O chefe humanitário da ONU acusou Israel de impor “deliberada e descaradamente condições desumanas aos civis no Território Palestiniano Ocupado” e questionou os Estados-membros das Nações Unidas sobre o papel que desempenharam para “evitar o genocídio”.
Num dos mais duros discursos sobre a guerra em Gaza feitos perante o Conselho de Segurança da ONU, Tom Fletcher apelou à consciência da comunidade internacional e pediu ao corpo diplomático que refletisse sobre as medidas que cada um tomou para travar esta “atrocidade do século XXI a que assistimos diariamente em Gaza”.
“É uma pergunta que ouviremos, ora incrédulos, ora furiosos – mas sempre presentes – para o resto da vida. Certamente que todos afirmaremos ter sido contra? Talvez digamos que emitimos uma declaração? Ou que confiávamos que a pressão privada pudesse funcionar, apesar de tantas evidências em contrário?”, equacionou, no arranque do encontro, realizado na terça-feira.
“Ou fingiremos que achávamos que uma ofensiva militar mais brutal teria mais hipóteses de trazer os reféns de volta do que as negociações (…)? Talvez nos lembremos que, num mundo transacional, tínhamos outras prioridades. Ou talvez usemos aquelas palavras vazias: ‘Fizemos tudo o que podíamos'”, acrescentou.
Após essa reflexão, o chefe de Assuntos Humanitários da ONU passou a descrever a situação no terreno, em Gaza, frisando que “Israel está a impor deliberada e descaradamente condições desumanas aos civis no Território Palestiniano Ocupado”, onde durante mais de 10 semanas “nada entrou em Gaza – nem alimentos, medicamentos, água ou tendas”.
Centenas de milhares de palestinianos foram, mais uma vez, deslocados à força e confinados em espaços cada vez mais pequenos, uma vez que 70% do território de Gaza se encontra dentro de zonas militarizadas israelitas ou sob ordens de deslocação, explicou.
Cada um dos 2,1 milhões de palestinianos da Faixa de Gaza corre o risco de fome, sendo que um em cada cinco enfrenta já a fome, “apesar de vocês terem financiado a comida que os poderia salvar”, frisou Fletcher.
“Por ter visitado o que resta do sistema médico de Gaza, posso dizer que a morte a esta escala tem um som e um cheiro que não nos abandonam. Como descreveu uma enfermeira, ‘as crianças gritam enquanto lhes tiramos tecido queimado das peles'”, relatou.
Tom Fletcher acusou Israel de colocar o seu objetivo “de despovoar Gaza acima das vidas dos civis”, ao não permitir que as equipas humanitárias façam o seu trabalho e entreguem ajuda a Gaza.
Endurecendo ainda mais o tom, Fletcher rejeitou completamente a modalidade de distribuição de ajuda projetada por Israel, considerando tratar-se de “um espetáculo cínico, uma distração deliberada, uma fachada para mais violência e deslocações”.
“Se alguma coisa disto ainda importa, não participem” no projeto israelita, instou o representante das Nações Unidas.
Fletcher recordou que o Conselho de Segurança já se reuniu inúmeras vezes para abordar a situação humanitária em Gaza, tendo sido descritos ao pormenor os extensos danos civis a que as equipas humanitárias assistem diariamente: “Morte, ferimentos, destruição, fome, doença, tortura, outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, deslocações repetidas, em grande escala”.
“Vocês têm essa informação. Agora, o Tribunal Internacional de Justica (TIJ) está a considerar se está a ocorrer um genocídio em Gaza. O TIJ avaliará os depoimentos que partilhamos. Mas será tarde demais”, garantiu.
O subsecretario relembrou ainda que análises anteriores da conduta da ONU em casos de violações em larga escala dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário – Myanmar em 2019, Sri Lanka em 2012, e Srebrenica e Ruanda, ambos em 1999 – apontaram para uma falha coletiva em abordar a dimensão das violações enquanto eram cometidas.
“De que mais provas precisam? Vocês agirão agora – decisivamente – para evitar o genocídio e garantir o respeito pelo direito internacional humanitário? Ou dirão, em vez disso, ‘fizemos tudo o que podíamos’?, insistiu.
“Exijam o fim disto. Parem de armar. Insistam na responsabilização. Às autoridades israelitas: parem de matar e ferir civis. Levantem este bloqueio brutal. Deixem que os humanitários salvem vidas”, reforçou, garantindo que as gerações futuras não esquecerão a responsabilidade de cada um “nesta atrocidade”.
Por sua vez, o embaixador israelita na ONU, Danny Danon, rejeitou as acusações “infundadas e ultrajantes” contra o seu país.
“A ONU quer preservar a estrutura humanitária que serve o Hamas, um sistema que alimenta terroristas enquanto civis e reféns morrem de fome”, acrescentou.
Apesar dos apelos de Tom Fletcher, os Estados Unidos deixaram claro que já estão a colaborar com Israel no mecanismo de ajuda que Telavive projetou para permitir a entrada condicional de ajuda humanitária em Gaza, apesar da oposição da ONU e de vários países do Conselho de Segurança.
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