O “apagão” da passada segunda-feira foi um evento de particular relevância no contexto da transição energética e digital. A recuperação do sistema foi feita sem incidentes de maior e de forma célere tendo em conta as especificidades do incidente. Havia sistemas de salvaguarda que foram utilizados e funcionaram. O regresso da eletricidade tinha de ser faseado e não houve, regra geral, nem danos à infraestrutura nem aos aparelhos e quase não ocorreu intermitência no abastecimento.
Por estarmos perto de eleições, mas não só, o apagão está a ser utilizado oportunisticamente para defender bandeiras ideológicas, nomeadamente a nacionalização do setor elétrico, bem como a oposição às renováveis e à interligação da rede com Espanha.
É provável que a origem tenha estado num excesso de “produção” pelo fotovoltaico que a infraestrutura não soube gerir, apesar de ser antecipável. No entanto, confundir a má preparação ou má gestão da infraestrutura com a transição energética acaba por ser desonestidade intelectual.
É do interesse estratégico de Portugal depender o menos possível de combustíveis fósseis no seu mix energético e chega a ser caricato ter de o explicar no contexto geopolítico atual. Isso não significa que não se opere sob critérios de racionalidade económica e técnica e que não se assumam os custos de manter sistemas de redundância e de salvaguarda. Urge modificar o atual sistema de fixação de preços de características marginalistas, com base no princípio de que o preço da energia é fixado pelo custo da última central a entrar em funcionamento.
Por outro lado, criticar a interligação a Espanha é ignorar os muitos milhões de euros de poupança nos custos de eletricidade, a possibilidade de exportar e que a interligação pode melhorar a resiliência do fornecimento. Alias, é urgente aumentar as ligações da Península ao resto da Europa.
Parece ser evidente que se chegou a um novo paradigma ao nível da produção de eletricidade que não foi acompanhado das necessárias evoluções a nível de infraestrutura, gestão de rede e armazenamento, definição de preços e fiscalidade. O “apagão” que atingiu Espanha e Portugal deve servir de alerta tanto para os governos como para as empresas de eletricidade. O desenvolvimento de uma rede elétrica moderna exige investimentos abrangentes em toda a infraestrutura. O resto soa a demagogia.
P.S. – Seria útil um debate aprofundado acerca do que se passou nas telecomunicações, que potenciou os efeitos negativos do apagão.