verdade, no caso de Fridão ela está considerada como nível máximo de risco. Este alerta é um alerta que foi lançado pela autoridade da Protecção Civil. É um dado que não podíamos deixar de ter em conta.
Se o Programa Nacional das Barragens já não fazia sentido do ponto de vista energético, se nunca foram equacionadas alternativas a estes danos ecológicos e sociais de uma região, neste caso ainda temos o fator extra que é: para quê uma decisão destas que já não fazia sentido nas outras? Se ainda há este risco, não faz sentido.
Que alternativas à construção da barragem apresenta o GEOTA?
A primeira seria o cancelamento da barragem de Fridão, deixar essa zona como produto de biodiversidade.
A energia hídrica e a eólica têm uma grande capacidade de produção nacional, mas temos a solar a representar 2%. Essa é uma grande alternativa.
Mas antes de pensarmos se precisamos de nova produção ou não, é importante reforçar que 2010 foi o pico de procura máxima de electricidade em Portugal. Nos últimos anos não voltou a haver esse grau de procura. Logo aí a pergunta ”precisamos de maior produção eléctrica?’’ tem que ser feita. No nosso ponto de vista, de momento, essa não é a nossa prioridade. A nossa prioridade é baixar os nossos consumos. Temos uma intensidade energética no nosso país muito elevada, sobretudo em sectores como a industria.
Sugerimos também uma aposta na eficiência energética como prioridade à nova produção, e se é necessária nova produção, tornemos as nossas fontes mais resilientes aos fenómenos das alterações climáticas. As alternações climáticas prevêem que em países como os nosso haja cada vez menos água nos nossos rios. Será necessário estar a fazer cada vez mais barragens num país que tem mais de 7 mil no seu território?
Recentemente, o comentador Luís Marques Mendes revelou que o Governo não vai avançar com construção da barragem, mesmo tendo sido investidos 218 milhões de euros por parte da EDP. Encaram isso como uma vitória?
As declarações feitas por Luís Marques Mendes foram muito pertinentes, pois assinalam a decisão como um assunto de importância nacional, com o qual concordamos.
É de notar, contudo que, apesar de vários meios de comunicação terem dado a notícia como um desfecho, isso não é verdade. A decisão não foi ainda tomada, nem anunciada, pelo que acreditamos que tudo está em aberto até dia 18 de abril.
A questão da devolução do montante pago pela EDP em 2008 é, na nossa opinião, uma matéria que o atual Governo deve negociar com a EDP. E que esperamos que o faça.
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